Maioria no Congresso dá vantagem a Biden, mas não significa carta branca

Minoria no Senado desde 2014, democratas começam legislatura com margem pequena na Casa

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Cancún

Joe Biden, eleito presidente dos Estados Unidos, começará seu governo com uma boa mão. Ele terá o controle da Presidência, da Câmara e do Senado. Isso aumenta a sua capacidade de implementar a agenda legislativa de seu partido —que inclui estímulo econômico para lidar com a crise da Covid-19, apoio a energias limpas e a possibilidade de a capital virar um estado.

O sucesso dessas empreitadas dependerá, no entanto, de como Biden jogar suas cartas.

Sessão conjunta do Senado e da Câmara dos Deputados dos EUA certifica resultado do Colégio Eleitoral e sela vitória de Joe Biden como presidente dos EUA
Sessão conjunta do Senado e da Câmara dos Deputados dos EUA certifica resultado do Colégio Eleitoral e sela vitória de Joe Biden como presidente dos EUA - Scott Applewhite - 6.jan.21/Reuters

Os democratas conquistaram a Presidência e a maioria da Câmara já nas eleições de 3 de novembro. Ficou faltando o resultado da Geórgia para o Senado, pois nenhum candidato teve mais de 50% dos votos naquele estado. O desempate veio na terça (5) e o favoreceu: venceram Jon Ossoff e Raphael Warnock, um duro golpe ao Partido Republicano e a Donald Trump.

Tanto Câmara quanto Senado precisam chancelar uma lei. Mas o Senado tem outras prerrogativas, como o poder de ratificar tratados e o de aprovar as nomeações de um presidente. É o Senado, também, que dá a palavra final se um presidente é retirado do cargo depois de a Câmara votar pelo afastamento. Foi o Senado que salvou Trump, aliás —ele foi impichado pela Câmara, de maioria democrata, e o Senado republicano o manteve na Presidência.

Daí a importância da vitória democrata no último dia 5. Isso e o fato de que o partido não controlava o Senado americano desde 2014. A disputa para essa Casa acontece a cada dois anos, quando eleitores renovam parte dos legisladores. É o chamado “midterm”, o pleito de meio de mandato. Os deputados governam por dois anos, nos EUA, e os senadores, por seis.

Alan Morrison, professor de direito da Universidade George Washington, explica que, sem o controle do Senado, dificilmente os democratas conseguiriam aprovar seu programa de governo, porque, na prática, é preciso controlar os comitês legislativos da Casa para levar uma medida a voto.

Mitch McConnell, líder republicano no Senado sob o governo Trump, naufragou a maior parte das tentativas democratas de fazer lei. Ele também garantiu que nomeações do presidente fossem concretizadas, até as mais polêmicas, como a da juíza Amy Coney Barrett, indicada por Trump à Suprema Corte em setembro e aprovada às pressas pelo Senado, a despeito do protesto democrata, que via a proximidade da eleição presidencial como um empecilho.

Ter o controle do Senado, no entanto, não dá carta branca para Biden. Até porque a sua maioria é delicada. O Senado nos próximos dois anos terá uma ala formada por 48 democratas e 2 independentes e outra com 50 republicanos. A única vantagem do novo governo é que a vice-presidente eleita Kamala Harris tem o voto de desempate, por acumular o cargo de presidente da Casa.

“Não podemos exagerar o significado de ter uma maioria democrata no Senado”, diz Morrison. “A margem é bastante pequena, e os senadores não necessariamente votam da mesma maneira em todas as questões. Se um senador discordar em um voto, ou não estiver presente, ou morrer, ou o que quer que possa acontecer com ele, os democratas já não terão a maioria.”

Há também o “filibuster”. Esse controverso mecanismo, com o qual legisladores podem obstruir votações, significa que na prática é necessário ter 60 dos 100 senadores para aprovar algumas medidas.

Assim, para pôr seus planos de governo em prática, Biden terá que negociar com os rivais republicanos. Terá que cumprir o que prometeu em campanha: governar para ambos os lados, algo que seu antecessor não fez, e avançar pautas bipartidárias no Congresso.

Como será necessário contar com o voto republicano “do outro lado do corredor” —como se diz no jargão político americano—, Biden deve buscar o apoio de figuras moderadas do partido rival, como os senadores Mitt Romney (Utah) e Lisa Murkowski (Alasca). Romney, por exemplo, 
votou pela condenação de Trump no processo do impeachment, no ano passado, em uma das acusações em questão.

É difícil prever, nesse contexto, o que vai acontecer nos primeiros dois anos de mandato, diz Morrison. Em parte, afirma, porque Biden tem um número limitado de pautas que pode concretizar em um período tão curto, antes de seu capital político —hoje alto— acabar. “O desafio dele vai ser escolher com que medidas vai começar o governo, o que será a sua prioridade.”

Uma prioridade, ademais, é inescapável: Biden terá que levantar a economia americana depois de um ano de pandemia, fechamentos e isolamento social. Isso significa que boa parte de seu capital político inicial será investida na aprovação de pacotes de auxílio e estímulo econômico.

Ele já disse, por exemplo, que vai dar um mês para que o Congresso apresente uma medida para sanar a atual crise. Uma das possibilidades é oferecer um auxílio emergencial de até US$ 2.000 (R$ 10 mil) para a população, algo que prometeu aos eleitores da Geórgia —aqueles que lhe deram a maioria no Senado.

A proposta de enviar tal valor aos americanos foi aprovada pela Câmara, sob controle democrata. O Senado até então republicano, no entanto, rejeitou a ideia, mesmo com o apoio de Trump. Os novos planos incluem, também, ampliar auxílio-desemprego e pagar os dias de trabalho 
perdido de quem ficou doente.

Com a necessidade de colocar o foco na recuperação econômica, as demais pautas devem ficar por ora em segundo plano, como a ideia de passar um projeto de US$ 2 trilhões (R$ 10 trilhões) para incentivar a transição dos Estados Unidos a energias limpas, reduzindo as emissões de carbono.

Outras medidas que podem aparecer nesses dois anos, se houver capital político para Biden, são a transformação do Distrito de Columbia, onde fica Washington, e Porto Rico em estados e o fim do “filibuster”.

Mas para Morrison, a pergunta não é exatamente o que Biden conseguirá aprovar e o que não conseguirá, tendo controle das duas Casas do Congresso. A pergunta é o grau, diz. Ou seja, o quanto o presidente terá de se adaptar às circunstâncias. No caso do estímulo econômico para lidar com a pandemia, por exemplo, é provável que 
ele vença —mas com menos dinheiro do que queria.

Uma das coisas que já parecem descartadas, no entanto, é a possibilidade de que Biden ouça os apelos de alguns de seus colegas e tente aumentar o tamanho da Suprema Corte, acrescentando mais cadeiras ao tribunal, que hoje tem uma ampla maioria conservadora, de 6 a 3.

“Isso não vai acontecer. Não com essa margem pequena”, Morrison diz. O assunto, afinal, é controverso demais. Mesmo senadores democratas devem votar contra, e não haveria mais maioria alguma. “Biden não comprará essa briga.”


A pauta do presidente eleito

Agenda legislativa Com a eleição de dois senadores democratas na Geórgia, Joe Biden terá a maioria em ambas as Casas do Congresso americano

Covid-19 Boa parte do início do mandato de Biden deve ser dedicada à Covid-19. Ele deve tentar passar medidas de estímulo econômico, incluindo um auxílio emergencial de US$ 2.000 (R$ 10 mil). Ele pode ampliar o auxílio-desemprego e pagar os dias de trabalho perdido de quem ficou doente

Ambiente Um dos planos do democrata é aprovar um pacote econômico de US$ 2 trilhões (R$ 10 trilhões) para incentivar a transição dos Estados Unidos a energias limpas, reduzindo as emissões de carbono

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Filibuster Biden pode tentar eliminar o “filibuster”, mecanismo de obstrução de votação no Senado que significa que na prática é preciso ter 60 dos 100 votos para conseguir aprovar algumas medidas

Suprema Corte Muito se fala sobre a possibilidade de que, no poder, o Partido Democrata tente aumentar o número de cadeiras na Suprema Corte. É improvável, no entanto, que Biden tente mexer nessa questão —que divide mesmo os senadores democratas

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