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Ciência, Tecnologia e Inovação: o rubicão latino-americano e caribenho

CT&I vem sendo severamente atingida por cortes nos investimentos

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Bruno Nathansohn

É sociólogo e gestor de documentos. Doutorado em Ciências da Informação, Universidade Federal do Rio de Janeiro/Instituto Brasileiro de Ciência e Tecnologia da Informação (IBICT).

Latinoamérica21

A área de Ciência, Tecnologia e Inovação (CT&I) torna-se um grande desafio para o desenvolvimento do subcontinente latino-americano, num contexto de grave crise sócio econômica. Com a pandemia da Covid-19, essa condição apresenta-se ainda mais impactante. Num contexto cada vez maior de desigualdade social, concentração de renda, abusos contra os direitos humanos, aumento da violência e catástrofes ambientais, as sociedades do Sul global estão mais vulneráveis, frustradas e sem perspectiva, com suas economias em debacle.

CT&I vem sendo severamente atingida por cortes nos investimentos públicos em pesquisa, ensino, formação de recursos humanos (professores, técnicos e pesquisadores), demonstrando o quanto os países da periferia são vulneráveis às oscilações da política e da economia, sem apresentar sólidas políticas de Estado. Apesar disso, em muitos casos, como no Brasil, existem agências públicas fortes que garantem a continuidade de programas e serviços aos cidadãos, mas também são, atualmente, duramente atingidas pela agenda de austeridade neoliberal. A mesma situação se apresenta em relação às organizações supranacionais latino-americanas, e as relações interinstitucionais, promovidas por meio de acordos de cooperação técnica nos respectivos blocos regionais.

A CT&I apresenta-se como um indicador de desigualdade entre os países do Norte e do Sul, por assim dizer, mas também carrega em si a potencialidade para uma grande transformação social e econômica da região da América Latina e Caribe. Países líderes na produção industrial e que tenham hegemonia no controle do fluxo de capitais, normalmente, investem mais em Ciência, Tecnologia e Inovação, mantendo, assim, a disparidade de poder global.

Aos países menos afortunados por suas condições geopolíticas e econômicas, cabe, geralmente, desenvolverem-se a partir do reconhecimento de suas adversidades e investimento focal em serviços básicos efetivos. Um bom exemplo é Cuba, que enfrenta rígido bloqueio econômico, comercial e financeiro há 58 anos, mas apresenta grandes avanços nas pesquisas científicas em saúde preventiva e educação pública.

No Brasil, o atual governo congelou em 42% o orçamento do Ministério de Ciência, Tecnologia, Inovação e Comunicações (MCTIC), numa tendência que teve início com a doutrina de austeridade fiscal de cunho neoliberal, já registrada desde o governo Dilma Rousseff, em 2014. Salientando que entre um governo e outro apresentou-se uma tendência de diminuição orçamentária, embora as medidas adotadas por Rousseff tenham sido bem diferentes, em grau menor, e não guardam proporção com as medidas radicais adotadas pelo governo Bolsonaro.

De qualquer forma, essa realidade de cortes no financiamento público vem abalando o ecossistema de fomento brasileiro à CT&I, que inclui: universidades federais, laboratórios, fundações estaduais de amparo à pesquisa etc, agravando-se a situação no contexto de pandemia. Segundo Fábio Guedes, presidente do Conselho Nacional das Fundações Estaduais de Amparo à Pesquisa (Confap), o governo investe, atualmente, só em Ciência e Tecnologia, em torno de 0,08% do orçamento , podendo chegar, se juntar fontes extras, inclusive para inovação, a 1,5%, deixando o Brasil na 66ª posição do ranking de investidores. Enquanto isso, segundo dados do Índice Global de Inovação, os países da OCDE investiram entre 2% e 4% de seus orçamentos.

Análise do Informe da Unesco sobre a Ciência aponta para níveis de investimento em CT&I muito abaixo das taxas alcançadas pelos países desenvolvidos. E mesmo o Brasil, que tem uma taxa muito superior aos demais países da América Latina, tem um investimento altamente concentrado nas regiões economicamente mais dinâmicas, não alterando em quase nada as condições sociais e suas desigualdades crônicas. Dados mais recentes de 2013, publicados no Informe, mostram a distribuição percentual do gasto em pesquisa e desenvolvimento no mundo, apontando que a América Latina contribui com 3,4% dos investimentos, enquanto o Caribe contribui com 0,1%.

A verdade, inversamente proporcional, é que a CT&I tem a potencialidade de levar países em desvantagem econômica e social a um equilíbrio sustentável entre seus níveis de produção e o bem-estar social de seus povos, se adequadamente valorizada. Em outras palavras, ao mesmo tempo em que a CT&I expressa a condição de desigualdade sócio econômica, também pode ser uma saída para o rompimento dos obstáculos impostos pelo poder hegemônico que se consolida pelo controle dos fluxos de capital e, consequentemente, pelo domínio exercido através da pesquisa, do ensino e da inovação no Norte global.

A grande questão para a América Latina continua sendo sua condição de subalternidade social, política e econômica. Conceber a pesquisa e a inovação como uma ação banal, concentrada em iniciativas relacionadas com uma noção de empreendedorismo restrita à uma lógica de mercado, não contribui para a elevação de vida das vastas camadas sociais em vulnerabilidade e nem para a superação da condição de subdesenvolvimento do continente. Embora, saiba-se que pensá-las sem a participação do mercado, é inviável. Pensar em CT&I na perspectiva da eficiência produtiva, em que o centro é o desenvolvimento de dispositivos digitais importados como pacotes introduzidos a partir de realidades totalmente diferentes das vividas pelas nações periféricas do sistema, não produz efeitos transformadores abrangentes.

As respectivas agendas nacionais dos países latino-americanos voltadas para o desenvolvimento econômico e social precisam ser repensadas, não para facilitar, meramente, negócios privados, no campo do comércio, mas, principalmente, para ampliar e aprimorar mecanismos para o aumento do bem-estar social, que passa pela melhoria dos fatores de inclusão social e distribuição de renda efetiva, sob orientação de políticas de Estado incisivas. Ao mesmo tempo, deve-se articular as perspectivas locais, sub-regionais, nacionais e, finalmente, continentais, numa ação política multinível dentro da lógica, atualmente secundarizada, de integração institucional, como estava em andamento com sucesso, entre órgãos sub-regionais, como: Unasul, Mercosul, Comunidade Andina de Nações (CAN), Sistema de Integração Centro-Americano (SICA), Comunidade do Caribe (Caricom), Alba e Projeto Mesoamérica.

As essências dos povos latino-americanos, integrados em Estados capazes de responder às carências políticas, sociais e econômicas, precisam ser resgatas, prezando o exemplo do "buen-vivir" como forma de resistência e filosofia de bem-estar social. Investir em CT&I é um pressuposto fundamental para a travessia do rubicão científico e tecnológico ao quebrar os tradicionais paradigmas que retroalimentam desigualdades e concentram poder e riqueza nas mãos de uma minoria, superando as amarras do capitalismo dependente para alcançar a soberania das nações periféricas.

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