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Justiça dos EUA cancela condenações e solta três presos após 24 anos

Homens haviam sido processados por duplo assassinato em Nova York

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Troy Closson
Nova York | The New York Times

No fim de semana antes do Natal de 1996, um comerciante estava abrindo sua loja no Queens (distrito na zona sudeste de Nova York), junto com um policial que trabalhava como segurança nas horas vagas, quando os dois foram apanhados numa emboscada por um grupo de homens e mortos a tiros.

O caso desencadeou uma caçada feroz, e em poucos dias três homens foram presos. Eles foram condenados por assassinato, em julgamentos separados, a penas de 50 anos e prisão perpétua.

Mais de 20 anos depois, o caso desmoronou.

Nesta sexta-feira (5), um juiz estadual cancelou as condenações dos três e advertiu a promotoria por reter provas que teriam projetado sérias dúvidas sobre a culpabilidade deles.

Os três condenados por assassinato no Queens, George Bell (esq.), Rohan Bolt (centro) e Gary Johnson, deixam presídio em Nova York
Os três condenados por assassinato no Queens, George Bell (esq.), Rohan Bolt (centro) e Gary Johnson, deixam presídio em Nova York - Amr Alfiky - 5.mar.21/The New York Times

Os promotores nunca entregaram à polícia relatórios que mostravam que investigadores tinham ligado os assassinatos a outros homens, membros de um bando que praticava furtos. E depoimentos de cinco testemunhas —que não foram vistos pelos advogados de defesa— negaram as confissões dos homens, que erraram em detalhes importantes do crime e que, segundo os advogados, foram coagidos a confessar.

Os três —Gary Johnson, 46; George Bell, 44; e Rohan Bolt, 59— saíram da prisão nesta sexta à tarde e choraram ao abraçar suas famílias. "Finalmente conseguimos", gritou Bolt, segurando as mãos de dois de seus netos pela primeira vez.

"O gabinete do promotor distrital deliberadamente ocultou da defesa informação verossímil sobre a culpa de terceiros", declarou o juiz Joseph Zayas aos três homens, que participaram da sessão virtualmente. Ele afirmou que a promotoria havia "completamente abdicado de seu papel de buscar a verdade nesses casos" e sugeriu que o motivo pode ter sido que os promotores sabiam que as evidências reduziriam as chances de condená-los.

A promotora distrital do Queens, Melinda Katz, defendeu o cancelamento das condenações por causa das novas evidências. Mas ela não chegou a afirmar que os acusados são inocentes. Seu gabinete pretende rever o caso durante 90 dias antes de decidir se vai julgá-los novamente.

"Não posso apoiar essas condenações", disse Katz em um comunicado na sexta. "No entanto, neste momento não há evidências suficientes de real inocência, e portanto estamos aproveitando esta oportunidade para reavaliar e examinar as evidências."

Uma unidade que Katz criou para investigar possíveis erros de julgamento não encontrou desvio de conduta intencional por parte dos promotores. Zayas discordou na sexta-feira, dizendo-se "perplexo" com a posição do gabinete e que os promotores tinham ocultado evidências e apresentado mal os fatos.

Os advogados também disseram que o gabinete de Katz levou meses para aceitar a libertação dos homens, mesmo depois que as evidências foram revisadas. Em seu documento ao tribunal, eles afirmaram que a posição de Katz negou aos condenados "a justiça completa que merecem", depois que grande parte das evidências iniciais contra eles desmoronaram.

"Isto deveria ter sido feito um ano atrás. Por que razão eles demoraram tanto?", disse Mitchell Dinnerstein, um dos advogados de George Bell. Ele acrescentou que na sua opinião o gabinete adotou essa posição porque estava "tentando proteger" os promotores envolvidos, um dos quais ainda trabalha lá.

Mas documentos recém-descobertos —relatórios de polícia, registros e anotações— projetaram novas luzes sobre o caso.

Os relatórios da polícia conectaram membros de um bando conhecido como Speedstick aos assassinatos. Dois membros do bando tinham dito a detetives que outro membro havia sugerido que estava envolvido.

Testemunhas de outro ataque a tiros meses depois —com a participação de um dos líderes do grupo— descreveram várias semelhanças marcantes com o crime de 1996. E investigadores dos dois casos também se reuniram para discuti-las.

Mas os promotores afirmaram repetidamente que não havia registros ligando os crimes e sabotaram as tentativas de relacioná-los no julgamento. Os advogados afirmam que as evidências foram suprimidas.

"Na história do estado de Nova York, esta é uma das mais abusivas violações dos direitos constitucionais de um indivíduo já ocorridas, segundo posso imaginar", disse Marc Wolinsky, advogado de Bell.

O caso representa o primeiro teste da condução por Katz das denúncias de má conduta da promotoria. Alguns advogados de defesa e ex-promotores dizem que esses desvios passaram em branco durante 27 anos sob o promotor distrital Richard Brown, que morreu em 2019. Antigos líderes no cargo o defenderam e disseram que essas preocupações foram priorizadas quando surgiram.

Depois de assumir o cargo no início do ano passado, Katz criou uma unidade para rever potenciais erros de condenação, o que seu antecessor se negou a fazer durante muito tempo. As investigações da unidade levaram à libertação da prisão no ano passado de dois homens em casos de assassinato diferentes, depois que testemunhas se retrataram ou novos testes de DNA puseram em dúvida sua culpa.

A unidade assumiu o caso dos três condenados nas mortes de 1996 em março passado, depois de um pedido dos advogados de defesa, e passou meses desencavando novos documentos. Ela descobriu que não haviam sido apresentadas evidências de inocência, e os advogados dos três disseram que as discussões sobre libertar os homens começaram no final de novembro. Eles acusaram Katz de demorar para agir, mesmo depois que os problemas do caso ficaram claros.

As questões do caso são um exemplo claro do comportamento que, segundo alguns advogados, foi negligenciado no gabinete do promotor distrital do Queens. Juízes decidiram que os promotores haviam agido mal em pelo menos 117 casos entre 1985 e 2017; um advogado que revisou as condenações descobriu que os promotores raramente foram punidos.

Um dos vários promotores nos três casos foi Brad Leventhal. Registros legais mostram que um juizado de apelação com três magistrados cancelou a condenação em um dos casos de tentativa de homicídio conduzidos por Leventhal, ordenando um novo julgamento em 2006 com base em "repetidas instâncias de má conduta processual" durante o interrogatório de uma testemunha e nos argumentos finais.

Leventhal, que hoje é chefe do departamento de julgamento de homicídios da promotoria, transferiu os comentários para Jennifer Naiburg, promotora distrital assistente do gabinete. Naiburg disse que Leventhal havia cuidado de aproximadamente 85 casos como advogado de defesa e promotor e, exceto em 2006, não foi sancionado por desvio de conduta e nenhuma de suas condenações foi revertida.

O gabinete não pretende rever antigas condenações de promotores individuais, pois a unidade de revisão determinou que não houve erros de conduta intencionais.

Entretanto, alguns dos relatórios policiais revelados tinham sido usados em outros processos. E notas escritas por Charles Testagrossa, um ex-promotor no Queens, sugeriram que ele estava ciente de que um membro do Speedstick podia ter dirigido um furgão usado nos assassinatos na loja de desconto de cheques.

Testagrossa, que hoje trabalha na promotoria distrital do condado de Nassau, disse em comunicado na quinta-feira (4) que ele "revelou todo o material absolutório" que conhecia, nesse caso e em toda a sua carreira. "Eu sempre acreditei que todas as partes em um julgamento —as vítimas e suas famílias, os réus e suas famílias— merecem igualdade e justiça", disse.

No julgamento de cada réu, os promotores utilizaram evidências diferentes, incluindo as primeiras confissões deles, uma identificação de testemunha ocular, o relato de um informante do presídio e o depoimento de um quarto homem que também foi acusado pelos assassinatos. Mas nenhuma evidência física ligava algum deles ao crime, segundo documentos do tribunal.

"Quando essa jornada infeliz começou, eu tinha apenas 19 anos. Era apenas um garoto sem compreensão clara da lei ou de meus próprios direitos", disse Bell na audiência na sexta-feira. "Agradeço aos senhores por me darem uma nova chance na vida."

Tradução de Luiz Roberto M. Gonçalves  

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