Governo na Bolívia está destruindo instituições, diz ex-chanceler de Jeanine Añez

Para Karen Longaric, detenção de ex-presidente é demonstração de perseguição política

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Buenos Aires

Para a ex-chanceler da gestão de Jeanine Añez, o atual presidente da Bolívia, Luis Arce, está "entrando num terreno perigoso" com a prisão da ex-presidente interina e de alguns de seus ex-ministros.

"A ideia de que poderia ser uma gestão moderada, do diálogo, está sendo enterrada", disse à Folha, de La Paz, Karen Longaric, 63, que não está na lista de pedidos de prisão ordenados pela Justiça boliviana.

Professora emérita de Direito Internacional na Universidad Mayor de San Andrés, ela conta que vem recebendo ameaças anônimas e que não pretende voltar à política.

Karen Longaric, ex-chanceler da gestão de Jeanine Añez, durante entrevista em La Paz
Karen Longaric, ex-chanceler da gestão de Jeanine Añez, durante entrevista em La Paz - Aizar Raldes - 29.nov.2019/AFP

Como avalia a detenção da ex-presidente Jeanine Añez? Estou muito preocupada pelo povo boliviano, que mais uma vez assiste a um gesto de arbitrariedade cometido pelo MAS [Movimento ao Socialismo, partido do ex-presidente Evo Morales e de Luis Arce]. A detenção é uma demonstração de que há uma perseguição política e um avanço do Executivo contra as instituições. O Ministério Público e a Justiça estão sendo usados de modo impiedoso para servir aos propósitos deste governo.

Por sorte, temos a manifestação em nosso favor do Brasil, da União Europeia e de outros organismos internacionais. Apreciamos que o governo do presidente Bolsonaro tenha demonstrado solidariedade e sabemos que contamos com a solidariedade de todos os governos realmente democráticos.

A senhora crê que o presidente Luis Arce está envolvido? Claramente a gestão do MAS está debilitando e destruindo a independência das instituições. Não há um projeto de estabilidade no plano do senhor Arce, como ele prometeu em seu discurso de campanha. Mas sim o projeto de implementar na Bolívia o sistema do socialismo do século 21. Os bolivianos queremos viver em paz, com regras claras e uma Justiça independente, não num governo com essa finalidade. A construção da candidatura de Luis Arce foi feita partindo da ideia de que era preciso se apresentar como um moderado, diferente de Morales, mas essa ideia de que poderia ser uma gestão moderada, do diálogo, está sendo enterrada.

Causa estranheza que, na gestão de Añez, Evo Morales tenha sido denunciado por terrorismo, e, agora que o MAS voltou ao poder, essa acusação caiu, e a ex-presidente seja acusada de sedição, num primeiro momento, e de terrorismo. Os supostos crimes são diferentes? São completamente diferentes. O nosso governo pretendeu sancionar delitos comprovadamente relacionados a uma campanha terrorista. Há evidências apresentadas para esse processo, e lamentamos que tenha caído. É muito diferente culpar agora a ex-presidente Añez por uma figura jurídica sui generis, a de um suposto delito, quando ela era ainda senadora, por supostamente articular para tomar o poder.

É preciso lembrar que Añez não tomou a dianteira nesse processo. A própria Assembleia Legislativa, cuja maioria era do MAS, decidiu cancelar a eleição depois das evidências de fraude. Depois, foram vários os pedidos para que Morales renunciasse, de organizações sociais, da Defensoria do Povo, por conta da violência desatada nas ruas, e culminou com a sugestão das Forças Armadas. Não houve golpe, houve uma fraude. E quem decidiu anular a eleição foram os parlamentares do MAS, não Añez.

Depois, a questão da sucessão foi decidida de modo consensual no âmbito legislativo e depois referendado pelo Tribunal Constitucional. Portanto, não há delito.

A senhora e seu grupo político planejam alguma reação ao que está acontecendo na Bolívia? Eu não tenho por que reagir porque não faço parte de partido político, não pretendo voltar à politica. Opino como ex-funcionária deste governo e como cidadã que Arce está entrando num terreno perigoso, avançando contra as instituições. Eu nunca soube de eles [o MAS] terem algo contra mim, mas, se for chamada à Justiça, responderei mostrando que minha passagem pelo governo foi transparente, visando a paz e a institucionalidade na Bolívia. No mais, minha ideia é seguir com a minha vida acadêmica, que é o meu território natural de atuação.


Raio-x

Karen Logaric, 63
Chanceler durante o governo interino de Jeanine Añez, é diplomata, professora emérita de direito internacional na Universidad Mayor de San Andrés (Bolívia), onde se formou na área, e doutora em economia pela Universidad de La Habana (Cuba)

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