Descrição de chapéu Armênia

Rússia envia força de paz ao Cáucaso e tenta conter ação da Turquia

Premiê da Armênia está sob risco de perder cargo depois de capitulação para o Azerbaijão

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São Paulo

A Rússia começou a enviar seus 1.960 soldados de uma força de paz que visa implementar o acordo que paralisou a guerra entre a Armênia e o Azerbaijão, em vigor a partir desta terça (10).

A rapidez de Moscou tem um motivo: a Turquia de Recep Tayyip Erdogan, que obteve uma grande vitória política ao apoiar a ofensiva de Baku sobre a região disputada de Nagorno-Karabakh e os distritos ocupados por armênios à sua volta.

Tanque russo que integrará a força de paz de Nagorno-Karabakh se aproxima da fronteira da Armênia
Tanque russo que integrará a força de paz de Nagorno-Karabakh se aproxima da fronteira da Armênia - Francesco Brembati/Reuters

O conflito durou seis semanas e matou talvez 5.000 pessoas, segundo estimativas pouco precisas. Após um período sem ganhos militares óbvios, os azeris conseguiram controlar boa parte das áreas ao sul da capital de Karabakh, Stepanakert.

Ao longo do fim de semana, tomaram a estratégica cidade histórica de Shushi, considerada a porta de entrada para a capital. Foi quando os militares armênios jogaram a toalha, levando o premiê Nikol Pashianyn a aceitar o acordo mediado pelos russos.

A Armênia perderá todos os territórios que ocupa desde o fim da guerra, de 1992 a 1994, que travou após o fim da União Soviética com os azeris, que também integravam o império comunista.

O governo autônomo de Karabakh será mantido, até porque a região tem 99% de armênios étnicos, mas parte de seu território, incluindo Shushi, cidade-símbolo do nacionalismo armênio na região, será integrado ao Azerbaijão.

Azeris celebram o que consideram a vitória sobre a Armênia nas ruas de sua capital, Baku
Azeris celebram o que consideram a vitória sobre a Armênia nas ruas de sua capital, Baku - Tofik Babaiev/AFP

A ligação entre Nagorno-Karabakh e a Armênia será cortada, sendo mantido apenas o chamado corredor de Lachin, com estradas sendo patrulhadas pelos russos para garantir a comunicação mínima.

Por outro lado, os azeris ganharão uma linha de contato análoga, por meio de uma estrada que corre pela fronteira entre a Armênia o Irã até o território autônomo que possui dentro do rival vizinho, o Nakhichevan.

Mais importante, essa área, que não esteve envolvida nos combates, tem uma pequena faixa de fronteira com a Turquia, permitindo uma ligação direta entre o regime de Erdogan e o do presidente Ilham Aliyev, que recebeu muito equipamento militar turco para sua campanha, além do apoio de mercenários sírios trazidos por Ancara.

Aliyev afirmou que os turcos fariam parte da força de paz, o que o porta-voz do Kremlin, Dmitri Peskov, negou na manhã desta terça. Ele afirmou, contudo, que seria montado um centro de operações conjunto russo-turcas para monitorar a região.

Manifestantes discutem após invadir plenário do Parlamento da Armênia para protestar contra o acordo de paz
Manifestantes discutem após invadir plenário do Parlamento da Armênia para protestar contra o acordo de paz - Vahram Baghdasaryan/Photolure/via Reuters

O país de Vladimir Putin é o protetor formal da Armênia, mantendo ali uma grande base militar desde os tempos soviéticos. No atual conflito, buscou uma posição neutra para tentar atrair Baku, rica em hidrocarbonetos, para a órbita turca.

Além disso, Putin não era próximo de Pashinyan, que chegou ao poder em 2018 após uma "revolução colorida" com tons anti-Kremlin. Isso deixou o líder russo numa posição mais exposta, evidenciada pelas tentativas fracassadas de cessar-fogo.

Com a vitória militar azeri iminente, o melhor negócio para todos foi obrigar Pashinyan a aceitar o que chamou de "doloroso acordo". Putin e Erdogan saem vitoriosos, e, com a presença militar russa em solo, Moscou mantém seu pé na região. Mais: sempre vilão na narrativa ocidental, Putin foi apoiado pelos EUA e pela França desta vez.

Mas a emergência do turco como ator regional é inescapável, em especial pela agressividade com que conduziu o apoio a Baku. Ele e Aliyev, um autocrata ao estilo soviético, enfrentavam crises de popularidade devido à fraqueza econômica decorrente da pandemia e agora têm um trunfo político na mão.

Também arranhou a imagem russa a derrubada de um helicóptero militar seu na segunda (9), naquilo que Baku afirmou ter sido um engano e pelo qual se desculpou.

O disparo que matou dois militares foi feito desde Nakhichevan e, assim como o abate de um bombardeiro russo em 2015 pelos turcos, no começo da intervenção de Putin na guerra civil síria, Moscou acabou fazendo vista grossa.

Assim, Moscou e Ancara podem ter evitado um confronto direto, risco que já correram tanto na Síria quanto na Líbia, mas a tensão geopolítica que remonta aos tempos imperiais dos dois países seguirá.

Mas o perdedor mesmo é Pashinyan. Ao longo da madrugada, protestos pediam seu cargo —manifestantes invadiram o Parlamento em Ierevan e até arrancaram a plaquinha com o nome do premiê em seu escritório.

Pela manhã, a situação estava mais tranquila. "Há uma divisão muito grande no país. Existe um sentimento de ódio e abandono por parte da comunidade internacional, tristeza mesmo", relata o brasileiro Caíque Gudjenian, que mora na capital armênia desde 2018.

"Mas é preciso ver com racionalidade o acordo, que evitou uma tragédia ainda maior", disse.

Sua percepção vai ao encontro do que falou o líder de Nagorno-Karabakh, Arayik Harutyunyan. "Se os combates continuassem, teríamos perdido toda Artsakh em poucos dias e teríamos ainda mais vítimas", afirmou em um vídeo, usando o nome armênio para a região.​

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