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Serviços secretos de Moçambique falharam em antecipar ataque contra Palma

Militares veem lados positivos por salvarem 1.313 pessoas e evitarem que jihadistas fizessem reféns estrangeiros

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António Rodrigues
Público

Os insurgentes que juraram fidelidade ao Estado Islâmico e lutam pela implementação de um governo religioso baseado na sharia, a lei islâmica, no norte de Moçambique, já haviam atacado várias sedes de distrito da província de Cabo Delgado no ano passado.

Mocímboa da Praia por duas vezes –e ainda hoje sob controle dos jihadistas. Em todas elas houve um denominador comum: os administradores distritais escaparam antes, avisados pelos serviços secretos moçambicanos (Sise).

Em Palma, no ataque da última quarta-feira (24), o administrador Agostinho Ntauali foi um dos que buscou refúgio no Hotel Amarula, situado nos arredores da vila, e se viu cercado pelos jihadistas. Desta vez, os serviços secretos não lançaram nenhum alerta de ataque iminente.

Pessoas aguardam, em Pemba, pela possível chegada de suas famílias evacuadas da costa de Afungi e Palma - Alfredo Zuniga - 30.mar.2021/AFP

O Centro para Democracia e Desenvolvimento moçambicano afirmou nesta terça (30), no seu boletim, que a empresa privada de segurança sul-africana DAG (Dyck Advisory Group), cujo contrato com o Ministério do Interior para ajudar a polícia expira no dia 6 de abril, chegou a alertar para a iminência de um ataque, mas os avisos foram desconsiderados.

Assim, os insurgentes, em grande número, bem coordenados e equipados com armas modernas, que conseguiram fazer entrar na vila sem que ninguém fizesse soar o alarme, quase conseguiram os seus objetivos. Quase, porque se é certo que destruíram, mataram, puseram a população em fuga e fragilizaram ainda mais a imagem do governo moçambicano, no dia em que a petrolífera Total anunciava o reinício da atividade no seu projeto de gás natural liquefeito, depois das garantias de seguranças dadas pelo governo de Filipe Nyusi os militares conseguiram evitar que estrangeiros virassem reféns.

Não houve troféus estrangeiros para o denominado al-Shabaab moçambicano –e os sete estrangeiros que foram mortos (seis dos quais sul-africanos) só o foram, diz uma fonte próxima do Ministério da Defesa, porque entraram em pânico e resolveram abandonar o hotel contra o conselho dos militares que lhes disseram para aguardar, tendo os seus veículos sido emboscados.

Ntauali, o administrador, junto com 130 outras pessoas (um deles, um português que acabou por ser ferido numa perna por um tiro e que estará na África do Sul a receber tratamento) que estavam no Hotel Amarula, foi levado pelos soldados pela praia até Afungi, zona onde estão a ser construídas as instalações do Mozambique LNG, da Total. Ao todo, os militares conseguiram levar em barco até Pemba 1.313 pessoas que fugiram da vila.

Pemba é agora uma vila sem gente. O Exército, para mostrar que voltou a controlá-la, levou equipes de televisão de helicóptero até Palma. Do ar, ainda se vê a fumaça de edifícios incendiados pelos jihadistas, que aplicam normalmente uma política de destruição de infra-estruturas públicas e, até onde se pode ver, desde o céu, as ruas parecem desertas.

Como explica ao Público o jornalista e investigador Joseph Hanlon, é preciso ter cuidado quando se escreve a palavra “controle”, porque como se percebe pelos ataques dos insurgentes a outras capitais de distrito no passado, “eles não tentam manter as cidades depois do primeiro ataque".

"Destroem o máximo que podem e matam funcionários públicos e outros e, depois, quando começam a ficar sob pressão, voltam lentamente para o mato [ou floresta, neste caso].”

Algum tempo depois, os soldados e a polícia voltam à vila destruída, “mas não a retomam –porque terá sido abandonada”. Prática habitual de guerrilha, conclui Hanlon, profundo conhecedor de um país que cobre e estuda há três décadas.

Falta de controle

A pequena consolação dos militares não esconde uma situação que mostra as debilidades do combate contra a insurgência e afeta a imagem que o governo moçambicano pretendia transmitir: a de estar no caminho certo para debilitar os jihadistas e garantir a segurança dos projetos de exploração de gás natural na bacia do Rovuma.

Um ataque com esse grau de coordenação, com armas modernas e combatentes de moral elevada, pelo menos a julgar pelo vídeo da preparação do ataque divulgado pela agência de notícias Amaq, ligada ao Estado Islâmico, é um sinal de que os insurgentes estão mais sofisticados, ganharam treino, logística e parecem muito longe do enfraquecimento que se poderia imaginar da sua luta contra polícias, militares e mercenários estrangeiros.

Tem faltado coordenação às forças do governo, “quem está nas reuniões não está no teatro de operações”, refere ao Público uma fonte moçambicana.

O site noticioso Carta de Moçambique afirmou nesta terça que uma das razões para a vila de Palma, apesar de estratégica por estar dentro do perímetro da zona de segurança especial do projeto de gás natural da Total, o Mozambique LNG, ter sido tão facilmente conquistada pelos insurgentes está relacionado ao fato de ter menos homens do que o habitual.

Segundo fontes militares não identificadas, homens das Forças de Defesa e Segurança teriam sido enviados dias antes do ataque para o distrito de Montepuez, a mais de 400 km a sudoeste de Palma, no interior da província de Cabo Delgado, de modo a reforçar a segurança do presidente Filipe Nyusi que aí encerrou o curso de instrução básica de prestadores de serviço público em Moçambique no dia 23, um dia antes do sucedido em Palma.

Calcula-se que estivessem 60 mil pessoas em Palma, muitas das quais fugiram para a Tanzânia ou para Nangade, município a Norte de Mueda, junto à fronteira. A Pemba terão chegado umas dezenas de milhar, refere ao Público Carlos Almeida, coordenador em Moçambique da ONG portuguesa Helpo, que há 12 anos tem presença em Cabo Delgado.

Mas ainda é cedo para saber quantos chegaram para engrossar o já elevado número de deslocados recebidos na capital provincial desde o início do conflito, em outubro de 2017.

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