Milhares voltam às ruas de Paris em ato contra lei que proíbe gravações de policiais

Protesto crítico à legislação apoiada por Macron teve confronto entre manifestantes e forças de segurança

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Paris | AFP e Reuters

Milhares de franceses foram às ruas de Paris neste sábado (5) para marchar contra a violência policial e a política de segurança do governo do presidente Emmanuel Macron que, segundo os manifestantes, ameaçam as liberdades civis.

Entre os participantes do ato, grupos de pessoas encapuzadas e vestidas de preto quebraram vitrines de lojas, incendiaram carros e lançaram pedras contra policiais, que reagiram com gás lacrimogêneo.

De acordo com a polícia de Paris, cerca de 500 "desordeiros" se infiltraram entre os manifestantes pacíficos, e ao menos 30 foram presos. No Twitter, o ministro do Interior, Gérald Darmanin, agradeceu aos agentes que se mobilizaram na contenção dos protestos diante de "indivíduos às vezes muito violentos".

Os cerca de cem atos programados para este sábado, também registrados em cidades como Marselha, Lyon, Montpellier e Rennes, são similares aos do último sábado (28), quando outros milhares ocuparam as ruas da capital. Em Nantes, dois policiais ficaram feridos ao serem atingidos por um coquetel molotov.

A onda de protestos começou quando o governo apresentou o projeto de Lei de Segurança Global, que, entre outras diretrizes, criminaliza a gravação e a divulgação das ações das forças de segurança do país.

O artigo 24 da lei pune com um ano de prisão e multa de até 45 mil euros (R$ 288 mil) a divulgação da "imagem do rosto ou de qualquer outro elemento identificador" de policiais em ação.

O texto diz que os responsáveis por tais atos devem ser punidos quando as imagens atentarem contra a "integridade física ou psicológica" dos oficiais.

​Políticos de oposição e membros da sociedade civil argumentam que a linguagem da legislação é muito ampla e, na prática, a lei desencorajaria não apenas as testemunhas de possíveis excessos dos policiais, como também jornalistas que queiram repercutir abusos de agentes.

"Estamos caminhando para uma limitação cada vez mais significativa das liberdades. Não há justificativa", disse Karine Shebabo, moradora de Paris e participante dos atos deste sábado.

Manifestantes reunidos na Praça da República em ato contra lei de segurança em Paris - Geoffroy van der Hasselt - 5.dez.20/AFP

Com faixas e palavras de ordem, os manifestantes pediram a anulação do projeto de lei e se referiram à França como uma "terra dos direitos da polícia", e não dos direitos humanos.

Outros grupos gritavam "todo mundo odeia a polícia". "A França tem o hábito de restringir as liberdades enquanto prega sua importância para os outros", disse Xavier Molenat, outro manifestante parisiense.

“Não há um dia em que não ouvimos falar de brutalidade policial”, disse Amal Bentounsi, que fundou um coletivo para vítimas de violência dos agentes. “Esta lei de segurança visa aqueles que foram submetidos à repressão durante anos, especialmente em bairros de classe trabalhadora."

Dois dias depois de a Assembleia Nacional Francesa aprovar previamente a controversa legislação, a divulgação de imagens de uma agressão brutal cometida por policiais contra um produtor musical negro na entrada de seu estúdio causou comoção em todo o país e deu novo fôlego aos atos de protesto.

Michel Zecler contou que estava próximo do local, em uma área residencial nobre no noroeste de Paris, na noite de 21 de novembro. Como estava sem máscara de proteção, cujo uso é obrigatório na França para evitar a propagação da Covid-19, o produtor disse ter entrado rapidamente no prédio para não ser multado.

Segundo ele, três policiais então o seguiram e começaram a agredi-lo. Zecler também disse que os agentes fizeram ofensas raciais.

Os três agentes foram indiciados por "violência voluntária por parte de pessoa detentora de autoridade pública" (similar ao crime de lesão corporal dolosa) e por "mentir em documento público" (falso testemunho) ao relatarem suas versões sobre o ocorrido.

Um quarto policial, suspeito de lançar gás lacrimogêneo no local em que Zecler foi agredido, foi indiciado por lesão corporal dolosa contra o produtor musical e outros nove jovens que estavam no subsolo do estúdio e agiram em defesa do colega.

Na última segunda-feira (30), após um fim de semana de protestos, a Assembleia Nacional anunciou que vai reescrever o artigo 24 da Lei de Segurança Global, embora não tenha deixado claro quais serão as mudanças implementadas.

O governo alega que o artigo protege a polícia de mensagens de ódio e pedidos de morte nas redes sociais, assim como da divulgação de detalhes da vida privada dos agentes que os colocariam em risco.

Os críticos do projeto, por sua vez, afirmam que muitos casos de violência policial ficariam impunes se não fossem gravados pelas câmeras de jornalistas ou celulares de cidadãos. A proposta deve ser votada pelos senadores franceses em janeiro.

Macron reconheceu nesta sexta (4) que pessoas negras têm maior probabilidade de serem paradas pela polícia para verificação de identidade do que pessoas brancas. Ele também anunciou a criação de plataforma online para que cidadãos registrem abordagens injustificadas.

"Quando você tem uma cor de pele que não é branca, você é controlado muito mais [pela polícia]", disse Macron, em entrevista ao portal de notícias Brut. "Você é identificado como um fator problemático. E isso não pode ser justificado."

O presidente francês também criticou a violência contra a polícia nos atos do último fim de semana em Paris, que ele atribuiu a "pessoas loucas". "Não posso deixar que digam que estamos reduzindo as liberdades na França", disse.

Os comentários do presidente geraram uma resposta furiosa dos sindicatos da polícia neste sábado.

A Alliance Police, uma das principais representantes da categoria no país, considerou os comentários de Macron vergonhosos e negou que as forças de segurança francesas sejam racistas. Outros grupos ameaçaram deixar de fazer abordagens aleatórias, que fazem parte da rotina dos policiais.

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