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Por vizinho surdo de 6 anos, rua inteira de cidade belga aprende linguagem de sinais

Para se comunicar melhor com Wout, que nasceu surdo, moradores se mobilizam e conseguem turmas de escola especializada

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Bruxelas

Wout, 6, ficou muito animado quando seu vizinho lhe falou sobre a lição de casa. O tema não costuma ser animador para um menino da idade dele, mas o comentário teve um significado especial: foi feito na linguagem de sinais, que toda a sua rua está aprendendo para poder se comunicar melhor com ele.

Wout nasceu surdo. Como ele, 34 milhões de crianças no mundo têm dificuldades de audição, segundo a Organização Mundial da Saúde. Na Bélgica, onde ele mora, 12% da população (incluindo adultos) tem problemas auditivos, o que corresponde a pouco menos de 1,4 milhão de pessoas.

Tessa Leenaerts, 36, seu filho, Wout, 6, seu marido, Bert, 36, e sua filha, Hanna, 21 meses, em Wuustwezel, na região de Flandres, na Bélgica - Arquivo pessoal - 6.nov.2020

A descoberta do problema auditivo de Wout foi uma surpresa para a família, que não tinha registros de casos semelhantes. Um teste de audição feito com algumas semanas de idade levou ao diagnóstico, conta sua mãe, Tessa Leenaerts, 36.

Os primeiros meses foram atribulados. Com oito meses, Wout fez um implante coclear, ou seja, recebeu na região do ouvido um equipamento eletrônico que simula as funções do corpo. Foi nessa época que Tessa e o marido, Bert, começaram a aprender a Língua Gestual Flamenga (VGT), linguagem de sinais usada em Flandres, região belga em que se fala o flamengo (semelhante ao holandês).

A VGT é usada por cerca de 5.000 habitantes de Flandres, mas o aprendizado não foi fácil, relembra Tessa. “Para começar, estávamos todos muito tristes e sensíveis. Não queríamos estudar a linguagem de sinais, mas sabíamos que era preciso”, diz ela.

Além dos entraves emocionais, havia vários obstáculos práticos: os dois continuavam trabalhando, e Wuustwezel, cidade de 18 mil habitantes onde moram, não tinha a estrutura necessária nem para o ensino da VGT nem para o atendimento médico de Wout.

Os pais precisavam dirigir mais de 400 km por semana e não viam muita melhora na audição do garoto após o implante. Foram eles que ensinaram ao filho os primeiros sinais: “eu quero mais” foi o primeiro.

“Quando Wout fez três anos, decidimos solicitar um implante de tronco encefálico em seu lado direito. Um neurocirurgião da Alemanha veio à Bélgica para fazer a cirurgia. Depois de alguns meses, vimos mais melhorias”, conta Tessa.

Com o passar dos anos, os três ganharam fluência no idioma, a ponto de fazer os sinais sem precisar pensar sobre eles, conta Tessa. Wout passou a aprender também na escola para surdos em que estuda.

Seu intérprete, que o acompanha nas aulas de esportes e de natação, também lhe ensina novos gestos.

Mas quando dois vizinhos procuraram o casal para saber onde poderiam aprender a VGT para se comunicar melhor com o pequeno, abriu-se uma nova oportunidade para ampliar o círculo de comunicação de Wout.

Normalmente, a associação Doof Vlaanderen (Surdos de Flandres), que ensina a língua de sinais flamenga, só tem classes nas maiores cidades da província de Antuérpia e Turnhout, onde fica Wuustwezel. Os vizinhos teriam que dirigir ao menos 40 minutos para conseguir ter aulas.

Tessa teve então a ideia de perguntar se outros vizinhos, amigos e familiares estariam interessados. Com as respostas positivas, procurou a Doof Vlaanderen, que concordou em abrir turmas em Wuustwezel, segundo seu coordenador, Hannes de Durpel, porque considerou excelente a iniciativa do município.

A Doof Vlaanderen entrou com o professor, e Tessa procurou a prefeitura para pedir uma sala de aula. “Eles não só providenciaram o local como anunciaram nossa iniciativa no Facebook. Em um dia, a classe estava lotada e havia uma lista de espera”, diz ela.

Como havia interesse suficiente —39 pessoas no total—, a prefeitura ofereceu uma segunda turma, e o professor concordou em ir à cidade duas noites por semana.

As aulas começaram em outubro deste ano e deveriam continuar até abril, mas foi preciso interrompê-las devido à pandemia de Covid-19. A previsão é que sejam retomadas em janeiro —normalmente, segundo Durpel, o curso básico tem 40 sessões ao longo de dois anos.

Os vizinhos de Wout vão aprender com professores surdos treinados pela instituição um vocabulário básico e algumas regras gramaticais ensinados a partir de temas específicos. “O objetivo é ensinar como interagir de uma forma simples”, diz o coordenador. A cultura surda também é examinada.

Tessa observa que o aprendizado não é fácil, mesmo para quem tem contato frequente com pessoas surdas. “Meu marido vai até seguir isso como um curso de atualização. Você realmente tem que praticar muito para não perder”, diz.

Já a irmãzinha de Wout, Hanna, que tem quase dois anos, mostra desenvoltura com a VGT, além de dominar a linguagem falada. “Acho que no momento ela usa cerca de 85 sinais”, diz Tessa.

Como o irmão mais velho, a menina aprendeu rapidamente a indicar “quero mais” e usa com frequência os gestos que significam beijar, comer, dar um tapa, beber, obrigado, cadê?, brincar, gato, cachorro e cavalo.

Ainda que os vizinhos aprendam, ao menos nesta etapa, apenas fundamentos básicos, as aulas já permitirão mais conexões com Wout, afirma a mãe. Ele diz algumas palavras, mas “para quem não o conhece muito bem ainda é bastante difícil ou impossível entendê-las”.

Por enquanto, Wout tem aproveitado bem a educação especial. Sua mãe diz que espera que em algum momento ele possa fazer a transição para o ensino regular, mas ainda é cedo para saber se isso será possível em sua cidade.

Se a oportunidade surgir, ele terá direito a um intérprete em tempo integral na escola. Mas terá que se virar sozinho para estudar nos recessos, e o currículo da escola regular é mais puxado que o da especial.

Fascinado por carros, Wout está sempre brincando com eles, andando de bicicleta, dirigindo carrinhos de controle remoto ou pilotando um kart e um trator de brinquedo.

Herdou do pai e do avô o interesse pela mecânica e tecnologia que envolvem os veículos. “Quando crescer, ele quer fazer algo nesse sentido. No momento, diz que quer trabalhar numa oficina”, diz Tessa, sorrindo.

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