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Governo Biden acordo de paris

Plano de Biden para o clima enfrentará resistência até de democratas

Guinada no negacionismo de Trump não garante que novo presidente conseguirá avançar tanto quanto necessário

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São Paulo

As ordens executivas baixadas pelo democrata Joe Biden dão sequência aos vários atos simbólicos revertendo a orientação dos EUA sobre mudança do clima com que inaugurou sua Presidência. A guinada no negacionismo do republicano Donald Trump não garante, contudo, que logrará todo o necessário para recuperar tanto atraso.

Biden já tinha devolvido os EUA ao Acordo de Paris (2015), nomeado como embaixador do clima um dos arquitetos do tratado, John Kerry, e pontilhado seu gabinete com quadros favoráveis a combater o aquecimento global. Qualifica como “ameaça existencial” o que Trump via como “fraude chinesa”.

Joe Biden durante entrevista coletiva sobre o pacote de medidas para enfrentar a crise climática
Joe Biden durante entrevista coletiva sobre o pacote de medidas para enfrentar a crise climática - Mandel Ngan/AFP

Além de retomar o compromisso assumido em Paris de reduzir em 28% as emissões americanas de gases de efeito estufa (GEE) até 2025, o democrata almeja eliminá-las da geração de eletricidade em 2035 e tornar a economia do país neutra em carbono até 2050.

São metas respeitáveis, diante do retrospecto pífio dos EUA e do mundo até aqui, insuficiente para alcançar o objetivo de manter em 2ºC a elevação da temperatura média planetária, de preferência 1,5ºC. Já se ultrapassou a marca de 1ºC, e as emissões de GEE só não subiram mais por causa da pandemia.

Biden anunciou decisões significativas na direção correta, como suspender as concessões para explorar petróleo em terras públicas. Não deve criar problemas, porém, para a extração em áreas privadas e nas milhares de concessões autorizadas por Trump.

O antecessor havia renunciado a apertar padrões de economia de combustível em veículos, e o democrata decidiu retomar limites mais estritos. Em cinco anos, a indústria automobilística terá de fazer os carros rodarem média de 21,6 quilômetros com um litro de gasolina, em lugar dos 16,9 km/l mantidos por Trump.

Para zerar emissões veiculares, seria preciso substituir motores a explosão por propulsão elétrica (desde que a energia nas baterias provenha de fontes limpas, claro). O governo promete eletrificar sua frota de 650 mil veículos e criar 500 mil postos de reabastecimento, mas isso não basta para fazer a transição num mercado com mais de 273 milhões de veículos.

Analistas consideram essa revolução impossível sem precificar, ou seja, onerar, a emissão de GEE. A maneira mais eficiente seria introduzir um imposto sobre o carbono, mas é precisamente esse tipo de medida sistêmica que Biden terá mais dificuldade em implementar, pelos obstáculos que enfrentará no Congresso.

Para avançar rápido no sentido de uma economia sustentável para o clima, é preciso mais que ordens executivas, que podem ser revertidas pelos próximos presidentes. Só leis dão a permanência e a previsibilidade que empurrarão a indústria rumo ao futuro sem carbono —e aqui Biden pode não contar nem com apoio pleno de seu próprio partido.

Deputados e senadores de estados produtores de carvão, petróleo ou gás natural, mesmo do Partido Democrata, costumam levantar obstáculos contra medidas que possam afetar empresas e empregos desses setores. Um deles é Joe Manchin III, democrata da Virgínia Ocidental que presidirá a Comissão de Energia do Senado, notório defensor de combustíveis fósseis.

Sem falar nos parlamentares republicanos, que farão de tudo para derrubar quaisquer ônus para a indústria. Para reverter previsíveis obstruções, Biden necessitaria de uma dezena a mais de votos do que os democratas detêm no Senado.

Além disso, o presidente eleito enfrentará rapidamente a decepção das alas jovens do Partido Democrata, que defendiam a candidatura à esquerda de Bernie Sanders para a Presidência e o programa agressivo de descarbonização da economia conhecido como Green New Deal.

Por fim, no plano internacional, seu governo dá sinais de que recairá no mesmo embate geopolítico com a China que travou negociações de tratados climáticos ou diluiu suas provisões nas últimas três décadas. Diante disso, parece difícil que duas centenas de signatários do Acordo de Paris consigam aumentar muito a ambição de suas metas, como seria imprescindível para evitar o pior do desastre climático.

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