Com possível saída de Ernesto, diplomatas torcem por volta do pragmatismo no Itamaraty

Integrantes da carreira, porém, temem influência de ala ideológica do governo Bolsonaro

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Brasília

Diplomatas que acompanham o processo de fritura do chanceler Ernesto Araújo avaliam que ele perdeu as condições de permanecer no cargo e especulam o alcance das mudanças na política externa brasileira caso o ministro seja demitido.

Ernesto atravessa sua maior crise desde que assumiu o Itamaraty, em 2019. Ele está ameaçado de demissão devido a pressões da cúpula do Congresso Nacional, de militares, de lideranças do agronegócio e de grandes empresários. Mantém, no entanto, o apoio da ala ideológica do governo, principalmente do deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), filho do presidente da República.

O chanceler Ernesto Araújo e o presidente Jair Bolsonaro durante reunião de cúpula do Mercosul
O chanceler Ernesto Araújo e o presidente Jair Bolsonaro durante reunião de cúpula do Mercosul - 26.mar.21/Divulgação Presidência da República

Na sexta-feira (26), a Folha perguntou a diplomatas como a ofensiva contra Ernesto estava sendo interpretada por funcionários no Itamaraty. Nas respostas, todas elas dadas sob condição de anonimato, a maioria relata que os últimos dias têm sido de alívio e de expectativa com a possível queda de Ernesto.

A guinada ultraconservadora dada pelo chanceler no Itamaraty e sua pauta anticomunista e antiglobalista não encontraram eco na maioria dos membros da carreira. Para muitos no ministério, Ernesto é a representação de alguém que incendiou o capital diplomático acumulado pela pasta ao longo de décadas.

A possível demissão do chanceler, portanto, é vista como o prenúncio de uma política externa mais tradicional e menos influenciada por uma agenda ideológica. Diplomatas lembram que a queda de Ernesto tem sido uma demanda de parlamentares e lideranças empresariais em busca de mais pragmatismo na política externa brasileira —o que deve influenciar a eventual escolha de um sucessor.

A sessão do Senado de quarta (24), quando Ernesto foi ouvido e confrontado por diversos senadores, foi acompanhada ao vivo por funcionários da carreira. Eles relatam que nunca viram um chanceler ser tão criticado pelo Senado, com muitos parlamentares pedindo publicamente sua renúncia para que o país possa ter melhores condições de diálogo com outras nações para o combate à pandemia.

A reunião com os senadores mostrou que já não existe interlocução de Ernesto no Senado Federal, casa legislativa que normalmente tem intenso diálogo com o Itamaraty e que é responsável por aprovar a indicação de embaixadores. No Senado, Ernesto foi atacado principalmente por seu histórico de declarações anti-China que, de acordo com os congressistas, dificulta o acesso do Brasil a vacinas.

Em um gesto inusual, por exemplo, ele chegou a pedir ao regime chinês, no início do ano, a troca de seu embaixador no Brasil, Yang Wanming. Não foi atendido.

Diplomatas próximos a Ernesto, por sua vez, argumentam que as críticas são injustas e alegam que existe uma escassez de imunizantes em todo o mundo. Eles reconhecem, no entanto, que independentemente da questão da vacina Ernesto acabou penalizado por senadores pelo “conjunto da obra”: um chanceler aderente a um radicalismo tão extremo acabou reunindo contra si a oposição de setores influentes.

Desde a sessão no Senado, diplomatas têm especulado os possíveis substitutos do chanceler. Existe apreensão sobre quão significativas seriam de fato as mudanças na política externa. Eles lembram que, no fundo, o Itamaraty executa orientações que vêm da Presidência da República.

Além do perfil do novo ministro, destacam que a autonomia do comando da pasta vai depender da influência da ala ideológica do governo, principalmente de Eduardo Bolsonaro. O filho do presidente é considerado um “chanceler paralelo” —tem trânsito livre no Itamaraty e não quer ver sua ascendência sobre a chancelaria diminuída.

Interlocutores de Jair Bolsonaro afirmam que, apesar das pressões, o presidente gosta de Ernesto e preferia mantê-lo no posto. Mas ele teria entendido que o chanceler enfrenta uma coalizão muito ampla de adversários e que será difícil preservá-lo na Esplanada.

O próprio ministro tentou ganhar uma sobrevida na quinta (25), ao pedir uma reunião com o presidente da Câmara, o deputado Arthur Lira (PP-AL), e destacar auxiliares para contatarem gabinetes de senadores.

Nas conversas, Ernesto e sua equipe apresentaram dados e defenderam a atual gestão do Itamaraty na pandemia, mas, segundo relatos, houve pouca receptividade. Interlocutores no Planalto dizem que, caso decida pela troca, Bolsonaro deve esperar até que seja encontrado um novo chanceler.

São cotados tanto embaixadores como políticos. No Itamaraty, os nomes mais lembrados são os da embaixadora Maria Nazareth Farani (cônsul em Nova York) e dos embaixadores Nestor Forster (Estados Unidos) e Luís Fernando Serra (França). Assessores de Bolsonaro também dizem que está no páreo o ex-presidente Fernando Collor (PROS-AL). Essa hipótese, no entanto, é vista com ceticismo, uma vez que significaria a perda de influência do presidente e da ala ideológica sobre a chancelaria.

Qualquer substituto de Ernesto, para ser escolhido, deverá manter ao menos alguns traços da agenda conservadora de Bolsonaro. Na avaliação de diplomatas, o mais provável é que um novo chanceler abandone a retórica de confronto com a China e adote uma defesa mais enfática do meio ambiente, numa tentativa de fazer acenos ao presidente dos Estados Unidos, Joe Biden.

Por outro lado, o escolhido deve ser obrigado a preservar traços da pauta bolsonarista, como o alinhamento a Israel no conflito com os palestinos e a pauta anti-aborto em organismos internacionais.

A efetivação da substituição também depende da solução de um problema: o que fazer com Ernesto?

Diplomata de carreira, o mais óbvio seria designá-lo para uma embaixada no exterior, mas assessores palacianos temem que ele seja reprovado pelo Senado. Uma das hipóteses é a escolha de um posto de representação no exterior que não dependa de aval do Parlamento.

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