Em audiência de confirmação, nome de Biden para secretaria de Estado reforça discurso anti-China

Antony Blinken não descartou, porém, possibilidade de trabalhar com interesses mútuos entre países

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São Paulo

Em uma audiência de mais de quatro horas no Senado americano, nesta terça (19), o indicado de Joe Biden para ser o novo secretário de Estado manteve na pauta as rivalidades com a China.

"Devemos enfrentar a China a partir de uma posição de força, não de fraqueza", disse Antony Blinken, que respondeu a perguntas dos congressistas na primeira sessão que pode aprová-lo para o cargo na gestão democrata. Para o diplomata, a relação com Pequim é "o desafio mais importante dos EUA".

Ex-vice-secretário de Estado durante o governo de Barack Obama, Blinken, 58, começou a carreira no Departamento de Estado durante a administração de Bill Clinton. Se for aprovado, ele vai ocupar uma das posições mais importantes do governo, chefiando a diplomacia americana.

A expectativa é a de que suas credenciais tranquilizem tanto diplomatas americanos quanto líderes globais, após quatro anos da postura nacionalista de Trump. O indicado de Biden não descartou, porém, a possibilidade de trabalhar com interesses mútuos entre Washington e Pequim.

É preciso, segundo ele, “não denegrir aliados” e não se afastar de políticas e instituições internacionais, “semeando o terreno para a China escrever regras e normas” —referindo-se às decisões de Trump de tirar o país de órgãos globais, como a Organização Mundial da Saúde, e de tratos, como o Acordo de Paris.

Sem buscar embates com os senadores republicanos, o indicado suavizou o tom para falar do presidente que está de saída e fez elogios a aspectos da política externa do atual governo. Disse acreditar que o republicano estava certo em adotar uma abordagem mais dura para a China, discordando apenas da maneira com que essa postura foi conduzida. “O princípio básico era o certo.”

Nesta terça, o governo Trump declarou que a China comete "genocídio e crimes contra a humanidade" ao reprimir muçulmanos uigures e outras minorias na região de Xinjiang —a decisão não gera nenhuma penalidade automática à China, mas coloca pressão para que países e empresas deixem de fazer negócios na região, uma das maiores fornecedoras globais de algodão.

"Acredito que este genocídio está em andamento e que estamos testemunhando a tentativa sistemática do Estado chinês de destruir os uigures", disse o atual chefe da diplomacia, Mike Pompeo. Ao comentar o assunto, Blinken disse que os EUA devem defender seus valores democráticos “quando os direitos humanos são violados em Xinjiang” ou “quando a democracia é pisoteada em Hong Kong”.

A relação entre Irã e EUA, que também vive momentos de tensão com o governo americano, foi o primeiro assunto discutido na sabatina —em janeiro, o país anunciou a retomada do aumento de enriquecimento de seu urânio, violando o acordo nuclear de 2015 assinado sob Obama.

Blinken confirmou posições já sustentadas por Biden e disse que defende o retorno ao acordo, sob a condição de que Teerã também respeite os termos, cujos limites quanto ao enriquecimento de urânio foram ultrapassados após a decisão de Trump de retirar os EUA do pacto, em 2018.

Esse retorno ainda poderia ser uma oportunidade para “buscar um acordo mais longo e mais forte”, com o apoio de aliados na região, como Israel e países do Golfo, disse ele. “Mas ainda temos um longo caminho. Teríamos que ver quais passos o Irã dará [a partir do início do novo governo] e então avaliamos.”

Blinken também disse que não pretende negociar com o ditador Nicolás Maduro, da Venezuela, e que manterá a embaixada americana em Jerusalém —um movimento polêmico de Trump em 2018, que irritou palestinos e agradou Israel. Assim, Blinken acena ao país liderado por Binyamin Netanyahu sem deixar de afirmar que defende a criação de um Estado palestino.​

Apesar de defensor de alianças globais, o novo secretário tem suas digitais impressas em guerras desastrosas durante o governo Obama, como quando defendeu a intervenção militar na Líbia, em 2011, e foi favorável a uma ação militar americana direta na Síria.

Questionado se tinha dúvidas em relação ao que aconteceu na Líbia, Blinken explicou o pensamento que o levou a defender a intervenção. “Nós tínhamos Muammar Gadafi dizendo que mataria como ratos todos aqueles que se opusessem a ele. Parecia que estávamos prestes a ver uma atrocidade em massa”, disse.

Ainda assim, reconheceu erros. “Não percebemos que uma das coisas que Gadafi fez ao longo dos anos foi garantir que não houvesse rival possível contra o seu poder. Quando Gadafi saiu, infelizmente havia mais espaço para grupos extremistas preencherem parte do vácuo deixado por ele."

Mais cedo nesta quinta, a nomeada à posição de diretora de Inteligência, Avil Haines, também foi sabatinada. Na audiência, disse que pretende adotar uma abordagem sem viés político em seu departamento. Embora ela não tenha mencionado o nome do atual diretor de inteligência nacional do governo Trump, John Ratcliffe, ela deixou claro que escolheria uma direção diferente.

Os democratas acusam Ratcliffe de enviesar politicamente o órgão de inteligência e de agir mais como um assessor partidário do que como um oficial apolítico que auxilia Trump. “Uma das primeiras coisas que eu gostaria de fazer é enviar uma mensagem clara à comunidade de inteligência de que devemos produzir inteligência apolítica nua e crua para o presidente eleito, para seus assessores”, disse .

Antes de todos os escolhidos para o gabinete do presidente eleito começarem a trabalhar, suas nomeações devem ser confirmadas pelo Senado —entre 1.200 e 1.400 cargos governamentais requerem confirmações. Após uma audiência, os senadores votam, e o indicado é confirmado por maioria simples.

Os democratas esperavam ter a confirmação de Haines na semana passada, mas os republicanos atrasaram sua audiência. Blinken também não terá uma votação rápida, em parte devido a desentendimentos de agenda entre republicanos e democratas no Comitê de Relações Exteriores.

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