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EUA e China falam duro e trocam acusações em 1º dia de cúpula

Americanos apontam arrogância e quebra de protocolo de chineses, que abordam caso Floyd

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São Paulo

A primeira reunião de cúpula da diplomacia dos Estados Unidos e da China começou com palavras extremamente duras de lado a lado, confirmando a expectativa de dois dias difíceis de conversas em Anchorage (Alasca).

Sentaram-se à mesa para debater itens da disputa geopolítica central do século 21 o secretário de Estado, Antony Blinken, e o assessor de Segurança Nacional, Jake Sullivan, pelo lado americano.

Blinken (sem máscara, à direita) fala pela delegação americana no encontro em Anchorage
Blinken (sem máscara, à direita) fala pela delegação americana no encontro em Anchorage - Frederic J. Brown/Pool/Reuters

No canto chinês do ringue estavam o chanceler Wang Yi e o principal diplomata do Politburo do Partido Comunista, Yang Jiechi. Ambos os grupos falaram brevemente no começo do encontro, por volta das 13h30 (18h30 em Brasília).

"As ações da China ameaçam a ordem baseada em regras que garantem a estabilidade global", afirmou Blinken, citando a lista mais evidente de queixas americanas.

Sullivan, por sua vez, afirmou: "Nós não buscamos conflito, mas aceitamos competição e sempre defenderemos nossos princípios, para nosso povo e para nossos amigos".

Os chineses não deixaram por menos. "Anunciar sanções não é a forma de receber convidados", disse Wang acerca da imposição de punições por parte da Casa Branca a 24 autoridades chinesas devido à repressão à oposição democrática em Hong Kong, decretada na véspera.

"Os EUA precisam lidar com seus próprios problemas", disse Wang, acusando o país do presidente Joe Biden de interferir em assuntos internos de Pequim devido a uma "mentalidade de Guerra Fria" que precisa ser abandonada.

"Nós esperamos não ter conflito, e sim respeito mútuo e uma cooperação ganha-ganha com os EUA", completou. Antes, seu colega Yang havia afirmado que os EUA usam seu poderio militar e econômico para jogar outros países contra a China.

A alta temperatura da sessão inicial contrastava com o frio de -10 ºC do lado de fora. Blinken e Sullivan elencaram a lista de temas espinhosos que abordariam: Hong Kong, a repressão a muçulmanos na região de Xinjiang, ciberataques e coerção econômica a aliados americanos.

Em discursos desde a eleição de Biden, o líder chinês Xi Jinping e seus auxiliares estabeleceram seus limites para negociar. Como disse Wang, "Xinjiang, Hong Kong e Taiwan são parte integral da China" —logo, quaisquer queixas americanas encontrariam ouvidos moucos.

Raramente diplomatas chineses falam tão abertamente fora de púlpitos em Pequim. "Se os EUA querem lidar com a China, que lidem do jeito certo. Não há como estrangular a China", afirmou Wang, emulando retórica recente do líder da China.

Um membro da delegação americana se queixou depois a repórteres de que os chineses foram "arrogantes" e "violaram o protocolo" ao estender suas críticas em público. Acusações mútuas com câmeras de TV ligadas são inusuais nos meios diplomáticos.

Questionado, Yang citou as sanções como o real problema protocolar. Segundo relatos posteriores, após a sessão inicial houve duas horas para cada lado delinear suas posições, e o clima foi mais calmo, técnico —e sem a presença de repórteres. De todo modo, não houve o tradicional jantar que marca esse tipo de evento.

Xi e Biden se falaram por telefone uma vez, e o fato de o encontro em Anchorage estar acontecendo pode ser visto em si como um avanço, mas não muito mais que isso.

A questão dos muçulmanos uigures é clara. Num ato final de sua Guerra Fria 2.0, declarada em 2017, o agora ex-presidente Donald Trump fez os EUA decretarem a repressão chinesa ao grupo genocídio. Biden não mudou de opinião.

Wang até ironizou a questão, dizendo que os EUA estão no seu "ponto mais baixo" em relação aos direitos humanos e que "jovens negros estão sendo massacrados" nas ruas do país, uma referência ao caso George Floyd.

Na paleta de desavenças, há as disputas territoriais no mar do Sul da China e em Taiwan, a guerra pelo domínio do mercado da tecnologia 5G e uma vasta lista de atritos comerciais.

Os EUA buscam apoio dos aliados no Indo-Pacífico, cujos líderes se reuniram virtualmente com Biden na semana passada. Blinken e Sullivan estiveram no Japão e na Coreia do Sul antes de voar para Anchorage.

Enquanto os chineses acusam os EUA de desestabilizar o mundo em nome de seus valores, Biden tem tentado imprimir um tom mais assertivo em sua política externa. Tem experimentado subir o tom contra o presidente russo, Vladimir Putin, um aliado de Xi que foi chamado de assassino pelo americano.

Do ponto de vista puramente militar, os EUA são uma potência superior à China. Além de gastarem quase quatro vezes mais com defesa, só de ogivas nucleares prontas para uso têm cinco vezes mais do que todo o estoque chinês de armas atômicas.

Economicamente, a questão é mais complexa, e é aí que reside o peso geopolítico do debate. As economias da China e do Ocidente são altamente interligadas, e o aumento da repressão em Hong Kong a partir dos protestos de 2019 não mudou muito o cenário.

Ao contrário, a China lidera o ranking de destino de investimento direto estrangeiro, com US$ 163 bilhões (pouco mais de R$ 900 bilhões) recebidos em 2020. Há cerca de US$ 900 bilhões (R$ 5 trilhões) investidos em empresas chinesas que abriram seu capital.

E a maioria dessas firmas está listada na Bolsa de Hong Kong, entreposto comercial por onde entram e saem cerca de 65% do capital externo de e para a China.

Lidar com isso e com a assertividade chinesa sob os poderes imperiais de Xi, consolidados desde que assumiu em 2012, parece ser a acomodação central a ser buscada a partir da troca de farpas no Alasca.

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