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Primeira mulher a enfrentar execução federal nos EUA desde 1953 busca reparação

Juiz suspendeu temporariamente execução de Lisa M. Montgomery, mas governo recorreu

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Hailey Fuchs
Washington | The New York Times

Em Skidmore, no Missouri, em dezembro de 2004, Lisa M. Montgomery assassinou uma grávida e raptou seu feto. Única mulher no corredor da morte federal, sua execução estava programada para a próxima terça-feira (19), e sua equipe de defesa não contesta sua culpa.

Mas seu caso, fartamente noticiado —ela será a primeira mulher a ser executada pelo governo federal desde 1953— chamou a atenção para a questão de se a experiência de toda a vida de um réu deve ser levada em conta em seu sentenciamento. Os defensores de Montgomery alegam que ela foi vítima de abuso sexual e tortura que se prolongou por anos e que foi impelida ao desespero.

Na sexta-feira (8), num esforço para bloquear a execução, os advogados de Montgomery pediram ao tribunal para declará-la incapaz, citando doença mental grave, deficiência neurológica e trauma complexo. Em decisões anteriores, a Suprema Corte já considerou que executar uma pessoa classificada como insana é inconstitucional.

Lisa M. Montgomery, única mulher no corredor da morte federal nos EUA, em prisão no Texas
Lisa M. Montgomery, única mulher no corredor da morte federal nos EUA, em prisão no Texas - Defesa de Lisa M. Montgomery/Divulgação/Reuters

Na noite de segunda (11), um juiz federal em Indiana emitiu uma liminar que suspendeu temporariamente a execução, mas o governo americano já recorreu. Em um decisão separada, um tribunal federal do Distrito de Columbia também ordenou que a execução não fosse realizada até a corte analisar um pedido da defesa.

Assim, a decisão sobre a execução de Montgomery pode acontecer apenas após a posse do novo presidente americano, Joe Biden, que já se manifestou de maneira contrária à pena de morte. O democrata assume o comando do país no próximo dia 20.

Nos últimos casos de pessoas executadas por crimes federais, as cortes superiores da Justiça americana foram pouco receptivas às tentativas dos advogados de defesa de impedir o procedimento e rapidamente cassaram decisões das instâncias inferiores que tentavam bloquear a medida.

Desde que retomou a pena de morte federal no ano passado, após uma moratória de 17 anos, a gestão Trump já executou dez pessoas e ainda planeja executar outras três até o fim do mandato —Montgomery, 52, é uma delas.

O crime dela é especialmente hediondo. Antes de cometê-lo, ela disse a outras pessoas, incluindo seu marido, que estava grávida, apesar de ser infértil na época, segundo afirmou o Departamento de Justiça em documento apresentado ao tribunal.

Usando o codinome Darlene Fischer, entrou em contato com a criadora de cachorros Bobbie Jo Stinnett e se disse interessada em comprar um filhote. Quando foi ao canil, Montgomery estrangulou Stinnett, extraiu o feto e fugiu com ele.

O bebê sobreviveu. Em dezembro, por volta do 16º aniversário da criança, o viúvo de Stinnett, Zeb Stinnett, enviou uma mensagem agradecendo Randy Strong, hoje xerife do condado de Nodaway, no Missouri, pelo que ele fez pela família anos atrás. Strong era investigador na época; foi ele quem examinou o corpo de Stinnett após o crime e persuadiu Montgomery a admitir sua culpa.

Strong recordou que, pouco depois do crime, Montgomery não demonstrou qualquer remorso. Disse que pensou que os advogados dela não estivessem falando a verdade sobre seu passado e que o caso foi “um insulto terrível” às sobreviventes de violência sexual.

Strong pretendia assistir à execução de Montgomery, mas disse que não está autorizado a fazê-lo devido à pandemia. Mesmo que não possa estar presente, “quero ver isso acontecer”, declarou.

A equipe de defesa de Montgomery retratou sua cliente como vítima de abuso sexual, uma pessoa cuja história é uma prova das falhas dos sistemas que deveriam tê-la protegido, alguém que não deveria ser executada por seu crime.

Celebridades como Scarlett Johansson pediram ao presidente Donald Trump para comutar a sentença de Montgomery. Em um pedido por clemência, sua equipe de defesa argumentou que o presidente agora tem “o poder de mandar uma mensagem a milhares de mulheres vítimas de estupro e tráfico infantil, mostrando que sua dor tem importância, que elas têm importância, que suas vidas têm valor”.

Segundo a equipe de defesa, a violência contra Montgomery começou na primeira infância. A primeira frase completa que ela pronunciou foi “não me bata, isso dói”, disse sua mãe anos atrás a um especialista de mitigação, segundo documento fornecido por seus advogados.

Durante sua infância, um homem estuprou sua meia-irmã, Diane Mattingly, com Montgomery presente no quarto, recordou Mattingly. Quando o Estado removeu Mattingly da casa, Montgomery passou a sofrer violência sexual frequente de seu padrasto. Uma psicóloga clínica disse em declaração ao tribunal apresentada pela equipe de defesa que a mãe de Montgomery exigia que ela “pagasse as contas”, fazendo sexo com técnicos, encanadores e outros funcionários de manutenção.

Quando Montgomery contou sobre as agressões a um primo que trabalhava para a polícia, suplicou que ele não desse queixa da violência porque temia que seu padrasto a matasse.

Trauma psicológico vitalício não é incomum entre pessoas condenadas à pena de morte. Mas o caso de Montgomery é incomum, em parte porque ela é uma das poucas mulheres no corredor da morte em todo o país e porque é a única que enfrenta a execução pelo governo federal.

As mulheres compõem 2% das pessoas no corredor da morte, mas cometem por volta de 10% dos homicídios, segundo Robert Dunham, diretor-executivo do Centro de Informações sobre a Pena de Morte.

Dunham comparou o caso de Montgomery ao do homem responsável por um massacre a tiros em um cinema em Aurora, no Colorado, em 2012. Depois de o júri ouvir argumentos extensos sobre sua doença mental, o atirador, James E. Holmes, que matou 12 pessoas, foi sentenciado à prisão perpétua sem chance de liberdade condicional.

Vários familiares de Stinnett pretendem assistir à execução de Montgomery, segundo declaração dada à corte por um funcionário do Bureau of Prisons [órgão federal que administra o sistema penitenciário americano]. A mãe de Stinnett não respondeu a pedidos de comentários.

Mas a comunidade onde a vítima vivia, no noreste do Missouri, ainda chora sua morte e promoveu uma vigília na data originalmente marcada para a execução de Montgomery, antes de ser adiada por um juiz.

Entre os presentes estava Jena Baumli, amiga de infância de Stinnett que falou de quando elas passavam tempo juntas no parque da cidade e jogavam Nintendo na casa dela. “Não entendo como isto daqui passou de homicídio premeditado para um caso de ‘vamos sentir pena de Lisa’”, disse ela.

Os defensores de Montgomery disseram que não estão pedindo que ela seja libertada, mas que Trump comute sua sentença para a de prisão perpétua sem possibilidade de libertação.

Mattingly disse que se o presidente conceder clemência à sua irmã, ele pode fortalecer sua posição sobre tráfico e abuso sexual infantil. Disse ainda que está suplicando a Trump na condição de sobrevivente de abuso sexual, ela própria.

Tradução de Clara Allain

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