Descrição de chapéu Financial Times oriente médio

Irã pede que EUA suspendam sanções em um ano para reiniciar negociações nucleares

Comentários são o mais claro indício da disposição da República Islâmica a se comprometer com americanos

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Najmeh Bozorgmehr
Teerã | Financial Times

O Irã estaria disposto a retomar as negociações do acordo nuclear com os Estados Unidos e outras potências ocidentais se estas derem um "sinal claro" de que as sanções serão canceladas dentro de um ano, disse uma importante figura conservadora do Irã e potencial candidato a presidente.

"Eles podem anunciar e nos garantir que todas as sanções impostas depois do JCPOA [o acordo nuclear de 2015] serão levantadas em menos de um ano e nos dizer para negociar esse processo", afirmou Mohsen Rezaei, que liderou a Guarda Revolucionária durante 16 anos, em entrevista ao Financial Times.

Esses comentários são o mais claro indício até agora da disposição da República Islâmica a se comprometer com os EUA. Donald Trump retirou os Estados Unidos do acordo nuclear com potências globais em 2018, impondo as sanções mais duras até hoje a Teerã, enquanto seu governo tentava garantir um novo acordo que incluísse as políticas regionais e militares do Irã.

O presidente Joe Biden está disposto a retornar ao acordo desde que o Irã, que recuou na maioria de seus compromissos incluídos no acordo, também volte a cumpri-lo plenamente. O Irã disse que os EUA devem retornar ao acordo nuclear incondicionalmente, porque foram eles que saíram.

"Nós temos de ver todos os meses, durante as negociações, que algumas sanções que são urgentes para nós estão sendo canceladas", disse Rezaei, explicando as exigências mais detalhadas até hoje para que o Irã retorne às discussões.

"Por exemplo, as sanções sobre transações financeiras e restrições impostas pelos bancos europeus devem ser levantadas no primeiro mês. As exportações de petróleo também estão entre nossas maiores prioridades."

Ele disse que outras medidas dos EUA, como ajudar a descongelar bilhões de dólares iranianos mantidos em bancos internacionais como incentivo para iniciar as negociações, seria semelhante a dar "um doce" ao país.

O porta-voz do Ministério das Relações Exteriores do Irã, Saeed Khatibzadeh, disse que "todas as questões de política externa só são transmitidas por meio de canais oficiais" e que "claramente" Mohammad Javad Zarif, o ministro das Relações Exteriores do país, "é o encarregado", e não Rezaei, "que não tem responsabilidade direta ou indireta" sobre a questão.

Nas últimas semanas, todos os lados tomaram medidas para demonstrar sua determinação a encontrar uma saída. Depois de um acordo de última hora com o órgão de vigilância atômica dos EUA, o Irã atenuou o impacto de sua decisão de interromper as inspeções de surpresa durante três meses.

Os países europeus não apresentaram nesta semana uma resolução na Agência Internacional de Energia Atômica que tinha o objetivo de criticar Teerã por infrações ao acordo nuclear. Os EUA disseram que estarão preparados para encontrar o Irã em um formato organizado pela União Europeia, como coordenadora da comissão conjunta do JCPOA.

O Irã usaria suas "numerosas ferramentas dentro de nossos direitos e das normas internacionais para fazer os EUA recuarem e suspenderem as sanções", disse Rezaei, acrescentando que o país "não dará um passo adiante enquanto não virmos qualquer ação dos americanos e enquanto não houver maior confiança".

"Nosso programa nuclear seguirá em frente", acrescentou.

Treinamento de lançamento de misseis da Guarda Revolucionária do Irã - Guarda Revolucionária do Irã/AFP

Enquanto os EUA e os países europeus há muito queriam novos acordos para conter o programa de mísseis iraniano e a atuação do país nos conflitos regionais, Teerã sempre resistiu a essa pressão. "Biden pode ter alguns desejos", mas "eles não podem se materializar nesses campos", disse Rezaei.

"O Irã também goza de uma posição geopolítica muito importante na região. Nenhuma questão pode ser abordada na região sem o envolvimento do Irã."

Rezaei disse que o Irã não vê motivo para "não desenvolver armas defensivas dentro de nossas legítimas políticas de defesa, que excluem bombas e armas atômicas pois não são aceitáveis para nós". Indagado se o país pretendia ampliar o atual alcance dos mísseis balísticos, ele acrescentou: "Consideramos tais limitações [manter o alcance dos mísseis balísticos em 2.000 quilômetros] por enquanto, desde que nossos inimigos não desenvolvam mísseis além desse alcance para nos atingir".

Rezaei, 66, é secretário do Conselho de Conveniência, que redige as macropolíticas do país para aprovação do "líder supremo", aiatolá Ali Khamenei, e deixou a chefia da Guarda Revolucionária em 1997. De modo incomum, ele pôde retornar às forças armadas há sete anos, e ainda usa uniforme em ocasiões especiais.

Como o presidente Hassan Rouhani, de centro, deverá deixar o governo neste ano, após dois mandatos, a luta de poder entre a linha dura se intensificou. Rezaei, que já concorreu à presidência duas vezes, é citado como um candidato linha-dura. Perguntado sobre o assunto, ele disse que ainda não se decidiu.

As forças reformistas manifestaram preocupação sobre figuras militares ocuparem um dos cargos mais importantes do Estado. "O que há de errado se figuras militares ocuparem o poder [Presidência] por meios democráticos?", disse Rezaei, citando Charles de Gaulle na França e Dwight Eisenhower nos EUA.

"Os iranianos chegaram à conclusão de que precisam de um governo forte, eficaz e responsável, que preste contas à população. Essas características são mais fortes em figuras veteranas e militares do que em outros."

Ele rejeitou a especulação de que a linha dura poderia adiar o compromisso com os EUA para depois da eleição. O momento das negociações depende dos "interesses nacionais" do país, disse, salientando que foi Khamenei quem definiu a política sobre a negociação. "Desta vez há novamente uma voz que brota do Irã como aconteceu durante as negociações nucleares [2013-2015], e esta é o que o líder supremo diz."

Rezaei minimizou o impacto das sanções em um país que luta com a alta inflação e a recessão, e disse que o Irã deve priorizar sua economia. "Não há motivo para ajudarmos na segurança do Iraque e da Síria e depois vermos outros países colherem os benefícios econômicos. Os produtos iranianos devem ter presença forte na região", afirmou.

Tradução de Luiz Roberto M. Gonçalves

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