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Reforma do Judiciário na Argentina emperra e opõe Fernández a Cristina

Oposição vê avanço do Executivo sobre Judiciário, e mudança deve ser adiada

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Buenos Aires

​Uma semana após o anúncio da renúncia de Marcela Losardo, agora ex-ministra da Justiça da Argentina, ainda não se sabe quem ficará em seu lugar.

Sua substituição se tornou um desafio para o presidente Alberto Fernández. Ele está sob pressão da oposição para escolher um nome que não seja apenas alinhado a Cristina Kirchner. Existe, por parte do anti-kirchnerismo, o discurso de que a ex-presidente quer controlar a Justiça.

homem branco de terno acena ao lado de mulher branca de vestido bege e cabelos vermelhos
O presidente Alberto Fernández ao lado da vice Cristina Kirchner em cerimônia no Congresso, em Buenos Aires - Natacha Pisarenko - 1º.mar.21/AFP

A sensação de que o Executivo quer se intrometer no Judiciário prejudicaria a base aliada do líder argentino em um ano de eleições legislativas, que redesenharão o Congresso para a segunda metade de seu mandato. A votação está marcada para 24 de outubro.

A Justiça é um tema sensível para o atual governo, uma vez que Cristina, atual vice-presidente, responde a sete processos por corrupção, lavagem de dinheiro e pagamento de subornos.

Cristina tem um discurso agressivo em relação à Justiça. Em audiência realizada no começo de março, a ex-chefe do Executivo, ao depor em um dos processos contra ela, disse ser vítima de perseguição política e que a ação foi construída com propósito eleitoral por apoiadores do ex-presidente Mauricio Macri. “Temos um grave problema na Argentina, em que a Justiça se comporta como uma corporação."

Em 21 de janeiro, Cristina sofreu uma derrota com a condenação de Lázaro Báez por corrupção e lavagem de dinheiro. A sentença pode complicar os processos da atual vice com conexões com o empresário, como a acusação de lavagem de dinheiro nos hotéis que a família Kirchner possui na Patagônia.

Condenado a 12 anos de prisão, Báez foi o empresário que mais se beneficiou com contratações estatais durante o período em que Néstor e Cristina Kirchner ocuparam a Presidência (2003-2015).

Losardo, a ex-ministra da Justiça, reconhecida advogada e professora da UBA (Universidade de Buenos Aires), havia adotado uma linha moderada quanto à reforma proposta pelo Executivo —até o momento não há data para que a proposta seja votada pela Câmara.

A oposição entende que a mudança na legislação teria como finalidade livrar Cristina de seus processos. No entanto, o texto não prevê que casos em andamento mudem de jurisdição.

Nos processos, Cristina questiona a parcialidade dos juízes. Como a Suprema Corte, em 2018, decidiu que a definição desses magistrados é legítima, há pouca chance de alterar a condução dessas ações. Salvo se fossem feitas mudanças na Suprema Corte, algo que a princípio não está na reforma.

A nova legislação é complexa. Um de seus pontos é fazer com que os juízes não sejam mais os investigadores dos processos e que as ações sejam conduzidas por promotores, em um sistema parecido com o do Brasil.

Outro ponto é diluir a centralização dos processos ligados a políticos, hoje concentrados nos tribunais de Comodoro Py, em Buenos Aires, considerados pelos kirchneristas como parciais em favor de apoiadores de Macri. “Não há imparcialidade em Comodoro Py. Levar causas contra kirchneristas para lá é sinalizar sua condenação”, diz o ex-juiz da Suprema Corte Eugenio Zaffaroni.

A nova lei também criaria novas cortes regionais, para tentar acelerar a análise dos casos e evitar que prescrevam. Esse ponto é muito criticado pela oposição por obrigar a criação, em tempos de crise econômica, de mais de 3.000 postos de trabalho no Judiciário.

“Não há outra intenção nesta reforma que a de, no fim das contas, livrar a ex-presidente Cristina Kirchner de seus processos. Sua agenda neste governo é pessoal”, diz a líder da oposição, Patricia Bullrich.

O jurista Daniel Sabsay concorda, afirmando que “não há dúvida de que a reforma não tem intenção de tornar o Judiciário mais independente”.

Em entrevista ao jornal britânico Financial Times, em uma rara declaração sobre a reforma, Losardo afirmou que “não há sequer um artigo na nova lei que garanta impunidade a ninguém”.

Nas mais recentes manifestações antigoverno, um dos principais gritos de guerra era o de “Cristina ladra”, e a reivindicação geral era a de impedi-la de interferir no Judiciário.

Segundo pesquisa do instituto Synopsis, 60% dos argentinos afirmam que a reforma judicial daria mais poder ao Executivo dentro do Judiciário, enquanto apenas 5% dizem acreditar que se tratae de uma mudança urgente.

Fernández também pisa em ovos na escolha de um nome para substituir Losardo e diz que fará a escolha sem pressa. Ela seguirá no cargo enquanto isso. Segundo o Real Time Data, a aprovação popular da gestão do presidente ficou pela primeira vez abaixo dos 40% —está em 38%.

Em seu ponto alto, em abril de 2020, quando a gestão da pandemia apresentava boa performance, o presidente tinha 74% de aprovação. A queda está relacionada à piora do desempenho macroeconômico e ao aumento de casos de Covid-19, mesmo após uma quarentena tão dura como a aplicada nos primeiros seis meses da crise sanitária.

Para Fernández, a oposição tem uma agenda específica: criar uma divisão entre ele e sua vice. Em entrevista a veículos locais, na semana passada, afirmou: “Há muita gente que quer que eu e Cristina briguemos. E se sentem atormentados por saber que eu e Cristina temos uma visão comum sobre o que está acontecendo na Justiça. A diferença é que ela está enfrentando processos, e eu não. Mas o diagnóstico que nós temos sobre a atuação da Justiça é o mesmo”.

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