Descrição de chapéu

Punido pelas velhas práticas, Sarkozy é a última paixão política dos franceses

Obcecado com a ideia de ser respeitado pela elite parisiense, ex-presidente tinha profundas ligações com o submundo

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

São Paulo

Com sua altura napoleônica e seu estilo de comediante italiano, Nicolas Sarkozy subiu todos os degraus da República à custa de golpes midiáticos, explosões autoritárias e traições políticas. Ele começou como prefeito de Neuilly-sur-Seine, um subúrbio abastado de Paris, onde ganhou fama depois de negociar sozinho, mas ao vivo em cadeia nacional, a liberação de crianças reféns de um desequilibrado.

Ele continuou como ministro do Interior do segundo governo de Jacques Chirac no começo dos anos 2000. A sua promessa de limpar com “lava jato” os subúrbios da França é lembrada pelos cientistas sociais como o início da “lepenização” da classe política.

O ex-presidente da França Nicolas Sarkozy após ouvir veredito de julgamento sobre corrupção e tráfico de influência, em tribunal de Paris
O ex-presidente da França Nicolas Sarkozy após ouvir veredito de julgamento sobre corrupção e tráfico de influência, em tribunal de Paris - Anne-Christine Poujoulat/AFP

Presidente entre 2007 e 2012, ele inventou a “política de abertura”, uma estratégia que consistia em pilhar quadros dos partidos de oposição e sobretudo enfurecer os seus rivais socialistas. Seguido por uma horda de fãs, mestre na arte de jogar nas fronteiras dos campos ideológicos, Sarkozy é o último animal político a ter presidido a França.

Mas o ousado filho de um imigrante húngaro, obcecado com a ideia de ser respeitado pela elite parisiense, também tinha profundas ligações com o submundo. Sarkozy entrou na política pelas mãos de Charles Pasqua, um ex-resistente da Segunda Guerra Mundial que atuou nas milícias ultranacionalistas que se opunham à descolonização da Argélia.

Ministro e figura tutelar da centro-direita, suas digitais foram encontradas em negócios obscuros como cassinos ilegais e tráfico de armas para países africanos. Foi com o apoio do “clã Pasqua” que Sarkozy construiu sua carreira política. Não surpreende, portanto, que o Joe Pesci da política francesa tenha se envolvido em um grande número de esquemas durante sua passagem pela Presidência.

As investigações mostram como a turma de Sarkozy tentou contornar as limitações do financiamento público para sua fracassada campanha de reeleição em 2012. Num episódio caricato, o tesoureiro de seu partido na altura, a UMP, foi gravado pelo mordomo da poderosa mas senil Liliane Bettencourt, herdeira do grupo L’Oréal, solicitando caixa dois para a campanha eleitoral.

Mas o grande problema de Sarkozy é com Muammar Gaddafi. A relação dele com o líder líbio é, no mínimo, incoerente. Em 2007, meses depois de ser eleito presidente, Sarkozy deixou o autocrata armar sua tradicional tenda beduína nos jardins do palácio presidencial. Na ocasião, a França anunciou uma “União Mediterrânea” com fortes tons orientalistas, que tinha como principal objetivo reabilitar politicamente as ditaduras do norte de África e do Oriente Médio.

Em 2011, no auge da Primavera Árabe, Sarkozy conduziu o ataque das forças ocidentais contra Trípoli, que culminou na morte horrível de Gaddafi.

Para as autoridades francesas, a paixão súbita de Sarkozy pela democratização do mundo árabe não chega para explicar a degradação rápida de sua amizade com Gaddafi. Foi precisamente durante as investigações do “caso líbio” que os policiais franceses se depararam com outro crime envolvendo o ex-presidente.

Os grampos revelaram que, em 2014, Sarkozy conspirou com seu advogado, Thierry Herzog, para corromper Gilbert Azibert, o magistrado responsável pela investigação de Liliane Bettencourt. Esse enésimo escândalo ficou conhecido como o caso “Paul Bismuth”, que era o pseudônimo usado por Sarkozy nas suas conversas confidenciais, e rendeu ao ex-presidente uma pena de três anos proferida nesta segunda (1º) por um tribunal de Paris.

Para os franceses, o desfecho não chega a ser uma surpresa. Nicolas Sarkozy nunca foi conhecido por sua ética inatacável. Nos últimos anos, outros políticos próximos a ele foram investigados e condenados, como Patrick Balkany.

Sua condenação provoca um sentimento ambíguo: por um lado, é a punição da velha política, de que os franceses desdenharam ao votar em Emmanuel Macron em 2017. Por outro lado, Sarkozy é lembrado como a última paixão política dos franceses que agora precisam aturar Macron e seu carisma de diretor de agência bancária do interior. Os franceses sabem que Sarkozy é um pecador, mas vão precisar de um tempo para desapegar.

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.