Milhares de manifestantes contra Putin enfrentam polícia pela 2ª semana na Rússia

Mais de 5.100 pessoas foram presas em protestos no país contra a prisão do opositor Navalni

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São Paulo

Pelo segundo fim de semana seguido, milhares de manifestantes e policiais se enfrentaram em ruas de dezenas de cidades russas. Os protestos contra o governo do presidente Vladimir Putin foram convocados por apoiadores do líder opositor Alexei Navalni, que está preso.

Segundo a ONG de direitos humanos OVD-Info, ao menos 5.135 pessoas foram presas em 87 cidades. No sábado passado (23), a contagem passou dos 4.000 detidos ao fim da jornada de protestos.

Policiais prendem ativista em manifestação de apoio a Alexei Navalni no centro de Moscou
Policiais prendem ativista em manifestação de apoio a Alexei Navalni no centro de Moscou - Maxim Chemetov/Reuters

A repressão policial foi bem mais organizada neste domingo, igualmente sob as temperaturas congelantes do inverno russo. Em Moscou, toda a área central da capital foi fechada para o trânsito nesta manhã, incluindo sete das principais estações de metrô da região.

Desde a tarde de sábado, segundo moscovitas relataram à Folha, havia policiais espalhados em pontos estratégicos para o fluxo de manifestantes na cidade.

Os manifestantes alteraram sua tática devido à pressão. O ato deveria começar na praça Lubianka, onde fica a famosa sede do FSB, o serviço secreto interno sucessor da temida KGB soviética.

Com o local isolado, os ativistas mudaram a marcha pró-Navalni para dois outros pontos da capital russa, obrigando o deslocamento das forças de segurança.

Houve conflito e mais de 500 pessoas foram presas na cidade, entre elas cerca de 15 jornalistas que cobriam os atos —segundo o OVD-Info, foram 82 no país todo. Deputados locais e ativistas pró-direitos humanos foram detidos.

Na central rua Tverskoi, um homem se imolou ao atear fogo nas vestes com gasolina. Ele foi internado em estado grave, segundo o site Meduza.
Os manifestantes protestaram tanto contra a prisão de Navalni como contra o presidente Vladimir Putin, chamado de ladrão em gritos de guerra de Vladivostok (extremo oriente) a Kaliningrado (encrave ocidental russo na Europa).

O caráter nacional do protesto o coloca no mesmo patamar do da semana passada, que havia sido o maior em amplitude desde que Navalni mobilizou milhares de russos contra a corrupção estatal em 2017. Não há uma contagem nacional do número de participantes, que ficou na casa das dezenas de milhares.

Navalni foi detido ao desembarcar em Moscou no dia 17. Ele voltava da Alemanha, onde havia se tratado por envenenamento com o agente neurotóxico Novitchok, desenvolvido na União Soviética.

O ativista, que surgiu no começo da década passada na cena pública, acusa diretamente o Kremlin pela tentativa de assassinato —em um trote, ele conseguiu a confissão de um espião do FSB, que disse ter colocado o veneno em uma cueca azul de Navalni no hotel em que ele estava em Tomsk (Sibéria).

Espirituosos, muitos manifestantes usavam calças azuis no frio de 2 graus Celsius negativos de Moscou, além de empunhar escovas para limpar vasos sanitários —uma referência ao artefato supostamente de R$ 4.600 encontrado em um palácio que Navalni diz ser de Putin na costa do mar Negro.

Navalni foi detido por, em coma, ter violado sua liberdade condicional ao sair do país. Em 2014, ele teve uma sentença por fraude comutada, num julgamento que ele diz ser farsesco. Na terça (2), uma audiência decidirá se ele pode voltar para casa ou terá de cumprir três anos e meio de prisão.

Neste domingo, o novo governo americano de Joe Biden voltou a pedir a libertação de Navalni. O secretário de Estado, Antony Blinken, criticou as "táticas brutais" de repressão aos atos.

Nas vésperas do protesto, autoridades forçaram a mão sobre membros do Fundo Anticorrupção de Navalni, detendo vários deles. A mulher de Navalni, Iulia, voltou a ser presa na manhã deste domingo, sendo solta à noite e indiciada por incitação ilegal de atos.

Em Vladivostok, vídeos em redes sociais mostraram uma repressão bastante violenta dos atos. Manifestações foram particularmente grandes em São Petersburgo e Volgogrado.

Houve conflitos em locais como Ufa e Irkutsk, e uma pequena manifestação na remota cidade siberiana de Iakutsk, conhecida como a mais fria do mundo —os termômetros marcavam 43 graus Celsius negativos neste domingo.

A base da repressão é o fato de que atos feitos sem permissão das autoridades municipais são um crime na Rússia. Durante a semana, o próprio Putin havia condenado os manifestantes usando essa premissa.

O presidente está numa situação delicada. Se autorizar uso excessivo da força, chamará para si mais condenação na classe média russa e no exterior. Se deixar os atos correrem livremente, arrisca a repetição das jornadas de 2017 e 2012, as maiores em seus 21 anos no poder.

O exemplo da vizinha Belarus, que enfrenta seis meses de crise devido a protestos contra o ditador e aliado de Putin Aleksandr Lukachenko, é um fantasma que ronda o Kremlin.

Analistas russos creem, contudo, que Putin adotará um meio-termo, contando com o esvaziamento progressivo dos atos.

Pode funcionar, mas a eleição parlamentar de setembro dá um horizonte para os ativistas, que prometem apoiar quaisquer candidatos que não sejam do Rússia Unida, o partido de sustentação do regime.

Com isso, talvez as chances de Navalni ficar na cadeia sejam maiores, o que demonstra um temor das autoridades contra o ativista. O opositor nunca foi popular: pesquisa do independente Centro Levada deu a ele 4% de apoio entre os russos, e apenas 2% de intenção de voto se pudesse concorrer à Presidência.

Mas Navalni parece ter acertado no momento: associou sua causa ao fastio generalizado da população com o governo de Putin, que no ano passado mexeu na Constituição de forma a permitir tentar ficar no poder até 2036.

Como sempre, a mudança foi envernizada pelo voto (76% dos russos a aprovaram), mas a visão geral é de que isso reflete a sensação de ausência de alternativas para o cidadão comum —além da popularidade de Putin, que está no menor nível de sua carreira, mas ainda no respeitável patamar de 60% de aprovação.

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