Descrição de chapéu Coronavírus

Brasileiros contam como é viver na Ásia quase um ano após início da Covid-19

Folha colheu depoimentos em Taiwan, na China, no Japão, na Coreia do Sul e na Tailândia

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Bauru e São Paulo

Em abril, cinco brasileiros que moram na Ásia contaram à Folha como seus países de residência estavam enfrentando a pandemia de coronavírus, cuja dimensão e consequências ainda eram desconhecidas à época.

Oito meses depois, depoimentos vindos de China, Japão, Taiwan, Coreia do Sul e Tailândia descrevem as mudanças na rotina no cenário pandêmico e avaliam as medidas implantadas pelas autoridades locais.

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'Decidi ficar na China porque aqui é muito mais seguro'

Hoje existe a sensação de que a pandemia passou, pelo menos dentro da China —até tem festival de música em Wuhan [epicentro da doença]. A vida em Pequim parece que voltou ao normal, com algumas diferenças com as quais você eventualmente se acostuma.

A primeira é ter ciência de que, se você sair do país, não volta. Então há um vácuo entre quem fica e quem vai embora —uma amiga foi para os Estados Unidos, não conseguiu entrar, e eu tive que ir à casa dela e organizar toda sua mudança em uma chamada de vídeo.

As pessoas falam mais das consequências econômicas. Você tem uma economia que está se recuperando, só que você vive as consequências do que aconteceu antes: gente que perdeu emprego e agora está procurando, gente que perdeu casa ou não conseguiu guardar dinheiro.

Como eu trabalhei até junho e minhas aulas de chinês agora são remotas, naturalmente seria hora de voltar ao Brasil, mas eu decidi ficar na China porque aqui é muito mais seguro.

Até tem um caso de Covid-19 em uma província ou outra, mas as autoridades reagem rápido. Um dia, eu saí à tarde para fazer compras, uma mulher me entregou um panfleto e me disse para ir a uma tenda na esquina fazer o teste. Sem agendamento, sem custo, eles testaram o bairro inteiro.

Em cinco minutos, saí de lá com o teste pronto e no dia seguinte me mandaram uma mensagem com o resultado.

Para entrar em alguns lugares, como restaurantes e boates, é preciso apresentar o "health code" [código de saúde], um aplicativo com um código de barras que registra que você esteve naquele lugar, em determinado dia e horário.

"Verde" significa que você está liberado, "amarelo" ou "vermelho" é porque você deveria estar de quarentena e não pode entrar. Só que é uma exigência mais burocrática mesmo —todo mundo sabe que é chato, mas faz. Ninguém está preocupado se você tem coronavírus ou não.

Quando você pega um táxi, recebe uma mensagem dizendo quando o carro foi esterilizado. Se você usa um serviço de entrega, o aplicativo mostra a temperatura corporal do entregador em tempo real. Uma coisa é você ter aquilo escrito e outra é confiar se é verdade, mas existe essa demanda por segurança por parte dos chineses. Eles são muito ansiosos com a Covid-19.

A maioria das pessoas continua a usar máscara —obrigatória nos transportes, mas não para andar na rua—, seja porque está frio, devido à poluição ou mesmo por educação.

Existe uma resistência maior entre os estrangeiros. Às vezes, quando ando de metrô e o guarda vê que eu estou de máscara, me pergunta “Como se diz ‘colocar a máscara’, em inglês?"

Mas a sensação de normalidade é muito grande —passei o Natal em Xangai com alguns amigos e o Ano-Novo será em uma boate. Às vezes, falo com pessoas no Brasil e sei que tem gente que vai levando a vida normal, só que a pandemia está descontrolada.

Não consigo nem processar o que me contam. Eu fiquei muito paranoico aqui e não entendo porque isso não acontece no Brasil.

O analista Thiago Bessimo, 29, mestre em política pela Universidade de Pequim, mora na capital chinesa desde 2016.

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'Japão se acostumou com a pandemia, mas permanece o clima de tensão'

A tensão sobre a situação do coronavírus no Japão ainda existe, mas acho que a gente se acostumou com ela. O clima é mais de incerteza: sobre a doença, sobre a vacinação, sobre a situação econômica, sobre o que está acontecendo de verdade.

Aqui existe uma teoria da conspiração, uma certa desconfiança de que, para impedir que os Jogos Olímpicos sejam adiados ou cancelados mais uma vez, o governo japonês esteja omitindo alguns números da Covid-19. Japonês é um povo muito cuidadoso para fazer um tipo de acusação como essa, mas entre a população tem bastante gente que desconfia.

A gente tem vivido um grande aumento de casos. Em Toyohashi, uma cidade vizinha de Toyota, onde eu estou morando, o número de casos detectados nos meses de novembro e dezembro foi o dobro do registrado nos nove meses anteriores.

Eu tive que viajar bastante para Tóquio, uma região em que os novos casos estão mais complicados. Nos últimos seis meses, eu acho que eu fui umas dez vezes para lá. Sempre morrendo de medo, uma roleta russa, mas em função do trabalho a gente tem que ir. Eu nunca tive nenhum sintoma, mas toda vez que eu vou bate aquela insegurança.

De forma geral, os japoneses são muito cuidadosos em relação aos hábitos de higiene e levam a sério a noção de que "meu espaço termina onde começa o seu". Eles não são calorosos e não têm o costume de abraçar e beijar. O cumprimento é sempre à distância, uma reverência, e isso faz com que não se espalhe tanto a doença. Tanto que, em algumas cidades, a proporção de novos casos de coronavírus é muito maior entre estrangeiros que entre os japoneses.

Mas a rotina segue quase normal. Tenho um amigo que trabalha em uma loja de móveis e ele contou que nunca viu tanta gente comprando. E são compras supérfluas: é compra de abajur, por exemplo, não comida ou outras necessidades básicas.

Eu tenho uma visão de que as pessoas se acostumaram com o problema. Elas se habituaram com a ideia de que têm que conviver com vírus e tocar suas próprias vidas. Eu vejo fotos de amigos em redes sociais, indo para bares e baladas. Ninguém parece muito preocupado.

Aqui eu só conheço uma pessoa próxima que teve Covid-19, mas se recuperou e está fora de perigo. No Brasil, eu conheço várias. Na semana passada, um amigo e o pai dele morreram devido ao coronavírus em um intervalo de dois dias.

Eu vim para cá em 2018 escrever um livro sobre os 30 anos de história da comunidade brasileira no Japão e precisei incluir um capítulo só sobre a pandemia. Por isso eu me preocupo e acho triste e revoltante quando alguém minimiza a gravidade da doença.

Jornalista e escritor, Gilberto Yoshinaga, 41, vive há dois anos no Japão.

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'Ao contrário do Brasil, em Taiwan as pessoas têm medo de morrer'

Hoje [terça, 22] é um dia atípico porque foi confirmado o primeiro caso de transmissão local da Covid-19 e está todo mundo em alerta. Taiwan ficou 253 dias sem contaminação interna e, agora, uma mulher que esteve em contato com o piloto de uma companhia aérea do país pegou o vírus.

Eles estavam circundando a região norte da cidade, então o governo está aumentando os cuidados em todos esses locais. Embora Taiwan tenha requisitos rígidos de quarentena de 14 dias para a maioria das chegadas, os pilotos só precisam se isolar por três dias.

Então hoje, especialmente, as pessoas estão morrendo de medo. É um povo que já passou pelo surto da Sars, então eles são muito atentos e cuidadosos. Como Taiwan é uma ilha pequena, num piscar de olhos a notícia já se espalhou e há um alerta geral.

O taiwanês já tem uma mentalidade de ter que se proteger e proteger o próximo, de que é preciso estar de máscara, e tem a questão cultural de manter a distância. Para se cumprimentar, só um aceno com a cabeça e, no máximo, um aperto de mão.

O único sinal que parecia dar uma aliviada na tensão foi poder fazer reuniões com amigos e dentro de casa. Mas agora, com o primeiro caso, as pessoas devem começar a cancelar encontros. Não é que nem no Brasil, “pegou, pegou, não pegou, melhor ainda”, aqui o pessoal tem medo de morrer.

Na minha cidade, Nova Taipé, o evento de Natal já não ia acontecer. Está em discussão se o tradicional espetáculo de fogos de artifício do maior prédio do país, o Taipei 101, que acontece na virada do ano, deve ser suspenso.

Os casos que iam se confirmando eram de pessoas vindas de fora. Aqui em Taiwan, como grande parte da população é idosa, muitas pessoas vêm da Indonésia trabalhar como cuidadores e isso gerou muita preocupação nas autoridades.

Os indonésios acabam usando o sistema de saúde daqui, e os taiwaneses acham estão pagando do próprio bolso os recursos utilizados pelos estrangeiros.

Acaba por existir um preconceito contra os indonésios especificamente por ser um país menos desenvolvido, e isso é muito triste. Vejo muitas pessoas nas redes sociais falando “lá vamos nós pagar a conta deles de novo”.

O pessoal está louco para sair do país e viajar, mas a maioria sabe que não é o momento porque o risco de você ser contaminado lá fora é muito grande. Além disso, o isolamento de duas semanas no regresso faz você perder possíveis trabalhos.

Isso está mexendo muito com o estresse dos taiwaneses, mas ao mesmo tempo, estão bem confiantes de que, por enquanto, dá para segurar.

Kevin Tai, 28, completa dois anos em Taipé em março. Ele é fisioterapeuta e atualmente trabalha como modelo e professor de inglês.

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'Mesmo sem lockdown, medo da Covid-19 na Coreia do Sul não é constante'

Muita coisa mudou nos últimos meses sobre a pandemia de coronavírus na Coreia do Sul, mas os jovens continuam sendo uma das maiores preocupações das autoridades do país. Em novembro, por exemplo, as confraternizações de jovens para comemorar o Halloween fizeram aumentar os casos de menos de 100 para mais de 700 por dia.

A situação aqui nunca foi tão grave como no Brasil ou na Europa, mas na semana passada tivemos o maior número de casos registrados em único dia desde o início da pandemia.

As pouco mais de mil infecções diárias que temos agora podem parecer pouco para o Brasil, mas são significativas para a Coreia do Sul, que tinha esperanças de controlar a Covid-19 meses atrás. Isso não aconteceu, em grande parte devido à dificuldade de encontrar formas de fazer com que as pessoas parassem de se reunir.

A Coreia do Sul nunca decretou um lockdown, e me parece que se o tivesse feito, a população entenderia e aderiria às regras. A essa altura, a Covid-19 poderia estar erradicada, mas o país decidiu pagar um preço para que sua economia não fosse tão fortemente afetada como outras nações pelo mundo.

No início da pandemia, a maior preocupação eram os centros religiosos, os mais resistentes contra as orientações e protocolos de segurança. Chegou a um ponto em que 80% dos casos no país estavam relacionados às igrejas evangélicas que não respeitavam as recomendações e se posicionavam contra o governo central.

Hoje, elas cumprem mais as regras, e até há autoridades do governo presentes nos cultos para fiscalização. Então a preocupação das autoridades passou a ser os jovens, que no começo seguiam as restrições à risca mas agora são os principais focos de disseminação, principalmente na capital, Seul.

A preocupação é que o jovem sul-coreano parece não aguentar mais o isolamento, e o país entrou em alerta para o Natal e Ano-Novo. Até as iluminações típicas desse período estão proibidas. Agora estamos em um período que as autoridades estão chamando de "restrição pontual" para as festividades de fim de ano. Até 3 de janeiro, não podem se reunir mais de quatro pessoas no mesmo ambiente.

Talvez em uma métrica brasileira, o acumulado de casos e mortes que temos poderia permitir que as famílias se reunissem nesse final de ano. As pessoas aqui não estão morrendo loucamente, mas os números são muito maiores do que o que estava nos planos do governo. Eu realmente não achei que teria que passar o Natal isolado.

Eu me antecipei e fiz minha festa na terça-feira (22). A gente adiantou a farofa e a rabanada e fizemos aqui o nosso Natal brasileiro. No dia 24, eu vou passar provavelmente assistindo a filmes de Natal e bebendo vinho sozinho. Até para fazer um Zoom com a família fica complicado pelo fuso de 12 horas: aqui vai ser noite de Natal e eles vão estar começando o dia. Vai ser um Natal mais solitário.

Eu estou seguindo todos os protocolos, mas eu não vivo com o medo constante que muitos amigos e familiares estão vivendo no Brasil. Aqui, no meu círculo próximo de pessoas, eu não conheço ninguém que pegou o coronavírus. No Brasil é o contrário: em todos os grupos de conhecidos existe pelo menos uma pessoa ou um parente que foi infectado. É surreal, parece que estou falando de uma realidade paralela.

Pós-graduado em políticas públicas pelo Korean Development Institute, Thiago Mattos Moreira, 27, é consultor comercial em Seul.

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'Tailândia fez sacrifícios, mas vive temor com nova onda de casos'

A cara da cidade mudou. Não está desértica, com as ruas apagadas em um clima quase de velório como eu narrei em março, porém não é a Bancoc pujante como uma das capitais mais visitadas do mundo.

A Tailândia decidiu sacrificar a economia, em vez das pessoas, e a vida de uma cidade voltada ao turismo continua em “stand by”. Com as fronteiras fechadas para receber viajantes, todo esse comércio interno teve que se organizar para atrair o público local.

Muitos lugares que tinham um perfil "superinstagramável" e bonitinho para atrair turistas quebraram e tiveram que fechar as portas.

No cotidiano, a vida voltou mais ou menos ao normal. Tem restaurante aberto, as escolas voltaram em junho e as pessoas descobriram que podem trabalhar de casa.

O uso da máscara no Sudeste Asiático não é novidade —a diferença é que quando o ar está poluído, usa-se a proteção como um filtro para poluição e, quando não está, usa-se uma mais leve e fininha.

Em agosto, houve uma abertura para a entrada de trabalhadores essenciais e as suas famílias —Bancoc tem uma comunidade de expatriados muito grande— e esse vinha sendo o ritmo desde o fechamento das fronteiras em março.

Na semana passada, o governo anunciou que abriria a fronteira para turistas vindos de alguns países, desde que cumprissem uma quarentena de 15 dias após a chegada.

Depois de um enorme sacrifício econômico, tudo parecia bem. No entanto, houve novos casos de coronavírus em um mercado de frutos do mar perto de Bancoc, onde imigrantes trabalham, especialmente de Mianmar.

Mesmo com a fronteira fechada, existe tráfico de pessoas e esses imigrantes foram trazidos ilegalmente —junto com o vírus. Pode ser que tenhamos um novo lockdown se o número de contaminações aumentar.

Houve um relaxamento. Você via pessoas andando na rua ou se exercitando no parque com a máscara no queixo, e só colocavam a proteção dentro de um estabelecimento. Agora, já existe uma preocupação maior.

Aqui é uma antítese do que acontece no Brasil. Existe uma consciência muito grande do coletivo, conheço várias pessoas que cancelaram planos de viagens no fim do ano. Eu vou passar Natal em casa e no Ano-Novo penso em ir à praia, mas tudo dependerá se haverá ou não um lockdown.

E sim, existe um temor que essa onda não consiga ser controlada. A economia está bastante sacrificada, quantos outros serão perdidos em consequência de uma nova onda?

Ainda que viesse desempenhando um papel interessante, com medidas importantes para salvar a população, agora todo o sacrifício da Tailândia pode ser jogado fora. Infelizmente estamos longe de algum país vencer a batalha contra a pandemia.

Ex-correspondente na Venezuela, a jornalista Claudia Jardim, 39, vive em Bancoc.

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