Política de Biden com a China será esforço para equilibrar um relacionamento tóxico

Novo presidente terá de lidar com guerra comercial com o país asiático que marcou o governo Trump

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The New York Times

Além de uma pandemia letal e de uma economia enfraquecida, o presidente eleito Joe Biden vai herdar mais um desafio quando assumir o poder em janeiro: um relacionamento tóxico com a segunda maior economia do mundo.

O presidente Donald Trump tarifou centenas de bilhões de dólares de produtos vindos da China, impôs sanções a empresas chinesas e restringiu a possibilidade de empresas chinesas comprarem tecnologia americana —uma ofensiva incansável de vários anos cuja finalidade foi forçar Pequim a modificar suas práticas comerciais e castigá-la por seus modos de ação autoritários.

Em seus dias finais na Presidência, Trump não está dando sinais de moderar sua ação: na quinta (12), ele emitiu uma ordem executiva proibindo americanos de investir em firmas chinesas com vínculos militares.

Xi Jinping, à esq., à época vice-líder da China, ao lado de Joe Biden, durante visita do estão vice-presidente dos EUA a Pequim
Xi Jinping, à esq., à época vice-líder da China, ao lado de Joe Biden, durante visita do então vice-presidente dos EUA a Pequim - Lintao Zhang - 18.ago.11/AFP

Entre as escolhas difíceis que Biden terá de fazer está a decisão de manter as tarifas sobre cerca de US$ 360 bilhões em bens importados da China, tarifas essas que já elevaram os custos pagos por empresas e consumidores americanos, ou de relaxá-las em troca de concessões sobre outras questões econômicas ou outras frentes, como a mudança climática.

Biden terá que agir com cuidado. Ele e seus assessores talvez enxerguem muitas das medidas de Trump, cujo objetivo foi cortar os vínculos entre as economias chinesa e americana, como desajeitadas, pouco estratégicas e de alto custo.

Dizem que querem adotar uma abordagem mais estratégica que combine colaborar com os chineses em algumas questões, como o aquecimento global e a pandemia, e ao mesmo tempo competir com eles pela liderança tecnológica e confrontá-los sobre outras questões, como o expansionismo militar, as violações de direitos humanos e o comércio injusto.

Em discurso na segunda-feira (16), Biden prometeu fazer investimentos significativos na indústria americana, incluindo US$ 300 bilhões em indústrias tecnológicas que, segundo ele, vão criar 3 milhões de empregos “que pagam bem”, além de canalizar mais recursos governamentais para a aquisição de produtos americanos como automóveis e farmacêuticos.

“Vamos investir nos trabalhadores americanos e torná-los mais competitivos”, disse Biden. Ele acrescentou que vai garantir que os sindicatos de trabalhadores e organizações ambientais participem de quaisquer negociações comerciais e que fará pressão para que sejam os Estados Unidos, além de outras democracias, a definir as regras do comércio mundial, e não a China. “A ideia de estarmos aguilhoando nossos amigos e abraçando autocratas não faz sentido para mim”, disse Biden.

Mesmo que Biden se afaste da abordagem punitiva seguida por Trump, sua administração vai querer conservar influência sobre a China para poder alcançar suas próprias metas políticas.

E a nova administração enfrentará pressão de parlamentares de ambos os partidos que veem a China como uma ameaça à segurança nacional e introduziram legislação para punir Pequim por suas violações dos direitos humanos, suas operações para estender sua influência global e suas práticas econômicas.

“É provável que este seja um período em que a incerteza continue presente no front EUA-China”, disse Myron Brilliant, vice-presidente executivo da Câmara de Comércio dos Estados Unidos.

“Não há dúvida de que o presidente Trump adotou uma postura intransigente em relação à China, e isso provavelmente não dará muita flexibilidade ao presidente eleito Biden em um primeiro momento, mas estamos prevendo uma mudança importante de tom, estilo e processo com a nova administração.”

Biden divulgou poucos detalhes sobre seus planos para as relações EUA-China, exceto por dizer que quer recrutar aliados dos EUA, como a Europa e o Japão, para pressionarem a China a adotar reformas econômicas, como proteger a propriedade intelectual.

Ele prometeu dedicar mais recursos ao fortalecimento da capacidade manufatureira, infraestrutura e desenvolvimento técnico dos EUA, para assegurar que o país mantenha dianteira sobre a China mesmo quando esta investe muito em áreas como telecomunicações, inteligência artificial e semicondutores.

Mas Biden enfrentará pressão de ambos os partidos para que não retorne ao enfoque que ele e muitos de seus predecessores abraçaram anteriormente, quando trouxeram a China para dentro da economia global em um esforço para transformar suas práticas econômicas.

Como muitos democratas e republicanos nos anos 1990 e início dos anos 2000, Biden argumentou que integrar a China ao sistema comercial global forçaria Pequim a jogar segundo as regras internacionais, algo que beneficiaria os trabalhadores americanos.

Em 2000, ele votou por conceder relações comerciais normais permanentes à China, abrindo caminho para o ingresso do país na Organização Mundial de Comércio e para o aprofundamento dos laços econômicos globais. Trump conquistou a Presidência em 2016 em parte por rejeitar fortemente essa abordagem, argumentando que os Estados Unidos precisavam isolar Pequim, e não integrá-la ao mundo.

Duas décadas mais tarde, Biden reconhece que a China explorou o sistema internacional e defende uma abordagem mais agressiva. Disse que os EUA precisam “endurecer com a China” e aludiu a Xi Jinping, o líder chinês, como um “tirano”.

O Congresso também está relativamente unificado quanto à necessidade de adotar uma posição dura em relação à China. Centenas de projetos de lei ligados ao país asiático estão circulando, entre os quais vários esforços bipartidários que ecoam a ênfase de Biden sobre investir em indústrias americanas como computação quântica e inteligência artificial para competir com a China.

É possível, também, que os primeiros passos do democrata sejam ditados pelos meses finais de Trump.

Muitos especialistas comerciais receiam que Trump, que ameaçou fazer a China “pagar” por não ter feito o suficiente para conter o coronavírus, intensifique sua guerra econômica.

Segundo pessoas que estão a par do pensamento de vários assessores de Trump, eles estão furiosos com a China por seu papel como ponto de origem do coronavírus, que enxergam como um dos principais fatores responsáveis pela derrota de Trump.

Uma área a ser focada é o acordo comercial que Trump firmou com representantes da China em janeiro.

Embora a China tenha em grande medida respeitado o compromisso que assumiu de abrir seus mercados a empresas americanas, e embora os assessores de Trump tenham continuado a defender o pacto, Pequim está muito atrasada em sua promessa de comprar US$ 200 bilhões adicionais de bens e serviços até o final de 2021.

O mais provável é que Trump deixe esse acordo intacto, disse Chris Rogers, analista de comércio e logística internacional na Panjiva. Mas Rogers não exclui a possibilidade de “uma política de terra arrasada em que se declare que a China violou seus compromissos da primeira fase do acordo comercial e se volte à escalada das tarifas”, disse Rogers.

“Se o acordo for rompido, o presidente eleito Biden terá que lidar com os destroços”, acrescentou.

A possibilidade de Biden optar por revogar as medidas mais punitivas de Trump vai depender, pelo menos em parte, do comportamento futuro da China, inclusive se ela lança mais incursões agressivas no Mar do Sul da China, contra Taiwan e Hong Kong, disseram pessoas próximas de sua campanha.

“A administração Trump nunca chegou a delinear uma estratégia comercial coerente, abrangente e engajada”, comentou a economista Thea M. Lee, presidente do Economic Policy Institute.

“Foi algo muito mais disperso e aleatório: impor uma tarifa aqui, fechar um acordo com a China –elementos díspares que não pareciam combinar. Mas há muitas ferramentas nessa caixa, e eu gostaria de ver a administração Biden agindo de modo estratégico e refletido em sua utilização”, disse Lee.

Tradução de Clara Allain

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