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Eleições EUA 2020 Governo Trump

O que teria acontecido se os invasores do Capitólio não fossem brancos?

Forças de segurança eram mais numerosas em atos antirracistas, mas ativista pró-Trump morreu com tiro de agente dentro do Congresso

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São Paulo

"Alexa, o que é privilégio branco?", tuitou o escritor Francis Maxwell como quem pede ajuda do dispositivo de inteligência artificial. "Privilégio branco é invadir o prédio do Capitólio e não levar um tiro."

A ironia consegue ser, a um só tempo, pertinente e equivocada.

Pertinente porque foi flagrante o contraste entre número de agentes, preparo e ação das forças de segurança em Washington quando comparados o episódio de invasão do Capitólio por apoiadores de Donald Trump nesta quarta (6) e os protestos antirracistas organizados em junho passado pelo Black Lives Matter, na esteira do assassinato de George Floyd. Equivocada porque uma mulher branca desarmada levou um tiro de um policial dentro do Capitólio e morreu.

Forças de segurança tentam conter apoiadores de Trump que invadiram Capitólio, em Washington
Forças de segurança tentam conter apoiadores de Trump que invadiram Capitólio, em Washington - Roberto Schmidt - 6.jan.21/AFP

Os muitos vídeos e fotos que circularam desde a invasão do Congresso dos EUA, no entanto, evidenciam o despreparo de policiais e guardas para uma confusão anunciada: de um lado, a persistente contestação de Trump do resultado das urnas, de outro, a importância da liturgia que se desenrolaria naquele dia no Capitólio, confirmando o democrata Joe Biden na Presidência.

A própria prefeita da capital americana, Muriel Bowser, sentindo cheiro de fumaça, pediu reforço da Guarda Nacional para o período de 5 a 7 de janeiro. Recebeu um contingente de 340 homens voltados para organização da multidão e do trânsito, liberando a polícia local para as demais ações de controle dos atos.

Não foi assim em junho passado, quando a Casa Branca foi cercada por barricadas que mantinham a multidão majoritariamente negra distante do prédio. Mais de 1.500 oficiais da Guarda Nacional —em trajes camuflados, com capacetes e coletes à prova de bala— se dividiram na proteção dos edifícios do Executivo e do Legislativo à espera dos protestos antirracistas e majoritariamente negros.

Veículos militares fecharam as principais ruas e avenidas da capital. E policiais usaram bombas de gás lacrimogêneo e de efeito moral, além de balas de borracha e violência contra os manifestantes.

Não se sabe por que aparato semelhante não foi mobilizado para os protestos da extrema direita pró-Trump, mas há especulações de que tenha sido negligência, estratégia ou mesmo algo intencional.

Na primeira hipótese, a virulência dos trumpistas, majoritariamente brancos, teria sido subestimada pela Defesa —em contraposição ao imaginário ameaçador dos protestos negros que denunciavam a violência policial em junho passado.

Na segunda hipótese, a estratégia seria evitar o controle de civis por militares para afastar uma leitura polarizada da ação da Guarda Nacional. Na terceira, a intenção era pagar para ver o que a massa pró-Trump era capaz de conseguir em favor de seu presidente.

A Guarda Nacional tem contigentes alocados em cada estado sob o comando dos governadores. O fato de a Guarda Nacional do Distrito de Columbia (DC), onde está Washington, estar sob o comando do secretário de Defesa de Trump reforça a sugestão de intencionalidade.

Em um comunicado, o Conselho de DC afirma que o pedido da prefeita Bowser por tropas da Guarda Nacional foi inicialmente negado pela Defesa, reiterando a tese de uso político das forças de segurança.

Em qualquer dos casos, ficou evidente que houve menor preparo e contingente para lidar com a turba pró-Trump, quase toda branca, do que com a massa antirracistas e anti-violência policial, quase toda negra.

A deputada democrata Marcia Fudge, de Ohio, criticou a operação de segurança em torno do evento.

"A polícia do Capitólio foi despreparada, inefetiva e, em certa medida, cúmplice", declarou ela, cotada para o Departamento de Habitação do governo Biden, que os invasores quiseram colocar em xeque.

Dentre os muitos vídeos da invasão do Capitólio que circularam nesta quarta, um registrava policiais abrindo parte das grades que cercavam o prédio para o acesso da massa de apoiadoras de Trump.

Em outro registro, um policial negro corre por corredores e escadarias do Senado, tentando conter um grupo de homens brancos que o persegue na tentativa de acessar o plenário da Casa.

Um terceiro registro mostra um dos invasores, já dentro do prédio, tirando uma selfie com um policial (qualquer semelhança com o que já se viu no Brasil pode não ser uma coincidência, mas um alerta).

Na horda que invadiu corredores, plenários e escritórios estavam ativistas conhecidos da ultradireita supremacista branca americana. Um deles fez uma transmissão ao vivo de dentro do escritório da presidente da Câmara, Nancy Pelosi.

O mapeamento dos invasores apenas começou, mas já há a identificação de supremacistas, negacionistas, neo-nazistas e ativistas anti-aborto. Trata-se de numa combinação que orbita em torno de Trump e fortalece teorias conspiratórias extremistas, como o QAnon. Agora, o grupo vislumbra um cenário político desfavorável, depois de uma derrota apertada nas urnas.

A eleição de dois parlamentares democratas, um deles negro, num estado como a Geórgia, sulista e tradicionalmente republicano, parece ter sido a gota d'água justamente por selar duas vitórias: a de Biden e a do movimento negro dos EUA.

A diferença na ação policial nos protestos negros antirracistas de 2020 e da invasão branca pró-Trump deste início de 2021 foi notada e deu destaque à hashtag #whiteprivilege, ou privilégio branco, no Twitter.

Ela aponta para dois fatores que também estão em evidência no Brasil sob Bolsonaro: o racismo estrutural e os potenciais aparelhamento e politização das polícias. Entrelaçados, eles evocam a pergunta: o que teria acontecido se os invadores do Capitólio não fossem brancos?

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