Argentina acelera votação do aborto para evitar aglomerações como as de Maradona

Assim como grupos militantes do lado de fora, plenário do Congresso se divide entre azuis e verdes

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Buenos Aires

O sempre sóbrio interior do Congresso argentino estava diferente nesta quinta-feira (10). Foram poucos os deputados que entraram no recinto sem exibir de que lado estavam no debate sobre a legalização do aborto —que deve ser votado até a madrugada de sexta-feira (11).

Grande parte dos legisladores contra a proposta que permite a interrupção da gravidez, apenas pela decisão da mulher, até a 14ª semana de gestação, exibia lenços azuis ou tinha alguma peça nessa cor.

Ativistas favoráveis ao projeto fazem manifestação na frente do Congresso argentina nesta quinta (10)
Ativistas favoráveis ao projeto fazem manifestação na frente do Congresso argentina nesta quinta (10) - Emiliano Lasalvia/AFP

O mesmo ocorria do lado verde, que representa os favoráveis ao projeto de lei. Havia lenços verdes —inspirados naqueles usados pelas Mães da Praça de Maio, que buscavam seus filhos desparecidos durante a ditadura (1976-1983)— amarrados nos punhos, nas roupas ou cobrindo as mesas de trabalho.

Na noite de quarta (9), os congressistas acordaram mudanças de última hora no texto para viabilizar a votação. O item sobre a objeção de consciência (quando o médico se recusa a realizar o procedimento por razões pessoais ou religiosas) agora afirma que tanto o profissional quanto o hospital ou clínica precisam encaminhar a mulher o mais rapidamente possível a alguém que possa realizar o procedimento.

A versão anterior do texto considerava que essa era uma obrigação apenas do médico.

Também na quarta, os deputados acataram um pedido do governo e concordaram em fazer discursos mais curtos, para diminuir o tempo da aglomeração de militantes dos dois lados que estão em vigília diante do Congresso.

A sessão, que terá 170 oradores, começou com atraso, às 11h. E, até às 21h, o tempo máximo de 5 minutos não vinha sendo respeitado, e muitos falavam o dobro do período previsto.

Duas semanas após o velório de Diego Armando Maradona, que teve momentos de caos em Buenos Aires, a segurança foi reforçada para tentar evitar aglomerações. Mais uma vez, porém, as placas metálicas e a estrutura para conter a multidão não pareciam ser fortes o suficiente caso houvesse correria.

Os defensores e os opositores do projeto de lei começaram a chegar à Praça do Congresso em maior quantidade no fim da tarde. Do lado verde, havia muitas adolescentes e mulheres jovens.

Além do lencinho verde, muitas incorporaram também a máscara de proteção contra ao coronavírus nessa cor —que podia ser comprada numa banquinha.

O setor verde foi organizado como se fosse uma feira com vários estandes, cada um representando uma ONG ou movimento. Animadas, ao som de música, faziam contas com as listas de deputados e, a partir dos discursos, iam montando um placar.

A maioria levou sanduíches, refrigerantes e água para enfrentar a longa noite. Rocío Perroti, 24, conta que milita há três anos na causa feminista. "Faço pela minha mãe e pela minha avó, que não puderam escolher quase nada sobre as vidas delas. Este é um dia histórico, em que vamos transformar a Argentina."

Separados do lado verde por um corredor de placas metálicas, os representantes do grupo celeste, contrários ao projeto, organizaram uma caminhada a partir do Obelisco.

Havia organizações católicas e muitas mulheres de meia-idade ou mais velhas. "Não é esta a via para evitarmos mais abortos, mas sim com educação e informação. Por que ninguém usa lencinhos coloridos pela pobreza ou contra a corrupção? Está na cara que isso é uma jogada de marketing, há outros interesses aí, votos de deputados que são comprados, por exemplo, só para aprovar essa lei, que vai criar uma indústria do aborto", disse Sergio Gómez, 44.

Desse lado da praça, havia faixas dizendo "a vida não se debate" e "evitemos o genocídio de bebês".

Dentro do Congresso, os discursos também se dividiam. "Com esse projeto, não vamos promover o aborto. Ninguém é a favor do aborto. Nenhuma mulher fica grávida para abortar. É uma situação traumática. O que essa lei faz é colocar o Estado mais presente para acompanhar e dar à mulher acesso a uma opção de interrupção da gravidez não desejada", disse a peronista Ana Carolina Gaillard, com uma camisa verde.

Usando uma blusa azul celeste, Carmem Polledo, deputada do PRO, partido do ex-presidente Mauricio Macri, disse que "é difícil acreditar que, no meio de uma pandemia que matou 40 mil argentinos, uma peste que leva a vida dos mais velhos, e com um governo populista que está acabando com o valor dos salários, estamos aqui debatendo o aborto, e não essas questões mais sérias".

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