Descrição de chapéu Venezuela

'Não vamos desistir, mesmo com fraude', diz autoproclamado presidente da Venezuela

Juan Guaidó comanda boicote à eleição da Assembleia Nacional e promove consulta popular paralela

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Buenos Aires

Aos 37 anos, Juan Guaidó está diante de uma de suas últimas esperanças para seguir relevante como líder opositor na Venezuela. No dia 5 de janeiro, termina o mandato da atual Assembleia Nacional, eleita em 2015, na última eleição considerada legítima no período de Nicolás Maduro no poder.

Na época, os opositores conseguiram a maioria das cadeiras, e Maduro aceitou a derrota. Mas logo começaram as tentativas de esvaziar o poder do Legislativo, por meio de perseguição a parlamentares, veto de leis aprovadas e até pela eleição de uma assembleia paralela, em 2017.

A casa tinha como missão oficial redigir uma nova Constituição, mas as eleições para formá-la foram consideradas fraudulentas pela comunidade internacional.

Na prática, essa assembleia atuou como um órgão de veto ao que decidia a AN (Assembleia Nacional, a oficial), inclusive ocupando o local onde os parlamentares costumavam se reunir. Em diversas ocasiões, a AN teve de realizar suas sessões em lugares alternativos.

Escolhido para liderar a AN pelo opositor Leopoldo López, que estava preso desde 2014, Guaidó foi eleito presidente da casa em janeiro de 2019 e se proclamou "presidente encarregado" do país.

Ele e seu grupo argumentaram que havia um vácuo de poder —já que a eleição para presidente, em maio de 2018, tinha apresentado irregularidades. O plano não funcionou, apesar de mover multidões em seu apoio nas ruas.

Na eleição do próximo domingo (6), Guaidó comanda o boicote à eleição da AN convocada por Maduro ao mesmo tempo em que promove uma "consulta popular" —cujo resultado pretende apresentar à comunidade internacional. Guaidó conversou com a Folha nesta terça-feira (1º).

Juan Guaidó em um pulpito
Juan Guaidó durante Assemlbéia Geral da Organização das Nações Unidas realizada virtualmente devido à pandemia - 23.set.2020/Divulgação/AFP

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Que resultados o senhor espera obter com a consulta popular? Acreditamos que haverá uma grande mobilização da população e uma demonstração de que temos maioria nas ruas do país. Será uma consulta na qual os venezuelanos ratificaremos nosso compromisso com uma mudança democrática.

A ideia é enviar ao mundo uma mensagem que demonstre nossa determinação em continuar na luta para colocar um fim à crise gerada pela ditadura na Venezuela.

Alguns políticos, como Henrique Capriles [ex-candidato a presidente e ex-governador do estado de Miranda], pediram que a eleição fosse adiada por conta da pandemia do coronavírus. O senhor crê que haja condições sanitárias para a realização das eleições legislativas? O regime impôs na Venezuela as medidas de quarentena mais duras e longas do mundo. Já há meses estamos com as atividades produtivas, acadêmicas e de todo tipo paralisadas. Isso fez com que, à nossa duríssima realidade, tenha se somado uma queda de 25% do PIB, apenas neste ano. Trata-se de uma verdadeira tragédia que se manifesta em ainda mais miséria, fome e imigração.

Mas agora, após meses e meses de restrições, Maduro decretou o fim mágico da pandemia, apenas para justificar essas eleições espúrias que convocou. É um autêntico ato de cinismo que se soma a outras evidências de seu desprezo pela vida dos venezuelanos. Se tivesse um pouco de responsabilidade, não levaria adiante esse processo, pelo menos não nessas condições. Mas Maduro não se importa com o bem-estar dos demais. A demonstração disso é que tem havido infecções em comícios e atos realizados por seu próprio partido, que resultaram em mortes e em contágios, inclusive de seus próprios dirigentes.

Nesta eleição, mais do que em outras, haverá menos cobertura de veículos internacionais, devido à pandemia, e nada de observadores internacionais. Para o senhor, haverá fraude? Sem nenhuma dúvida. E nem se trata de algo que nos devesse surpreender. É a crônica de uma morte anunciada. Uma fraude cantada desde o princípio. Desde a convocatória por parte de um Conselho Nacional Eleitoral, que foi escolhido à margem da Constituição, que diz que a decisão deve passar pela Assembleia Nacional. É por isso que essa eleição está sendo recusada pelos próprios venezuelanos, que não irão comparecer, haverá grande abstenção. Também esperamos que a comunidade internacional não reconheça seus resultados.

A resposta dos venezuelanos será por meio da abstenção massiva aos centros eleitorais nesse dia. Os poucos que irão comparecer o farão por meio do constrangimento.

Qual será a sua estratégia e a de seus aliados, caso tenham de deixar a Assembleia Nacional no começo do ano que vem? Será a de não desistir. Continuaremos lutando até vencer, seguiremos com a pressão internacional e com a mobilização interna. A Assembleia Nacional legítima, que somos nós, não renunciará a seu compromisso de luta sob nenhuma circunstância. Não nos assustaremos com a perseguição. Não nos assustaremos se as forças militares nos impedirem de continuar realizando nossas sessões na sede do Poder Legislativo nacional. Cada dia morre gente neste país por conta desse regime, e não podemos ficar de braços cruzados. Lutamos contra uma ditadura, em desigualdade de condições, mas estamos persuadidos de que, finalmente, a causa da democracia vai se impor na Venezuela.


Raio-x

Juan Guaidó, 37
Deputado nacional pelo estado de Vargas, é o presidente da Assembleia Nacional da Venezuela. Em janeiro de 2019, proclamou-se presidente do país.

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