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Vacinação na Europa tropeça em escassez, desinformação e desorganização

Fornecedores cortaram remessas prometidas, e falha de comunicação levou a rejeição de vacinas da AstraZeneca na Alemanha e na França

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Bruxelas

Falta de vacina, desinformação e desorganização estão fazendo patinar a vacinação na União Europeia. As campanhas dos principais países, iniciadas há quase dois meses, não chegaram ainda a 10 injeções por 100 habitantes. Na média, só 6% tomaram a primeira dose, um desempenho muito inferior ao do Reino Unido, que começou a vacinar em 8 de dezembro, atingiu as 10 doses por 100 habitantes em 45 dias e já aplicou mais de 27 injeções/100.

As falhas da União Europeia são mais de execução que de estratégia. No ano passado, a Comissão Europeia assegurou o fornecimento de mais de 2,3 bilhões de doses de vacinas, suficientes para proteger toda a população do bloco. Por ganhar escala, com a adesão (opcional) dos 27 membros, negociou preços mais baixos.

Também diversificou suas compras com encomendas a seis fornecedores diferentes, dos quais três — Oxford/AstraZeneca, Pfizer/BioNTech e Moderna— já estão aprovadas e sendo usadas. As outras três têm se mostrado viáveis em testes e devem estar também nas geladeiras dos sistemas de saúde nos próximos meses: Janssen (que nesta semana revelou 72% de eficácia), Curevac e Sanofi/GSK.

Moça de máscara recebe injeção no braço direito
Enfermeira recebe vacina da AstraZeneca no hospital universitário de Halle/Saale, na Alemanha - Jens Schlueter - 12.fev.2021/AFP

A Comissão também diversificou as tecnologias usadas na produção das vacinas, o que, em tese, dá mais flexibilidade para adaptar cada produto ao público mais indicado.

A realidade mostrou, porém, que só firmar contratos não assegura que a vacina chegue aos braços europeus. No começo deste mês, a presidente da Comissão, Ursula von der Leyen, mencionou três falhas na implantação das campanhas: "Demoramos ​​para autorizar, fomos muito otimistas quanto à capacidade de produção e talvez muito confiantes de que o que pedimos seria realmente entregue".

Ao menos neste semestre, o que a UE pediu não será entregue. Desde janeiro, os três fabricantes já aprovados fizeram cortes nas quantidades prometidas, argumentando falta de capacidade de produção e falta de matéria-prima.

A Pfizer, de quem o bloco comprou o maior número de doses (300 milhões), não entregou os 12,5 milhões prometidos até o final de 2020 e chegou a suspender o preparo em uma das plantas para fazer reformas que aumentassem sua capacidade. Países como a Espanha tiveram que parar o serviço de imunização, por falta de ampolas.

A AstraZeneca, segunda maior fornecedora, deve entregar apenas 40 milhões dos 90 milhões de doses encomendados no primeiro trimestre, e há prenúncios de problemas também no segundo trimestre. Nesta terça, a AstraZeneca afirmou em comunicado estar “se esforçando para aumentar a produtividade para entregar os 180 milhões de doses prometidas”, mas funcionários da empresa disseram à agência Reuters que o fornecimento poderia ser cortado pela metade.

Mesmo onde há doses disponíveis, outros obstáculos têm emperrado a imunização europeia. Um deles é a falta de confiança na vacina de Oxford/AstraZeneca, criada em parte pelos próprios governos —mais de dez países, incluindo Alemanha, França, Itália e Espanha, não aprovaram seu uso para idosos, por falta de dados suficientes sobre o impacto nessa faixa etária.

Na Alemanha, falhas de comunicação que especialistas chamaram de "desastrosas" contribuíram para elevar a rejeição da população à vacina da AstraZeneca. Além de desaprovada para os idosos, abaixo dos 65 anos ela é reservada a doentes crônicos e profissionais de maior risco —apenas 12% das quase 737 mil doses disponíveis foram aplicadas até agora, de acordo com a agência alemã de controle de doenças (RKI).

Um dos fatores que contribuíram para a recusa foi a divulgação de que mais de 20% das pessoas sentiram dores nas articulações e náuseas, 30% sentiram febre e mais de 50%, dor de cabeça e fadiga. Autoridades de saúde tentaram depois esclarecer que as reações são normais, principalmente nos mais jovens, e duraram pouco tempo —sem muito sucesso, porém.

Em Berlim, onde os habitantes podiam escolher que imunizante tomar, postos de vacinação chegaram a ficar vazios durante horas. Nesta quarta (24), a principal autoridade de saúde do estado mudou as regras e proibiu a escolha da vacina a ser aplicada, como fazem os outros 15 estados alemães.

Maior economia da UE, a Alemanha tem o maior abastecimento de vacinas do bloco —além da cota da UE, firmou um acordo próprio para receber 30 milhões de doses extras da Pfizer—, mas, nesta terça (22), ocupava o 14º lugar em injeções administradas por 100 habitantes.

Também houve relatos de recusa das vacinas da AstraZeneca na Itália e na França, onde o presidente Emmanuel Macron declarou que o imunizante era "quase ineficaz" para os maiores de 65 anos, poucos dias antes de a agência regulatória da UE aprová-lo para todos os adultos a partir dos 18 anos.

Após o impacto da comunicação desastrada, políticos correram para tentar reverter a situação. O ministro da Saúde francês, Olivier Véran, fez-se filmar enquanto recebia uma injeção de AstraZeneca. “É um privilégio receber um imunizante seguro e eficaz”, afirmou seu colega, Jens Spahn.

Moço de roupa social e máscara, com metade da camisa despida, toma injeção no braço esquerdo
O ministro da Saúde da França, Olivier Veran, recebe uma dose da vacina de Oxford/AstraZeneca em hospital de Paris - Thomas Samson - 8.fev.2021/Reuters

A forma como os programas de vacinação foram organizados também impede que eles deslanchem. Na França, um dos obstáculos é a necessidade de passar por uma consulta médica e assinar um termo de consentimento.

Na Bélgica, o governo anunciou nesta quarta (24) que menos de um terço dos 11 mil profissionais de saúde convidados a se vacinar agendaram a administração da primeira dose. O problema, ao que parece, é a incapacidade das autoridades de saúde de contatar os funcionários.

Os convites foram enviados por email e SMS por meio de uma plataforma federal, mas o governo não tem certeza de que os cadastros estão atualizados e teme que muitos emails tenham ido parar nas pastas de lixo eletrônico. Agora, os governos regionais belgas vão reenviar os convites por carta.

Com as quebras no fornecimento, a UE pode ter comprometida sua meta de vacinar 70% da população adulta no primeiro semestre deste ano, antes das férias de verão.

Mas há sinais de desgaste mesmo no Reino Unido, que tem na AstraZeneca seu principal fornecedor e é de longe o país europeu que mais doses aplicou até agora. Após bater um recorde de quase 610 mil injeções num único dia no final de janeiro e engatar uma média diária de mais de 430 mil, o país teve que reduzir seu ritmo para cerca de 200 mil aplicações. No domingo (21), só 141 mil pessoas tomaram sua primeira injeção, o menor número desde o começo do ano.

Com a incerteza sobre as entregas dos fabricantes, o governo britânico se viu também forçado a estocar produto para garantir a administração da segunda dose em quem recebeu a primeira 12 semanas antes.

O governo reconheceu a redução no ritmo, mas afirmou que a imunização voltará a se acelerar em março. Tanto a Inglaterra quanto a Escócia trabalham com a meta de aplicar ao menos a primeira dose em todos os maiores de 50 anos, os funcionários de saúde e os doentes crônicos até 15 de abril.

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