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Eleição na Venezuela deve fortalecer Maduro e acabar com ciclo de Guaidó como líder opositor

Com abstenção prevista em 70%, pleito escolhe no domingo a nova Assembleia Nacional

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Buenos Aires

Espera-se pouca ou nenhuma surpresa no resultado do pleito que, neste domingo (6), definirá quem serão os 227 integrantes da próxima Assembleia Nacional da Venezuela.

A lista de razões para tal é grande: os principais partidos de oposição se recusaram a participar da eleição devido a irregularidades nas disputas mais recentes; outras legendas contrárias ao regime de Nicolás Maduro foram consideradas inelegíveis; não haverá observadores internacionais; e a abstenção prevista é de mais de 70%, segundo o instituto Datanálisis.

Além disso, o novo Conselho Nacional Eleitoral (CNE) foi escolhido de modo irregular, sem passar pelo Congresso e apenas com membros vinculados à ditadura chavista.

O ditador da Venezuela, Nicolás Maduro, faz campanha em Caracas - Jhonn Zerpa - 3.dez.20/Presidência da Venezuela/AFP

Há, ainda, uma campanha de pressão do regime sobre as camadas mais pobres, as que mais sofrem com a falta de alimentos nos mercados. "Aquele que não votar não comerá", afirmou, assim, sem rodeios, Diosdado Cabello, homem-forte do governo, em um comício realizado recentemente.

Embora o voto seja secreto, quem apresentar o "carnê da pátria" —por meio do qual a população recebe benefícios do governo— nos chamados "pontos vermelhos", quiosques montados próximos aos pontos de votação, certificando que participou do pleito, receberá caixas extra de comida neste mês.

É por isso que o resultado esperado é que o PSUV (Partido Socialista Unido da Venezuela) recupere a maioria do Parlamento, perdida em 2015 para a oposição, naquela que é reconhecida internacionalmente como a última eleição justa realizada no país.

A oposição reage de duas maneiras. O grupo de partidos que apoia o atual líder da Assembleia Nacional, Juan Guaidó, boicotará a votação. No lugar, fará uma consulta popular, pela internet e presencialmente, que terminará no dia 12. Nela, os cidadãos respondem se "rejeitam o evento de 6 de dezembro organizado por Nicolás Maduro e solicitam que a comunidade internacional deixe de reconhecê-lo".

Com o resultado, Guaidó pretende continuar a angariar apoios pelo mundo e seguir como interlocutor dos EUA e de países que chancelam a manutenção da pressão e de sanções a membros do regime.

Por outro lado, partidos da oposição não alinhados a Guaidó —e tolerados pelo regime— participarão da eleição. "Para Maduro, é bom que exista uma oposição mansa, para que possa vender a ideia de que tem um Parlamento variado", diz à Folha o analista político Luis Vicente León, do instituto Datanálisis.

"E, para esses opositores, a ideia é entrar no Parlamento como células adormecidas. Por enquanto, jogam o jogo do regime, mas, se o quadro virar, serão a oposição legítima e podem passar a um primeiro plano."

A nova assembleia toma posse em 5 de janeiro. Nesse dia, terminam os mandatos de Guaidó e de seus apoiadores, o que pode significar o fim de um ciclo da oposição. "O objetivo de Maduro não é ter mais poder ou ser reconhecido internacionalmente, ele já tem todo o poder, e o mundo, ele sabe, não o reconhecerá. Mas, sim, o regime quer eliminar Guaidó, esvaziar sua relevância", complementa León.

O funcionamento das instituições, de fato, não muda muito, uma vez que a Assembleia Nacional atual é considerada "em desacato" e, portanto, suas decisões eram invalidadas pela Justiça, dominada pelo chavismo. No lugar da Assembleia Nacional, atua a Assembleia Nacional Constituinte, uma espécie de congresso paralelo eleito em 2017 —e que agora será dissolvido.

O que vem mudando, sim, é a situação da crise humanitária e da degradação econômica —para pior. Em 2021, o país entrará no quarto ano de hiperinflação, "o maior período de hiperinflação pelo qual passa um país que não está em situação de guerra", afirma Asdrúbal Oliveros, da consultoria Ecoanalítica.

Os efeitos desse contexto são devastadores. O salário mínimo vale menos que US$ 1 (R$ 5,16), e o salário médio de um professor corresponde a US$ 5 (R$ 25,78). Já médicos recebem entre US$ 6 (R$ 30,94) e US$ 8 (R$ 41,25).

Antes da pandemia de Covid, a Venezuela já havia visto o PIB encolher 69%. Segundo a Ecoanalítica, essa cifra deve passar dos 80%. Além de paralisar a economia, a crise sanitária teve diversos efeitos negativos, como a interrupção do fluxo de remessas que venezuelanos no exterior enviavam ao país.

Oliveros afirma que, hoje, entram no país ao menos US$ 10 bilhões (R$ 51,7 bi) por ano via economia clandestina, seja por meio da exploração ilegal de mineração, contrabando ou desvios em aduanas. É devido a esse movimento que, de alguma forma, o dinheiro circula no país, ainda que de forma muito desigual, porque só os que detêm essa economia paralela, muitos dos quais vinculados ao poder, têm acesso aos valores.

Há, ainda, uma redução grande do transporte público e privado, devido ao desabastecimento de combustível, e um aumento do trabalho informal. "A maioria das pessoas agora não tem mais um emprego formal, mas vários informais. O governo quase não arrecada por meio de impostos", diz o economista.

De acordo com projeção do FMI, a Venezuela terminará 2020 com inflação acumulada de 6.500% e uma taxa de desemprego de 54%.

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