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Constituinte chilena tenta corrigir desigualdade herdada de seu passado autoritário

Assembleia escolhida em 11 de abril será a primeira do mundo composta igualmente por homens e mulheres

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Carol Pires
São Paulo

O Chile vai às urnas no dia 11 de abril para eleger uma Assembleia Constituinte que fará história como a primeira do mundo formada igualmente por homens e mulheres. A nova Carta poderá substituir a última herança concreta da ditadura de Augusto Pinochet (1973-1990).

Conquista de um levante social em 2019, que começou em protesto contra o aumento das tarifas do transporte público e conseguiu o reconhecimento do governo de que era preciso encarar demandas estruturais antigas —“Não são 30 pesos, são 30 anos”—, a eleição deve desenhar uma assembleia mais moderada do que desejavam as ruas.

Apoiadores da reforma na Constituição chilena se reúnem para aguardar resultado de plebiscito, em outubro, que aprovou a substituição da Carta
Apoiadores da reforma na Constituição chilena se reúnem para aguardar resultado de plebiscito, em outubro, que aprovou a substituição da Carta - Javier Torres - 25.out.20/AFP

As projeções não deixam claras a composição ideológica dos constituintes, mas o modelo eleitoral chileno favorece a formação de alianças em torno de listas únicas, como fizeram os partidos de direita. Se conseguirem um terço das cadeiras, poderão barrar grandes reformas temidas por investidores.

As demandas que pautaram a Constituinte —reformas dos sistemas de saúde, educação e previdenciário, hoje precários e excludentes— deixam a porta aberta para um aumento do gasto público, redesenhando um papel mais subsidiário ao governo, especialmente depois da pandemia de coronavírus.

O modelo liberal chileno garantiu ao país um crescimento do PIB (Produto Interno Bruto) em 800%, de acordo com o Banco Mundial, ao mesmo tempo em que intensificou a desigualdade social —1% do país tem um terço de sua riqueza, segundo dados do Programa de Desenvolvimento das Nações Unidas.

Hoje, a Constituição, que foi reformada várias vezes nos últimos 30 anos, reserva um papel residual ao Estado no fornecimento de serviços sociais, como saúde e educação, e não reconhece direitos dos povos nativos, que querem seu reconhecimento.

Temas contemporâneos, como a igualdade de gênero, devem ganhar destaque nos debates. Até poucos meses atrás, mulheres não podiam se casar antes de 270 dias depois do divórcio ou da morte do marido para evitar dúvidas sobre a paternidade dos filhos. O movimento de mulheres que foi às ruas espera reescrever uma Carta em que homens e mulheres tenham igualdade de direitos, corrigindo injustiças históricas.

Mas os resultados da experiência inovadora de ter uma Constituição escrita igualmente por homens e mulheres também dependerão do perfil das eleitas, já que nem todas as mulheres apoiam pautas sobre igualdade de gênero. A centro-esquerda, mais aberta às pautas progressistas, ficou fragmentada em pelo menos três listas importantes.

Ao todo, há 74 listas registradas, a maioria de candidatos independentes, que tentam responder ao anseio das ruas por uma renovação política. Sem a estrutura dos grandes partidos para fazer campanha, porém, devem mostrar que o desejo por renovação política nem sempre se traduz em resultados.

O fruto da eleição é incerto. No mesmo dia serão eleitos prefeitos, vereadores e, pela primeira vez, governadores regionais, hoje indicados pelo presidente da República. Essa, aliás, deve ser outra missão da Constituinte: abandonar o hiperpresidencialismo para um modelo mais descentralizado.

Garantida, hoje, há a pressão de movimentos sociais por uma maior participação popular no redesenho do Chile. Se bem-sucedida, a experiência chilena ficará como exemplo de como não é possível ter estabilidade política com taxas tão altas de desigualdade.

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