Descrição de chapéu Portugal

Portugal precisa confrontar seu passado colonial, diz Conselho da Europa

Queixas de discriminação racial aumentaram 50% no país, que vai inaugurar memorial às vítimas da escravidão

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Reuters

O Conselho da Europa, principal grupo de direitos humanos da União Europeia, afirmou nesta quarta-feira (24) que Portugal deve fazer mais para enfrentar seu passado colonial e seu papel no comércio de escravos e, assim, combater o racismo e a discriminação.

O relatório surge num momento de acirramento do debate sobre o legado colonial no país —no começo do mês, a remoção dos brasões das ex-colônias de Portugal da chamada praça do Império, pretendida pela Câmara Municipal de Lisboa, gerou uma acalorada discussão e dividiu portugueses.

Agora, o país também se prepara para inaugurar seu primeiro memorial às vítimas da escravidão, em Lisboa. O monumento —uma fileira de canas-de-açúcar pintadas de preto— foi desenhado pelo artista angolano Kiluanji Kia Henda, financiado pela Câmara e ficará no centro da capital.

Monumento aos Descobrimentos, na região do Belém, é um dos principais cartões-postais de Lisboa
Monumento aos Descobrimentos, na região de Belém, é um dos principais cartões-postais de Lisboa - Lalo de Almeida - 7.nov.2017/Folhapress

O texto, assinado pela comissária para os Direitos Humanos, Dunja Mijatović, manifesta preocupação diante do aumento do número de crimes motivados por ódio racial, visando particularmente ciganos, afrodescendentes e estrangeiros no país.

Do século 15 ao 19, as embarcações portuguesas transportaram cerca de 6 milhões de africanos escravizados através do Atlântico, cifra maior que a de qualquer outra nação. A era colonial, que viu países como Angola, Moçambique, Brasil, Cabo Verde e Timor Leste sujeitos ao domínio português, é frequentemente citada como motivo de orgulho. Atualmente, no entanto, a forma como a escravidão costuma ser abordada nas escolas tem sido questionada.

"São necessários mais esforços para Portugal reconhecer as violações de direitos humanos no passado para combater os preconceitos racistas contra afrodescendentes, herdados de um passado colonial e do comércio de escravos", disse o Conselho da Europa em seu relatório.

Em 2020, as queixas de discriminação racial aumentaram 50% no país, atingindo a marca de 655 denúncias. Segundo a secretária de Estado para a Igualdade, Rosa Monteiro, entretanto, esse número provavelmente está abaixo da taxa real de incidentes, uma vez que muitos casos não são registrados.

"Nossa narrativa histórica é como uma ferida muito séria que não foi tratada adequadamente. E, para curá-la, temos que conversar sobre o que aconteceu", disse Monteiro à agência de notícias Reuters, acrescentando que o governo está preparando um plano nacional de combate ao racismo.

Episódios crescentes de racismo incluem uma passeata com referências ao movimento racista Ku Klux Klan, com máscara e tochas, em frente à sede da ONG SOS Racismo, em Lisboa, organizada pelo Resistência Nacional, grupo de extrema direita nacionalista. Esse mesmo grupo enviou emails com ameaças de morte a dirigentes de ONGs e a três deputadas de partidos de esquerda.

Portugal planeja realizar, ainda neste ano, seu primeiro censo sobre origem étnica. Segundo dados do serviço de fronteira, havia, em 2019, cerca de 103 mil africanos oficialmente residentes no país. Os brasileiros lideram o ranking de maior comunidade de imigrantes, com 151 mil pessoas.

O Conselho da Europa também expressou preocupação com o crescimento da direita populista no país, destacando o partido Chega, liderado pelo deputado André Ventura.

Amparando propostas como a castração química de pedófilos e a pena de morte, além da defesa de que não existe racismo em Portugal, o Chega conquistou não apenas o voto antissistema, mas também o de eleitores descontentes com o restante da direita no país.

Ventura também fez comentários públicos contra Mamadou Ba, um dos principais ativistas do movimento antirracismo no país, que no mês passado foi alvo de uma petição pela sua deportação após chamar um oficial colonical, morto recentemente vítima de Covid-19, de sanguinário. Marcelino da Mata era o mais condecorado militar do exército português.

"Não estamos tentando reescrever a história, estamos dizendo que a história que contamos hoje não é suficiente", disse Ba em um protesto no domingo (22). “Queremos uma história que represente todos os portugueses.”​

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