Justiça britânica nega liberdade sob fiança a Julian Assange

Decisão vem dois dias após juíza vetar extradição de fundador do WikiLeaks aos EUA por risco de suicídio

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Londres | AFP

A Justiça britânica rejeitou nesta quarta-feira (6) a libertação sob fiança do fundador do site WikiLeaks, o australiano Julian Assange. Dois dias depois de uma vitória judicial, quando a juíza Vanessa Baraitser disse que não poderia extraditá-lo aos EUA porque havia risco de que ele se suicidasse, o australiano viu frustrada sua ambição de recuperar a liberdade após mais de oito anos.

Representantes dos Estados Unidos prometeram apresentar um recurso contra a decisão de não enviá-lo ao país onde é acusado de infringir uma lei de espionagem e de conspirar para obter documentos americanos secretos a partir de hackeamento de computadores do governo.

"Há razões para acreditar que, se o senhor Assange for colocado em liberdade hoje, ele não se apresentará ao tribunal para enfrentar os procedimentos de apelação", afirmou Baraitser.

O fundador do WikiLeaks, Julian Assange, durante discurso na embaixada do Equador, em Londres
O fundador do WikiLeaks, Julian Assange, durante discurso na embaixada do Equador, em Londres - Peter Nicholls - 5.fev.16/Reuters

A advogada Stella Morris, com quem Assange tem dois filhos, pediu que o Departamento de Justiça dos EUA retire as acusações. Assim como Morris, Kristinn Hrafnsson, o editor-chefe do WikiLeaks, fez um apelo a Donald Trump e ao presidente eleito Joe Biden para que considerem um indulto presidencial.

Contra o pedido de libertação sob fiança, a Promotoria britânica destacou que o australiano tem recursos para fugir e que o México fez uma oferta de asilo político a ele.

O advogado de defesa, Edward Fitzgerald, afirmou que as palavras do presidente mexicano, Andrés Manuel López Obrador, não foram interpretadas corretamente: a oferta de asilo seria aplicada apenas ao final de todo o processo e ele não teria aberto as portas da embaixada mexicana em Londres a Assange.

Assange enfrenta uma série de batalhas legais no Reino Unido desde 2010, quando a promotoria da Suécia emitiu um mandado de prisão contra ele após duas mulheres o acusarem de estupro e assédio.

A Justiça britânica autorizou sua extradição, e Assange recorreu, mas, sem conseguir reverter a decisão, refugiou-se na embaixada equatoriana e pediu asilo ao então presidente do país, Rafael Correa (2007-2017), que concedeu proteção internacional ao australiano.

Assange passou sete anos na condição de refugiado na embaixada equatoriana, até sua detenção pela polícia britânica, em abril de 2019, quando o sucessor de Correa, Lenín Moreno, revogou o status e afirmou que o fundador do WikiLeaks violou as regras do asilo.

Sem a proteção diplomática, foi condenado por violar as regras de sua prisão condicional ao se refugiar na embaixada equatoriana. Desde então, o australiano está preso na penitenciária de segurança máxima londrina de Belmarsh. A promotoria sueca arquivou o caso contra ele em maio de 2019.

A Justiça dos EUA deseja julgar o ativista por espionagem e pelo vazamento de documentos militares e diplomáticos secretos. Assange e o site WikiLeaks ficaram conhecidos em 2010 após a publicação de cerca de 700 mil papéis confidenciais que colocaram o país em situações delicadas.

Entre as publicações, havia um vídeo que mostrava helicópteros americanos atirando contra civis no Iraque, em 2007. O ataque matou ao menos dez pessoas em Bagdá, incluindo dois jornalistas da agência de notícias Reuters.

Autoridades americanas dizem que mais de cem pessoas foram colocadas em risco após as divulgações do WikiLeaks e que cerca de 50 precisaram receber assistência, com algumas fugindo de seus países de origem com seus cônjuges e familiares para se mudar para os EUA ou outro país seguro.

Do outro lado, apoiadores de Assange o consideram um herói anti-establishment e reiteram o discurso de que atacar o seu trabalho é atacar o jornalismo e a liberdade de expressão com motivações políticas.

A juíza britânica rejeitou esses argumentos. Em sua decisão na segunda-feira, a juíza afirmou ainda que não há motivos para crer que o australiano não teria um julgamento justo nos EUA e disse que seus atos no WikiLeaks foram além do jornalismo investigativo.

Um representante americano notificou o tribunal sobre a intenção de apelar contra a decisão britânica de não extraditá-lo. Até que isto aconteça, Assange permanecerá na prisão. Fitzgerald, o advogado de defesa de Assange, afirmou que a nova situação do australiano —foi durante a reclusão na embaixada equatoriana que ele teve os dois filhos com Stella Morris— o deixa mais ligado ao Reino Unido.

O advogado disse que ele tem todos os motivos para respeitar as condições de uma nova liberdade sob fiança e permanecer na Inglaterra, além de argumentar que o cliente corre maior risco de contrair Covid-19 na prisão do que em casa com a família.


A SAGA JURÍDICA DE JULIAN ASSANGE

Julho/2010: veículos da imprensa de diversos países começam a publicar documentos americanos confidenciais vazados pelo WikiLeaks.

Novembro/2010: Suécia emite mandado de prisão contra Assange por agressões sexuais contra duas mulheres. O australiano alega que as relações foram consentidas.

Dezembro/2010: Assange se entrega à polícia em Londres, passa nove dias detido e segue para prisão domiciliar.

Fevereiro/2011: A pedido da Suécia, um tribunal de Londres autoriza a extradição de Assange, que teme ser entregue aos EUA e recorre da decisão.

Junho/2012: Esgotados os recursos, Assange se refugia na embaixada do Equador em Londres e pede asilo político.

Agosto/2012: Rafael Correa, então presidente do Equador, concede asilo político e Assange vive por sete anos na embaixada.

Abril/2019: Atual presidente do Equador, Lenín Moreno, afirma que Assange violou as condições do asilo e o australiano é detido pela polícia britânica, autorizada a entrar na embaixada.

Maio/2019: Assange é condenado a 50 semanas de prisão por violar as condições de sua liberdade provisória quando se refugiu na embaixada equatoriana. Dias depois, os EUA, que já consideravam o australiano um hacker, formalizam mais 17 acusações contra ele e sua pena pode chegar a 175 anos de prisão.

Novembro/2019: Suécia encerra investigação sobre supostos estupros por falta de provas.

Fevereiro/2020: Justiça britânica começa a examinar o pedido de extradição de Assange apresentado pelos EUA. O processo é interrompido e adiado devido à pandemia de coronavírus.

Setembro/2020: As audiências são retomadas e a juíza Vanessa Baraitser concede mais tempo à defesa de Assange, acrescentando que será necessário aguardar o fim das eleições presidenciais nos EUA para anunciar sua decisão.

Janeiro/2021: Baraitser rejeita o pedido americano de extradição alegando risco de suicídio de Assange e de libertação sob fiança. EUA anunciam que vão recorrer da decisão.

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