Descrição de chapéu Folhajus

Espanha aprova projeto de lei que autoriza eutanásia e suicídio assistido

Pessoas com doenças incuráveis poderão reivindicar direito de morrer, mas médicos podem alegar 'objeção de consciência'

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Madri | AFP e Reuters

O Parlamento da Espanha aprovou, nesta quinta-feira (18), a lei que descriminaliza a eutanásia e o suicídio assistido para pessoas com doenças graves e incuráveis ou debilitantes, tornando o país o quarto da União Europeia a adotar essa medida.

A votação entre os legisladores terminou com 202 votos a favor, 141 contra e duas abstenções. O resultado foi celebrado com uma salva de palmas que durou vários minutos.

A lei, portanto, entrará em vigor em três meses, tempo necessário para a criação de comitês regionais que controlarão e analisarão os pedidos de eutanásia (quando uma equipe médica administra uma substância letal ao paciente) e de suicídio assistido (quando o próprio paciente toma a dose prescrita).

Manifestantes comemoram decisão que legaliza eutanásia e suicídio assistido em frente ao Parlamento espanhol, em Madri
Manifestantes comemoram decisão que legaliza eutanásia e suicídio assistido em frente ao Parlamento espanhol, em Madri - Susana Vera/Reuters

A norma prevê que qualquer pessoa com "doença grave e incurável" ou "crônica e incapacitante" pode solicitar ajuda para morrer e assim evitar "sofrimentos intoleráveis".

Para isso, entretanto, são impostas algumas condições estritas, tais como a exigência de nacionalidade espanhola ou residência legal no país e a comprovação de plena capacidade e consciência ao fazer o pedido, que deve ser formalizado por escrito, sem "pressão externa" e reiterado 15 dias depois.

Uma equipe médica poderá rejeitar a solicitação se considerar que algum dos critérios não foi cumprido. Além disso, para seguir adiante, o pedido precisa ser aprovado por outros profissionais médicos e por uma comissão de avaliação designada pelo Estado.

Está reservado aos profissionais de saúde, porém, o direito de alegar "objeção de consciência" ao se recusar a participar do procedimento, que será financiado pela rede pública de saúde. Até agora, quem tivesse algum envolvimento comprovado com a prática poderia receber pena de até dez anos de prisão.

"Hoje somos um país mais humano, mais justo e mais livre. A lei da eutanásia, amplamente exigida pela sociedade, finalmente se torna realidade", escreveu o premiê Pedro Sánchez no Twitter. "Obrigado a todas as pessoas que lutaram incansavelmente para que o direito de morrer com dignidade fosse reconhecido na Espanha."

No Parlamento, a pauta, considerada prioritária para o governo de esquerda, foi alvo de forte oposição dos partidos de direita e ultradireita, mas recebeu apoio dos legisladores de centro, que garantiram a maioria pela aprovação. Do lado de fora do prédio, houve manifestações contra e a favor da lei.

"Hoje é um dia muito feliz", celebrou Asun Gómez, jornalista de 54 anos, durante um ato em Madri. Ela lembrou que foi chamada de "assassina" por querer ajudar seu marido a morrer —ele faleceu em 2017 em decorrência de esclerose múltipla.

Polonia Castellanos, representante da Associação dos Advogados Cristãos da Espanha, carregava uma faixa com críticas ao que chamava de "governo da morte". Para ela, as pessoas que sofrem "são pressionadas a adotar a solução mais rápida, que é a morte".

Manifestantes protestam contra a lei que legaliza a eutanásia e o suicídio assistido, em frente ao Congresso espanhol, em Madri - Javier Soriano - 18.mar.21/AFP

"Empurrar os mais vulneráveis para a eutanásia é um vergonhoso ato de abandono social que esconde a negação do melhor atendimento social e de saúde", disse na Câmara o deputado do Partido Popular, de direita, José Ignacio Echániz. A legenda Vox, da ultradireita espanhola, anunciou que apelará ao Tribunal Constitucional para tentar anular a decisão.

A eutanásia há muito tempo chama a atenção no debate público na Espanha. Em um dos casos mais notáveis, o galego Ramón Sampedro, que era tetraplégico, passou 29 anos reivindicando o direito de morrer.

Após uma série de pedidos negados pela Justiça espanhola, ele registrou seu suicídio assistido em 1998, e sua história foi contada no filme "Mar Adentro", vencedor do Oscar de melhor filme estrangeiro de 2005 e estrelado pelo ator Javier Bardem.

"A lei é uma vitória para quem dela pode se beneficiar e também para Ramón", disse à agência de notícias AFP Ramona Maneiro, amiga que ajudou Sampedro a morrer. Ela chegou a ser presa por sua participação no caso, mas seu processo foi arquivado por ausência de provas.

Uma pesquisa realizada em 2019 concluiu que quase 90% dos espanhóis eram a favor da descriminalização da eutanásia. A decisão desta quinta foi celebrada por ativistas da causa.

"Se, por algum motivo, alguém está cansado de viver, ninguém tem o poder de dizer: 'Não, você viverá porque meus eleitores ou minha ideologia dizem o contrário'", disse à agência de notícias Reuters o espanhol Rafael Botella, 35.

Em decorrência de um acidente de carro aos 19 anos de idade, Botella perdeu a sensibilidade e os movimentos do pescoço para baixo. Para ele, o resultado da votação no Parlamento trouxe alívio por saber que terá uma opção caso precise dela no futuro.

Na União Europeia, somente Holanda, Bélgica e Luxemburgo legalizaram a eutanásia. Na América Latina, só a Colômbia aceita o procedimento, mas não tem uma legislação que regulamenta o tema em detalhes. Nos EUA, oito estados e o Distrito de Columbia, onde fica a capital, Washington, consentem com a prática, segundo a organização Death with Dignity (morte com dignidade).

Nesta semana, a lei da eutanásia, aprovada pelo Parlamento de Portugal em 29 de janeiro, foi considerada inconstitucional pela mais alta corte do sistema judicial, o Tribunal Constitucional (TC). A decisão impede que a lei seja sancionada e entre em vigor no país, mas não representa o fim da linha para a implementação da morte assistida.

Isso acontece porque, no entendimento da maioria dos magistrados, o ponto problemático da lei não é a interrupção da vida em si, mas a definição pouco clara sobre os critérios em que ela seria permitida, de modo que a legislação pode passar por novas revisões no futuro.

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.