Oposição no Paraguai se divide, e indefinição paira sobre afastamento de presidente

No 5º dia de protestos, grupos se reúnem diante da sede do partido de Abdo Benítez e pedem renúncia

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Assunção

Enquanto manifestantes em Assunção preparavam novos protestos para a noite desta terça-feira (9) em favor da renúncia do presidente Mario Abdo Benítez, nos corredores do Congresso paraguaio a possibilidade de um julgamento político encontrou obstáculos.

O Partido Liberal Radical Autêntico (PLRA), liderado por Efraín Alegre, entrou com um pedido para a abertura de debates em torno do processo de impeachment do líder do país e de seu vice, Hugo Velázquez, por má gestão da pandemia do coronavírus.

No final da manhã desta terça, porém, o líder do Congresso, Óscar Salomon, membro do partido Colorado —o mesmo do presidente— e terceiro na linha de sucessão, afirmou não ser possível colocar em votação um pedido de afastamento de ambos os chefes do Executivo.

Manifestantes contrários ao presidente Mario Abdo Benítez protestam nas imediações da residência oficial, em Assunção
Manifestantes contrários ao presidente Mario Abdo Benítez protestam nas imediações da residência oficial, em Assunção - Norberto Duarte - 8.mar.21/AFP

“Como é possível afirmar que o vice-presidente fez uma má gestão da pandemia se ele não teve a oportunidade de gerenciar nada? Ou se abre um processo apenas contra Abdo Benítez ou não se abre. Não se pode julgar os dois dentro dessa figura processual”, afirmou.

As palavras de Salomón causaram divisão no PLRA, que detém 29 cadeiras na Câmara —são necessários 53 votos para aprovar o afastamento. Ainda que a ala fiel a Alegre seja majoritária no partido, ela não concentra todos os votos a favor do impeachment.

Segundo um membro da legenda, uma ala dos liberais não aceita apoiar um processo que só se concentre em Abdo Benítez e embarcaria no julgamento político apenas se ele englobar Velázquez. Caso ambos sejam afastados, o Congresso tem 90 dias para convocar eleições —Alegre deve disputar a Presidência.

A situação, portanto, é de impasse. Ou o PLRA refaz o pedido ou a pauta nem será debatida, por decisão de Salomon. Enquanto isso, Vélazquez, antigo aliado do ex-presidente Horacio Cartes —hoje ele está afastado do caudilho do Partido Colorado—, afirma que a situação do Executivo é estável.

“Ouvimos e respeitamos a população que saiu às ruas. Sabemos que há um descontentamento em relação à gestão da pandemia, mas vamos corrigi-la. Já começamos, com a troca do ministro da Saúde. Agora vamos atrás das vacinas e dos medicamentos que faltam nos centros médicos em todo o país”, afirmou o vice, na manhã desta terça, no Palácio de los López, sede do Executivo paraguaio.

Velázquez acrescentou que ele e Abdo Benítez foram “eleitos pelo voto popular e que é preciso respeitar essa decisão". "A maioria nos apoia, e vamos terminar o mandato seguindo a Constituição.”

Para o analista político Mario Paz Castaing, o panorama na cúpula do governo é explosivo e "o poder de Marito [o presidente Mario Abdo Benítez], sequestrado por Cartes, já era frágil antes da pandemia". "Pode explodir agora ou em alguns meses. A rua vai definir."

Cartes lidera a Honor Colorado, corrente majoritária do Partido Colorado. Por ora, o grupo não apoia o afastamento, e os deputados afirmam que não comparecerão a uma votação pela saída de Abdo Benítez.

Na tarde desta terça, o presidente nomeou outros dois ministros próximos a Cartes, na tentativa de continuar tendo sua proteção contra um possível julgamento político —Juan Manuel Brunetti assumirá a pasta de Educação, e Cecilia Lezcano ocupará o ministério da Mulher.

A aprovação da mudança veio em seguida. "Não vai haver julgamento político, porque o presidente e seu vice estão fazendo as mudanças necessárias para o país", afirmou o deputado Basilio Núñez, um dos líderes da Honor Colorado.

Já o epidemiologista Alfredo Boccia diz que o país perde tempo com disputas políticas, enquanto variantes do coronavírus entram no Paraguai, debilitando principalmente cidades do interior, que sequer têm médicos para operar UTIs. Para ele, a única saída é negociar a compra de vacinas mais rapidamente.

O país vinha controlando a disseminação do vírus com a imposição de medidas restritivas, mas desde janeiro a curva de infecções começou a aumentar, e os números bateram recordes nesta terça.

Pela primeira vez, o Paraguai somou 2.125 novos casos confirmados, depois de manter os registros acima de mil desde 15 de fevereiro —nos primeiros meses da pandemia, esse número não chegava a cem.

Foram registradas 17 mortes em um dia, e o total de pacientes internados por conta da doença atingiu o recorde de 1.250.

Na segunda-feira (8), além dos protestos em Assunção, houve manifestações em Encarnación e Ciudad del Este, entre outras cidades. Uma caravana vinda de Ciudad del Este, na fronteira com o Brasil (onde a curva de contágios está crescendo com rapidez), chegou para participar dos protestos na capital.

No quinto dia consecutivo de protestos, os manifestantes mudaram o foco na noite desta terça. Depois de se concentrarem diante da casa de Horacio Cartes e do palácio legislativo, os grupos se dirigiram à sede do Partido Colorado, no centro de Assunção.

De modo pacífico e agitando bandeiras do Paraguai, gritavam pela renúncia de Abdo Benítez e pelo fim da ingerência de Cartes na política local.

Havia manifestantes vindos do interior do país. "Estamos todos morrendo lá. Não só de Covid, nos hospitais não tem nada, nem anestesia para operar", disse Carmen Villasanti, 49, que viajou de Cidade del Este com dois irmãos e um amigo para protestar na capital.

"Se lá não nos escutam, viemos até aqui."

Outros moradores da cidade fronteirça temem o aumento dos casos. "Estamos muito perto do Brasil, que está estalando, é preciso fazer algo", diz Chiqui Sequera, 43, que afirmou ter perdido um tio, diagnosticado com coronavírus, e que não pôde ser internado.

Santiago Estrella, 23, veio ao centro de Assunção todos os dias desde a sexta-feira, com colegas da faculdade. "Não vamos nos conformar com essas mudanças de ministros. Vamos continuar vindo, todos os dias, cada vez somos mais fortes, não temos líderes políticos porque não aguentamos mais líderes políticos", afirmou.

Por volta das 21h30, havia uma pequena multidão diante da sede do partido, que gritava "renuncia, renuncia".

A insatisfação dos que saem às ruas para protestar contra o governo está relacionada à falta de insumos básicos nos hospitais e centros de saúde, como analgésicos. A oposição questiona o governo por ter solicitado empréstimo internacional de US$ 1,6 milhão para comprar insumos que, por ora, não chegaram.

Segundo reportagem do jornal ABC Color, o governo não chegou sequer a prever licitação para a compra, por exemplo, de atracúrio, um relaxante muscular usado na intubação de pacientes com Covid-19 em estado grave nas UTIs.

A escassez do medicamento obrigou o ministério da Saúde a comprar doses a preços muito acima dos praticados normalmente, de acordo com a publicação.

Também não foi apresentado um plano nacional de vacinação —chegaram ao Paraguai apenas 4.000 doses do imunizante russo Sputnik V e 20 mil doses da chinesa Coronavac vendidas pelo governo chileno. Pouco para os 7 milhões de habitantes do país. A vacinação ainda não chegou nem a 0,1% da população.

Ainda assim, comparada a outras cidades da região, Assunção mantém protocolos de segurança cuidadosos. Logo ao chegar, no aeroporto, o visitante encontra pias ao lado da fila de migração, com água, sabonete e álcool em gel.

Nos comércios, há termômetros, e o uso de máscaras é obrigatório nas ruas e em espaços fechados. Há um toque de recolher entre 0h e 5h, e, até junho, a medida começava às 20h. Para viajar a Assunção por via aérea é preciso um teste tipo PCR negativo realizado até 72 horas antes do embarque —a depender do objetivo da viagem, é necessário realizar quarentena.

O recém-empossado titular da Saúde, Julio Borba, que disse estar negociando a compra de vacinas, colocou o país em "alerta vermelho", indicando que nos próximos dias deve haver anúncios de novas medidas de restrição de mobilidade para tentar conter a escalada da pandemia no país.

Segundo ele, se a situação continuar neste ritmo, "haverá um colapso do sistema sanitário em duas semanas".

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