Turquia mantém preso empresário acusado de participar de tentativa de golpe contra Erdogan

Osman Kavala está detido desde 2017 sem condenação; ativistas denunciam aparelhamento do Judiciário turco

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Ancara | Reuters

O Tribunal Constitucional da Turquia decidiu, nesta terça-feira (29), que a detenção do empresário e filantropo Osman Kavala não violou seu direito à liberdade e à segurança, de acordo com a agência de notícias estatal Anadolu.

Kavala, 63, está preso desde 2017 sem uma condenação específica e chegou a ser absolvido, em fevereiro, das acusações relacionadas aos protestos que se espalharam por todo o país em 2013.

Depois da absolvição, entretanto, ele foi detido novamente, desta vez sob suspeita de ter participado da tentativa de golpe contra o presidente da Turquia, Recep Tayyip Erdogan, em 2016.

O presidente da Turquia, Recep Tayyip Erdogan, durante sessão do Parlamento, em Ancara - Presidência da Turquia/Divulgação - 23.dez.20/AFP

A defesa de Kavala entrou com um pedido ao Tribunal Constitucional no início do ano, alegando que sua detenção era ilegal e, portanto, violava seu direito a liberdade e segurança, mas a corte não validou sua ação.

No último dia 18, uma instância inferior da Justiça turca havia decidido manter Kavala na prisão. A audiência, lotada de observadores, incluindo diplomatas estrangeiros e políticos de oposição ao governo de Erdogan, foi alvo de críticas de entidades de defesa dos direitos humanos.

O Tribunal Europeu de Direitos Humanos —uma das instâncias legais mais altas do continente— pediu a libertação de Kavala em dezembro do ano passado sob o argumendo de que sua prisão é uma tentativa flagrante de silenciá-lo. Autoridades turcas ignoraram o pedido da corte.

Emma Sinclair-Webb, pesquisadora turca da ONG Human Rights Watch, afirmou após a decisão que Kavala está sendo tratado como um "refém político" e que sua audiência foi "um julgamento-espetáculo" com poucas evidências e objetivo de coibir dissidentes.

"É um uso indevido absolutamente chocante do sistema de justiça turco e desacredita o país", disse ela, na ocasião. Nesta terça, Sinclair-Webb se referiu à decisão do Tribunal Constitucional como "outro prego em seu próprio caixão".

Milena Buyum, da ONG Anistia Internacional, disse que a decisão desta terça reflete a natureza política da "prisão arbitrária" de Kavala e que a Turquia é obrigada a cumprir as decisões da Convenção Europeia de Direitos Humanos.

Kavala também divulgou um comunicado em que afirma que a decisão do tribunal é "muito preocupante".

"Fico pasmo porcminha detenção ser considerada legal por uma acusação de espionagem que não é baseada em nenhuma evidência e que não se encaixa na definição da lei", disse.

Analistas afirmam que a detenção do empresário aponta para a pressão política sobre o Judiciário da Turquia, que os críticos dizem ter sido dobrado para punir milhares de supostos oponentes do governo desde 2016. A administração de Erdogan diz que os tribunais são independentes e agem em resposta a ameaças ao país.

O presidente turco tem prometido reformas judiciais que geraram especulações sobre a possibilidade de libertação de Kavala e de outros opositores. No mês passado, entretanto, Erdogan disse que jamais poderia defender o filantropo e voltou a acusá-lo de ser o patrocinador dos protestos que ficaram conhecidos como "Movimento Gezi".

Há um mês, a Justiça da Turquia condenou 337 pessoas, entre civis e militares, a prisão perpétua por terem participado da tentativa de golpe contra Erdogan —a mesma acusação que agora pesa contra Kavala.

Mais de 250 pessoas foram mortas durante a tentativa de golpe realizada no dia 15 de julho de 2016, quando militares rebeldes usaram tanques, helicópteros e aviões para tentar derrubar o governo Erdogan.

Na noite do golpe, caças F-16 bombardearam o Parlamento turco em três ocasiões, assim como estradas ao redor do palácio presidencial, o quartel-general das forças especiais e o da polícia de Ancara (capital do país). A ação foi comandada a partir da base aérea de Akinci, que fica nos arredores da cidade.

Erdogan culpa o clérigo muçulmano Fethullah Gülen, um ex-aliado que vive nos Estados Unidos há duas décadas, pela tentativa de golpe. O religioso nega participação no episódio.

Os pilotos dos caças que realizaram os ataques em Ancara e quatro pessoas próximas de Gülen foram condenados a prisão perpétua sem direito a condicional, pena mais dura do sistema judicial turco.

Após a tentativa de golpe, o governo Erdogan decretou estado de emergência, passou a perseguir os apoiadores do clérigo e deu início a uma onda de repressão e expurgos.

Cerca de 290 mil pessoas já foram detidas por supostas ligações com Gülen e quase 100 mil delas estão presas enquanto aguardam julgamento, segundo a agência estatal Anadolu.

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