A cela na qual Nicmer Evans, 45, ficou preso, entre 13 de julho e 1º de setembro, não tinha luz. Aliás, em grande parte da prisão em que esteve, conhecida como A Tumba, situada vários andares abaixo da terra, em Caracas, a luz do sol não entra.
"Dormi 18 noites no chão. Depois, numa cama pequena. Minha cela não tinha mais que 2 m²", lembra ele.
Evans, um acadêmico que militou no primeiro partido formado por Hugo Chávez (1954-2013), o MVR, foi do apoio ao regime venezuelano à oposição, após perceber, diz ele, que o movimento se encaminhava para algo diferente do proposto por Chávez e se tornava uma ditadura comandada por Nicolás Maduro.
"Nunca gostei de ser chamado de 'dissidente' do chavismo, mas sim de 'crítico' ao chavismo. E, por essas críticas, fui perseguido e preso", afirma. As críticas eram feitas por meio de entrevistas, artigos e postagens em redes sociais, e foram as manifestações na internet que provocaram sua prisão.
Nas mensagens, criticava a emissora chavista Globovisión, por esconder a realidade da crise humanitária do país, e chamava o governo venezuelano de narcoditadura.
"Acusaram-me de instigar a violência e o ódio, não me julgaram, colocaram-me nessa cela na qual eu recebia dois copos, um com água para beber, e outro vazio, para urinar", diz.
"Fui privado por várias horas de ir ao banheiro e tinha de ouvir gravações de conversas dos agentes com minha família. Interrogaram meu filho de seis anos. Sofri tortura psicológica."
Entre os projetos atuais de Evans está contar o que viu na Tumba: pessoas feridas, vítimas de castigos físicos e sem direito a banho, além de colegas de militância e militares considerados traidores. Ele diz, porém, que a publicação terá de esperar, pois as famílias dos presos temem a exposição.
"É por isso que muito do que se passa nas cadeias onde estão prisioneiros políticos é pouco conhecido. As pessoas têm medo do que pode acontecer com quem está lá dentro. Tenho de respeitar isso", afirma.
O acadêmico foi liberado em setembro junto a mais de cem presos, devido a um indulto assinado por Maduro. "Foi um afago, um gesto diante da comunidade internacional para limpar um pouco as mãos antes das eleições legislativas", diz.
A decisão, segundo Jorge Rodríguez, homem-forte do chavismo e ministro das Comunicações, foi para "aprofundar o processo de reconciliação nacional ante o próximo processo eleitoral".
Na mesma ocasião, liberaram ou retiraram processos de outros presos e acusados políticos, como Freddy Guevara, Roberto Marrero e Miguel Pizarro. Houve, também, a libertação do oposicionista Juan Requesens, que deixou a prisão após uma negociação conduzida por Henrique Capriles.
A pressão pela liberação de Evans contou com o apoio de Luis Almagro, secretário-geral da Organização dos Estados Americanos, e da ONG Anistia Internacional, de defesa dos direitos humanos.
O acadêmico afirma não crer na lisura das eleições deste domingo (6) nem na consulta popular proposta pelo oposicionista Juan Guaidó, que decidiu boicotar o pleito oficial para "não chancelar o regime".
Diz que fará campanha para um referendo revogatório, mecanismo que a Constituição venezuelana prevê, desde que realizado na metade do mandato do presidente no poder.
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