Governo da Holanda renuncia após escândalo em programa de subsídios

Cerca de 10 mil famílias foram injustamente acusadas de fraude e forçadas a devolver milhares de euros

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Haia | AFP e Reuters

Depois de assumir a responsabilidade pela má gestão dos subsídios para creches que levou milhares de famílias injustamente acusadas de fraudes à ruína financeira, o primeiro-ministro da Holanda, Mark Rutte, anunciou a renúncia de seu governo nesta sexta-feira (15).

"O Estado de Direito deve proteger seus cidadãos do todo-poderoso governo e, aqui, isso fracassou de forma estrondosa", disse Rutte durante uma entrevista coletiva, acrescentando que apresentou a demissão de seu gabinete ao rei Willem-Alexander.

O premiê e seu gabinete, no entanto, devem permanecer em seus postos de forma interina até as eleições parlamentares marcadas para 17 de março. O objetivo, segundo o premiê, é não deixar o país sem um governo instituído enquanto enfrenta as crises causadas pela pandemia de coronavírus.

O primeiro-ministro da Holanda, Mark Rutte, durante entrevista coletiva em Haia - Bart Maat/ANP - 3.nov.20/AFP

A renúncia é a resposta do governo holandês a um inquérito parlamentar que concluiu, em dezembro, que os burocratas do serviço de impostos do país cometeram erros graves ao acusarem mais de 26 mil famílias de fraude nas solicitações dos subsídios desde 2012. Desse total, segundo o relatório da investigação, cerca 10 mil famílias foram forçadas a devolver milhares de euros ao governo.

Muitas delas foram levadas ao desemprego, falências e divórcios no que os investigadores chamaram de uma "injustiça sem precedentes". Ainda de acordo com o inquérito, em alguns casos, as famílias foram visadas com base em sua origem étnica ou dupla nacionalidade.

Orlando Kadir, advogado que representa um grupo de cerca de 600 famílias em processos contra o governo holandês, disse que vários de seus clientes foram acusados de fraude como resultado de uma busca étnica feita pelos burocratas porque seus sobrenomes tinham "aparência estrangeira".

Após a divulgação do resultado do inquérito, o governo da Holanda fez um pedido oficial de desculpas pelos métodos utilizados pelos agentes de fiscalização e anunciou um plano de mais de 500 milhões de euros (R$ 3,18 bilhões) em compensações, cerca de 30 mil euros (R$ 191 mil) por família.

“O governo não atendeu às expectativas em todo esse caso”, disse Rutte, ao anunciar a renúncia. “Erros foram cometidos em todos os níveis, resultando em uma terrível injustiça cometida contra milhares de pais esmagados pelas rodas do Estado."

O premiê disse ainda que “nunca é aceitável que alguém sinta que está sendo discriminado" por sua nacionalidade, raça, gênero ou orientação sexual. A responsabilidade política pelo escândalo, afirmou, é do atual gabinete, que decidiu coletivamente que não tinha outra opção a não ser renunciar. “As coisas não podem dar tão terrivelmente errado de novo."

À frente do governo da Holanda desde 2010, Rutte já havia anunciado que concorreria a um quarto mandato nas eleições parlamentares de março. Com o anúncio da renúncia, porém, ainda não está claro se o premiê manterá suas intenções de disputar o cargo.

Sua legenda, o liberal Partido Popular para a Liberdade e a Democracia (VVD), perdeu parte do apoio após a implementação de restrições mais duras contra o avanço da Covid-19, mas, de acordo com as pesquisas de opinião pública, ainda é a favorita para o pleito de março.

O VVD, de Rutte, tem quase 30% das intenções de voto, mais do que o dobro do segundo colocado, o Partido pela Liberdade (PVV), que se autointitula de centro-direita, mas está associado à ala mais radical da política holandesa, com um forte discurso contra a imigração e contra a União Europeia.

Para o analista político Rem Korteweg, do instituto holandês de relações internacionais Clingendael, a renúncia do gabinete de Rutte não deve causar grandes danos ao desempenho do partido nas eleições parlamentares. "Os funcionários públicos estão sendo responsabilizados pela administração fiscal predatória. O governo está assumindo 'responsabilidade política', mas com baixo custo político", disse ele ao jornal britânico The Guardian.

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