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Mini-Gretas na América Latina vão da luta pelo meio ambiente aos direitos de transexuais

Crianças e adolescentes inspirados na ativista sueca ganham destaque com livro e atuação em ONGs

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Juliana Faddul
São Paulo

Quando Francisco Vera Manzanares pediu a palavra durante uma sessão do Senado colombiano em 2019, sua fala era firme, mas poucos prestavam atenção. Bastou citar o tema da reforma tributária —questão à época sensível ao governo, já que milhares de manifestantes protestavam nas ruas de Bogotá—, e os cerca de 300 presentes se calaram imediatamente.

“Vocês, governantes que legislam pela vida, devem lutar por um planeta sustentável. Deveriam votar contra [a proposta], porque isso é um desrespeito ao povo colombiano”, disse ele, arrancando vaias e aplausos. Manzanares se despediu deixando uma plateia com muitos cabelos grisalhos atônita. Afinal, não é sempre que uma criança de nove anos discursa sobre economia e meio ambiente.

A cena rememorou na imprensa local o ativismo de Greta Thunberg, 18, em frente ao Parlamento sueco, em 2018, ato que germinou a criação do movimento mundial Fridays for Future (sextas-feiras pelo futuro), em que estudantes faltam às aulas para exigir ações que freiem as mudanças climáticas.

Afeitos aos mesmos interesses em favor do meio ambiente, Francisco e Greta rapidamente se tornaram amigos virtuais e hoje trocam curtidas em redes sociais e ideias para acabar com a emissão de poluentes.

“Admiro muito o trabalho de Greta e o que ela representa para o mundo”, diz à Folha Manzanares, que viu os planos de conhecer a sueca pessoalmente congelados devido à pandemia. Restou então concentrar seus esforços na ONG Guardiães pela Vida, que lhe rendeu uma carta de reconhecimento da ONU assinada pela alta comissária para os Direitos Humanos, Michelle Bachelet, em 2020.

Francisco Vera Manzanares, 9, que discursou no Senado colombiano em favor de pautas ambientais
Francisco Vera Manzanares, 9, que discursou no Senado colombiano em favor de pautas ambientais - Arquivo Pessoal

Segundo o Unicef (Fundo das Nações Unidas para a Infância), o interesse dos mais novos em tópicos de mobilização social está crescendo. “Estamos vivendo um momento poderoso na história da América Latina, em que os jovens são protagonistas de mudanças e transformações”, diz Emilia Numer, consultora do Unicef em Desenvolvimento e Participação Adolescente no continente.

Desde 2016, a entidade realiza, junto a parceiros, o Concausa, evento que reúne ações de inovação social e ambiental promovidas por adolescentes de 14 a 17 anos em suas comunidades. De 2018 para 2019, houve aumento de 74% no número de interessados e o surgimento de novas agendas.

Os temas favoritos são mudança climática, direitos das mulheres e violência. A próxima edição está programada para o fim deste ano, no Chile, e as inscrições estão abertas até 15 de abril.

Outro exemplo desse movimento é o mexicano Luis Ricardo Ordaz Zaragoza, 6. Impossibilitado de brincar na pracinha devido à crise da Covid-19, ele decidiu escrever, com a ajuda do pai —um economista—, um livro sobre temas que o comoviam, como o amigo que vendia balas com a mãe perto de sua casa.

“Quero um mundo melhor, sem guerras, sem lixo no mar e sem pobreza”, sintetiza o autor de "El Niño que Quiso Cambiar el Mundo" (o menino que quis mudar o mundo, Editorial Utrilla, 2020), obra que traz questões sobre pobreza, meio ambiente e guerras.

O mexicano Luis Ricardo Ordaz Zaragoza, 6, autor de "El Niño que Quiso Cambiar el Mundo", livro sobre pobreza, meio ambiente e guerras
O mexicano Luis Ricardo Ordaz Zaragoza, 6, autor de "El Niño que Quiso Cambiar el Mundo", livro sobre pobreza, meio ambiente e guerras - Arquivo Pessoal

O ebook se tornou o mais vendido na Amazon mexicana logo na primeira semana, impulsionado por uma editora que se interessou pelo material e que agora prepara o lançamento do livro físico, com participações em feiras literárias na Espanha, na Argentina e na Itália.

Apesar de as pautas ambientais serem a principal bandeira desta geração, os mini-ativistas também abordam outros temas. Tiziana Contrera, 13, foi uma das primeiras meninas transexuais a conseguir documentos oficiais com seu nome social na Argentina. O feito a catapultou a porta-voz da luta pela infância e família de pessoas trans de dois movimentos importantes no país: MTA (Mulheres Trans Argentinas) e Sigla (Sociedade de Integração Gay Lésbica Argentina).

“Minha luta é para que todas as pessoas trans possam ter uma infância melhor do que a que os trans mais velhos tiveram e muito melhor do que a vida que eu tive”, diz ela, acrescentando que ainda enfrenta olhares atravessados de vizinhos mais conservadores.

Tiziana Contrera, 13, uma das primeiras meninas transexuais a conseguir documentos oficiais com seu nome social na Argentina
Tiziana Contrera, 13, uma das primeiras meninas transexuais a conseguir documentos oficiais com seu nome social na Argentina - Arquivo Pessoal

​Tiziana afirma contar com uma rede de apoio: as “tias do movimento” e os amigos que fez no novo colégio, “de ambos os sexos, porque sou muito sociável com todos”. Daqui a alguns anos, ela começará o tratamento de bloqueio hormonal que viabilizará, no futuro, a cirurgia de mudança de sexo.

“Os movimentos sociais sempre tiveram a participação de crianças e adolescentes, mas repercutiam pouco porque dependia da cobertura da mídia tradicional. Hoje, as redes sociais permitem uma manifestação mais ampla, com pessoas que têm o mesmo interesse, a mesma idade e a mesma forma de comunicar”, diz Mario Volpi, coordenador do programa de cidadania dos adolescentes do Unicef no Brasil.

Foi devido a um vídeo viral que Maria Érica Rocha Simão, 12, conseguiu pressionar a prefeitura do município de Coelho Neto, no interior do Maranhão, para que construísse uma brinquedoteca na região.

Maria Érica Rocha Simão, 12, que conseguiu pressionar a prefeitura do município de Coelho Neto, no interior do Maranhão, para que construísse uma brinquedoteca na região
Maria Érica Rocha Simão, 12, que conseguiu pressionar a prefeitura do município de Coelho Neto, no interior do Maranhão, para que construísse uma brinquedoteca na região - Arquivo Pessoal

“Com a pandemia, muita gente ficou sem aula. Peguei uns materiais no lixo e decidi fazer um espaço de leitura, com lousa, mesa e cadeira. Como tenho bolsa num colégio particular, e as aulas continuaram virtualmente, decidi ajudar as crianças que não têm a mesma sorte”, conta.

Atualmente Maria Érica ensina 20 crianças, de 4 a 12 anos. “Mudar o mundo é muito importante, e nós, crianças, temos boas ideias. Os adultos precisam nos ouvir.”

“A liderança do jovem é importante porque quebra essa visão do adulto de que ‘sempre foi assim e sempre será’. A força do jovem acaba mobilizando outros jovens. Acaba sendo a ruptura de algo já estruturado”, diz Volpi. Assim como Greta, cujo nome em latim significa "romper com algo".

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