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Não é comportamento individual da mulher que evita violência masculina, diz criminologista

Para professora da Universidade de Durham, educação é caminho mais efetivo para combater agressões

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Bruxelas

Se ainda restavam dúvidas de que a violência contra a mulher não é culpa dela, o assassinato da britânica Sarah Everard é uma prova definitiva, afirma a criminologista Nicole Westmarland, pesquisadora da Universidade de Durham. Na noite de 3 de março, quando a executiva de 33 anos foi sequestrada e morta, ela havia cumprido todo o “manual de conduta” recomendado a mulheres para evitar agressões.

Vestia calças compridas, sapato baixo, um gorro e uma capa de chuva, não estava bêbada, avisou onde estava e para onde ia ao deixar a casa de amigos e caminhava numa zona frequentada de Londres, em direção à sua casa. Quando foi vista pela última vez, eram 21h30.

Essa evidência de que não basta "seguir as regras" para evitar a violência transformou Everard em símbolo e gerou as manifestações que aconteceram no Reino Unido nas últimas semanas, diz a pesquisadora.

Westmarland aponta a educação como o caminho mais efetivo para combater a violência contra mulheres. “É disso que precisamos, que a nova geração de pessoas que estão crescendo não aja com violência, não tolere abusos, seja capaz de distinguir quando eles estão acontecendo e como evitá-los.”

Para Westmarland, há no Reino Unido vários programas isolados —como o de apoio a homens agressores, que ela estudou e no qual viu resultados—, mas é preciso “mudança em escala massiva”.

A professora Nicole Westmarland
A professora Nicole Westmarland - Divulgação

Estatísticas mostram que violência contra mulheres não é problema novo nem pequeno no Reino Unido. O que explica a comoção gerada pelo caso Sarah Everard? Quem ela era e as circunstâncias do crime. Quando uma mulher é agredida, a reação costuma ser “foi morta porque se relacionou com um homem violento”, “foi morta porque estava andando sozinha no meio da noite”. A mulher sempre foi morta porque estava fazendo algo que não deveria. Mas Sarah Everard estava seguindo todas as regras de segurança para mulheres. Disse onde estava, avisou quando estava saindo, vestia calças e uma jaqueta, não estava bêbada e tudo aconteceu no meio de uma metrópole como Londres.

O que chocou foi ver que não é possível acreditar no que dizem que mulheres podem estar seguras se fizerem a, b ou c. Sarah Everard explodiu todos esses mitos e mostrou para a população em geral algo que os criminologistas estão dizendo faz tempo: essas atitudes não são suficientes para manter as mulheres seguras. Não é o comportamento individual da mulher que evita a violência masculina.

Após o assassinato, o governo britânico anunciou sentenças mais rígidas e a transformação em crime de atos como estrangulamento não fatal. Endurecer a lei ajuda? Muitos diriam que mudanças como a do estrangulamento são muito, muito importantes. É importante ter leis para condenar os agressores. Mas o Reino Unido já tem muitas leis que não são implementadas nem usadas em seu potencial máximo. Duas mulheres por semana são mortas por seus parceiros ou ex-parceiros.

No caso dos estupros, por exemplo, apenas uma proporção minúscula dos casos relatados para a polícia são encaminhados pela Promotoria. Obviamente nem todos são condenados, porque nem todos são culpados. Precisamos de boas leis, mas também de outras coisas ao redor disso.

Organizações da área sempre apontam medidas preventivas como essenciais, mas elas costumam ser subestimadas ou postergadas pelo governo. Por que é tão difícil investir em prevenção? A prevenção sempre fica em último plano porque não há no Reino Unido o nível de investimento necessário para levar realmente a sério a violência. Há várias peças desconectadas, um programa em uma área x, um estudo piloto com jovens num lugar y, várias pequenas tentativas, mas nunca realmente investimos na raiz.

Nunca nos detivemos a estudar do que realmente precisamos para ter uma intervenção precoce eficiente com os mais jovens. É disso que precisamos, que a nova geração de pessoas que estão crescendo não aja com violência, não tolere abusos, seja capaz de distinguir quando eles estão acontecendo e como evitá-los. E então podemos realmente criar uma mudança em escala massiva.

Mudança em massa exige investimentos, recursos e energia em uma escala também tremenda. É dessa mudança de patamar que precisamos se quisermos acabar com a violência contra as mulheres, e não apenas processar os casos depois que eles aconteceram.


Raio-X

Nicole Westmarland

Criminologista e pesquisadora da Universidade de Durham, na qual dá aulas no curso de mestrado do departamento de sociologia. É autora do livro "Violence Against Women. Criminological Perspectives on Men’s Violences" (violência contra mulheres. perspectivas criminológicas sobre as violências masculinas)

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