Organizado em redes sociais, ato que levou a invasão do Capitólio foi estimulado por Trump por semanas

Presidente postou diversas mensagens de que 6 de janeiro seria um dia de ajuste de contas

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Dan Barry Sheera Frenkel
The New York Times

O presidente Donald Trump e seus seguidores passaram semanas alardeando que o 6 de janeiro de 2021 seria o dia do ajuste de contas. Um dia para se reunirem em Washington para “salvar a América” e “por fim ao roubo” da eleição que Trump perdeu decisivamente, mas que ele continuou a alegar –frequentemente por meio de um caldo tóxico de teorias conspiratórias— ter ganho por margem avassaladora.

E quando esse dia chegou, o presidente instigou milhares de seus apoiadores com um discurso incendiário. Então uma turba grande desses seguidores, muitos deles brandindo bandeiras de Trump e usando roupas ou acessórios com seu nome, invadiu o Capitólio violentamente para ocupar os recintos do governo e obrigar políticos eleitos a se esconder, temendo por sua segurança física.

Mas, se o caos no Capitólio chocou o país, um dos aspectos mais perturbadores desse mais perturbador dos dias foi o fato de ter sido previsível e previsto. O presidente só faltou desenhar um círculo em volta da data no calendário nacional.

Manifestante com bandeira confederada, considerada um símbolo racista, durante invasão ao Congresso - Saul Loeb - 6.jan.21/AFP

“Grande protesto em D.C. [Washington] em 6 de janeiro”, Trump postou no Twitter em 19 de dezembro, um de seus vários tuites promovendo o dia. “Compareçam. Será uma loucura!”

E seus fãs seguiram suas instruções à risca.

“Se você não estiver preparado para usar força para defender a civilização, prepare-se para aceitar a barbárie”, postou no Facebook um membro do grupo Red-State Secession (movimento separatista dos Estados republicanos) na terça-feira, na véspera do dia marcado, o 6 de janeiro.

Dezenas de pessoas postaram comentários embaixo que incluíam fotos das armas (incluindo fuzis de assalto) que planejavam levar ao comício. Houve também comentários falando em “ocupar” o Capitólio e forçar o Congresso a invalidar a eleição de novembro que Joe Biden venceu –e Trump perdeu.

As origens de um dos momentos mais tenebrosos da democracia americana datam de pelo menos 4 de novembro, o dia seguinte à eleição presidencial que Trump perderia decisivamente para Biden.

Nesse dia, o primeiro grupo Stop the Steal foi formado no Facebook. E em pouco tempo ganhou ímpeto —em dado momento recebia cem membros novos a cada dez segundos. O grupo chegou a ter 320 mil seguidores até ser fechado pelo Facebook.

Com centenas de novos grupos Stop the Steal continuando a pipocar, o Facebook agiu mais incisivamente para fechá-los, levando alguns partidários de extrema direita de Trump –incluindo envolvidos em milícias e grupos conspiratórios— a se transferir para redes sociais novas e menos restritivas, entre elas a Parler e a Gab. E foi nesses sites que foi ganhando impulso um movimento para organizar um protesto pró-Trump em Washington.

Vários ativistas de direita, entre eles Ali Alexander, agente republicano antes conhecido como Ali Akbar, começaram a emergir como os líderes do Stop the Steal. Suas teorias conspiratórias e alegações infundadas de fraude eleitoral refletiam as mesmas acusações sem fundamento que estavam sendo lançadas por Trump.

Até meados de dezembro, dezenas de ações judiciais lançadas por partidários de Trump já haviam fracassado, muitas vezes absolutamente. Então, no dia 14 de dezembro, Biden recebeu votos suficientes no Colégio Eleitoral para confirmar sua vitória. A última formalidade a ser cumprida antes de sua posse em 20 de janeiro seria a contagem oficial dos votos eleitorais realizada no Congresso –uma cerimônia protocolar de contagem de papéis a ser presidida pelo vice-presidente Mike Pence.

Alexander e outros decidiram enfocar o 6 de janeiro, exortando partidários de Trump em todo o país a convergir sobre o Capitólio no momento em que o Congresso realizaria algo que historicamente não passa de uma contagem glorificada de papéis –se bem que a ocasião tenha ocasionalmente recebido uma infusão de elegância e civilidade, como quando o vice-presidente Al Gore anunciou os nomes do vencedor, George W. Bush, e do perdedor: Al Gore.

O momento é tradicionalmente visto como mais uma reafirmação da transferência do poder na República. Mas Trump e seus seguidores estavam retratando publicamente a formalidade deste ano como sendo um ato criminoso, fraudulento –até uma traição à pátria.

Enquanto seus assessores e partidários faziam o que podiam para adiar o inevitável –uma ação judicial movida pelo deputado republicano Louie Gohmert, do Texas, um relatório de 36 páginas do assessor Peter Navarro alegando fraude eleitoral—, Trump continuou a postar mensagens no Twitter.

27 de dezembro: “Vejo vocês em Washington no dia 6 de janeiro. Não percam. Mais informações a seguir.”

30 de dezembro: “6 DE JANEIRO, VEJO VOCÊS EM WASHINGTON”.

1º de janeiro: “O GRANDE protesto em Washington terá lugar às 11h do dia 6 de janeiro. Informações sobre local a seguir. StopTheSteal!”

No mesmo dia, um partidário de Trump cometeu um erro ortográfico ao tuitar que “A cavalaria está a caminho, Sr. Presidente!”, trocando “cavalry” (cavalaria) por “calvary” (calvário).

Trump respondeu: “Uma grande honra!”

No dia seguinte, 2 de janeiro, Ted Cruz, do Texas, e 11 outros senadores republicanos se aliaram a outro senador republicano, Josh Hawley, do Missouri, além de mais de cem deputados republicanos, prometendo apresentar uma objeção à certificação da eleição de Biden.

A essa altura as margens mais extremas dos seguidores de Trump –incluindo os Proud Boys e outros grupos que sabidamente incitam à violência, além de grupos conspiratórios como o QAnon— estavam explorando o que poderiam fazer em Washington em 6 de janeiro. Em fóruns dedicados no Gab, discutiram questões logísticas como onde se reuniriam e que ruas iriam percorrer para chegar ao Capitólio.

Em sua página no Facebook, o Red-State Secession chegou a incentivar seus 8.000 seguidores a compartilhar os endereços de “inimigos”, incluindo os de juízes federais, parlamentares e progressistas conhecidos. Enquanto isso, membros da página de Facebook Red-State Secession discutiam na linguagem da insurreição.

Então amanheceu o 6 de janeiro, o dia do ajuste de contas. Milhares de pessoas se reuniram no centro de Washington, formando rios de vermelho, a cor de Trump, que se misturavam com bandeiras de Trump e americanas. Entre 2.000 e 2.500 membros dos Proud Boys se misturavam à multidão, segundo o presidente da organização, Enrique Tarrio.

Qualquer esperança de que Pence bloqueasse a confirmação congressional da eleição de Biden, cedendo à pressão imensa de Trump, foi desfeita antes do meio-dia. Pence disse em carta que o vice-presidente não tem poderes para isso. “A Presidência pertence ao povo americano e a ele apenas”, escreveu.

Então, ao meio-dia, Trump começou a discursar para seus seguidores inflamados.

Durante a tarde, Trump criticou seu vice amargamente, dizendo que ele não teve “a coragem de fazer o que deveria ter sido feito para proteger nosso país e nossa Constituição”. Nas horas seguintes, seus seguidores, portando bandeiras e usando roupas com seu nome, atacariam o Capitólio em um turbilhão caótico e apavorante que exigiria o fechamento da sessão e deixaria uma mulher morta a tiros.

Entre as pessoas que invadiram o Capitólio houve figuras conhecidas do QAnon e supremacistas brancos.

Jake Angeli, defensor do QAnon conhecido por andar com o rosto pintado e um chapéu com chifres, percorreu o plenário do Senado. Tim Gionet, teórico conspiratório neonazista conhecido como “Baked Alaska”, invadiu e ocupou um gabinete do Senado.

Mas primeiro vieram as declarações do presidente, transmitidas desde o Ellipse, ao sul da Casa Branca. “Não desistiremos nunca”, disse. “Jamais vamos admitir uma derrota. Isso não vai acontecer, nunca. Você não se rende quando há morte envolvida. Nosso país está farto. Não vamos mais aceitar isso.”

Trump concluiu sua exortação de 70 minutos incentivando todos a percorrerem a avenida Pensilvânia para dar aos republicanos no Capítólio “o tipo de orgulho e ousadia que necessitam para tomar nosso país de volta.” Então o presidente voltou à Casa Branca, a uma distância segura do caos que ia se desenrolar.

Tradução de Clara Allain

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