Premiê da Espanha condena violência após 3ª noite de atos contra prisão de rapper

Em meio a troca de farpas dentro do governo, Sánchez critica conduta de grupos que pedem a liberdade de Pablo Hasél

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Barcelona e Madri | AFP e Reuters

Em meio a novos episódios de divergências entre os partidos que compõem a coalizão de esquerda que preside, o primeiro-ministro da Espanha, Pedro Sánchez, quebrou o silêncio dos últimos dias e condenou nesta sexta-feira (19) a violência das manifestações que se espalharam por várias cidades do país pedindo a libertação do rapper Pablo Hasél, preso no início da semana.

"Em uma democracia plena como a Espanha, a violência é inadmissível", disse Sánchez durante um evento em Mérida. Segundo o premiê, regimes democráticos têm a obrigação de proteger a liberdade de expressão, "mesmo a dos pensamentos mais infames e absurdos, mas não há causa, lugar ou situação que justifique o uso da violência".

Desde que começaram os protestos, na última terça-feira (16), Sánchez ainda não havia comentado publicamente os atos, que provocaram uma troca de farpas entre membros do governo, incitada por partidos de oposição.

Manifestantes durante ato a favor do rapper Pablo Hasél, em Barcelona - Albert Gea - 19.fev.21/Reuters

Membros do Vox e do Partido Popular (PP), ambos de direita, exigiram que Sánchez destitua um de seus vices, Pablo Iglesias, cujo partido expressou apoio às manifestações e não condenou os atos de violência.

A Espanha atualmente é governada por uma aliança de esquerda formada pelo Podemos, pelo Partido Socialista Operário Espanhol (PSOE, sigla de Sánchez) e por algumas agremiações menores.

Assim, caso o pedido do PP fosse aceito, isso levaria ao colapso do atual governo, já que sem o Podemos a coalizão perderia sua maioria no Parlamento. O premiê não se posicionou publicamente sobre a conduta de Iglesias, mas disse que seu governo "enfrentará qualquer tipo de violência".

Embora menores, as manifestações se repetiram na noite desta quinta-feira (18), e houve tensões com os policiais, que desde terça-feira prenderam aproximadamente cem pessoas durante os atos.

Em Barcelona, cerca de 500 pessoas protestaram em frente ao Departamento de Interior e marcharam pelas ruas. A sede do jornal El Periódico de Catalunya foi alvo de pichações e teve vidraças quebradas por parte dos manifestantes.

Alguns grupos incendiaram lixeiras e outros itens de mobiliário urbano para formar barricadas e impedir a passagem dos policiais, enquanto lançavam ovos, pedaços de madeira e garrafas contra os agentes. Das janelas, moradores da região jogaram água para ajudar a apagar o fogo.

Em Valência, a polícia voltou a disparar balas de espuma (semelhantes às de borracha) para dispersar as manifestações. O uso desse tipo de munição vem sendo contestado, principalmente depois que uma jovem de 19 anos perdeu a visão de um olho ao ser atingida por um disparo durante uma manifestação em Madri na noite de quarta-feira (17).

Em Tarragona, pouco mais de cem pessoas também se reuniram pedindo a libertação de Hasél. O grupo bloqueou avenidas e uma rodovia, mas não houve confrontos graves com a polícia. Um jovem ficou ferido depois de pular sobre uma viatura das forças locais em movimento e cair, batendo a cabeça no chão.

Nesta quinta, a Justiça espanhola ratificou uma nova sentença de dois anos e meio de prisão contra o rapper. De acordo com os fatos relatados no processo, o rapper publicou em outubro de 2017 um tuíte com a foto da testemunha de um julgamento contra dois policiais municipais, afirmando que eles o haviam "comprado" e, por isso, haviam sido absolvidos.

Dois dias depois, Hasél, repreendeu a testemunha em um bar, tentou chutá-la e gritou: "Vou te matar, filho da puta, eu vou te pegar". A defesa dele ainda pode recorrer à Suprema Corte da Espanha, mas a decisão se junta à que serviu de gatilho para os protestos no país.

Hasél foi condenado em 2018 no âmbito da Lei de Segurança Cidadã, que impõe restrições à liberdade de expressão e ficou conhecida localmente como "Lei Mordaça".

O motivo de sua condenação é um conjunto formado por 64 publicações no Twitter entre 2014 e 2016 e uma de suas músicas divulgada no YouTube. Entre outros tópicos, ele compara juízes e policiais espanhóis a nazistas, classifica o rei emérito Juan Carlos como um "chefão da máfia" e se refere à monarquia como "mercenários de merda".

De acordo com a legislação, as publicações e músicas de Hasél podem ser enquadradas como "glorificação ao terrorismo" pelas referências ao ETA (o antigo grupo paramilitar separatista basco que se dissolveu em 2018), e como incitação à violência pelas críticas aos policiais e pelos insultos à monarquia.

A Justiça deu um prazo até a última sexta-feira (12) para que o rapper se entregasse voluntariamente. Em vez disso, Hasél se juntou a um grupo de apoiadores e se refugiou no prédio da Universidade de Lérida, cidade na região da Catalunha, na segunda-feira (15). Na manhã seguinte, porém, dezenas de policiais invadiram o prédio da instituição para prendê-lo.

"A vitória será nossa. Não haverá esquecimento nem perdão", gritou ele, com o punho levantado, cercado pela polícia pouco antes de ser levado para a prisão. Em retrospecto, a frase pareceu um prenúncio dos atos que se seguiriam. Horas depois, milhares de pessoas começaram uma onda de protestos pedindo a libertação do rapper e condenando a aplicação da "Lei Mordaça".

Mais de 200 artistas, incluindo o cineasta Pedro Almodóvar e o ator Javier Bardem, assinaram uma petição se opondo à prisão do rapper. O abaixo-assinado compara a Espanha a países como Turquia e Marrocos, onde artistas e opositores do governo vivem em risco iminente de detenção.

Em resposta ao caso do rapper, a porta-voz María Jesús Montero afirmou na semana passada que o governo está disposto a "fornecer uma estrutura mais segura para a liberdade de expressão" por meio da reforma na lei, ainda em estágios iniciais.

Em um comunicado, o governo de Sánchez disse que a reforma introduzirá penas mais brandas em vez de prisão. Além disso, serão visadas apenas ações que "claramente envolvam a criação de um risco para a ordem pública ou provoquem algum tipo de conduta violenta".

Nesse sentido, o premiê também já recebeu críticas de Hasél. Segundo o rapper, o governo não estava fazendo nada para impedir sua prisão. "Com declarações falsas como tantas outras falsas promessas, eles querem extinguir a solidariedade", tuitou ele.

A "Lei Mordaça" foi promulgada em 2015, durante o governo do conservador Mariano Rajoy, do PP. O objetivo declarado era proibir a glorificação da violência de grupos armados como o ETA e também coibir insultos às religiões ou à monarquia.

Desde então, porém, a lei tem sido aplicada de maneira muito restritiva, impondo penalidades criminais a críticas legítimas ao Estado.

Apesar de ter sido condenado a nove meses de prisão, Hasél pode ter a pena aumentada para mais de dois anos porque a sentença inclui uma multa que o rapper se recusou a pagar —assim como outros espanhóis indiciados sob a "Lei Mordaça".​

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.