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Tribunal português considera lei da eutanásia inconstitucional, mas deixa margem para rever decisão

Bastante restritiva, legislação havia sido aprovada no Parlamento em janeiro

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Lisboa

A lei da eutanásia, aprovada pelo Parlamento em 29 de janeiro, foi considerada inconstitucional pela mais alta corte do sistema judicial português, o Tribunal Constitucional (TC).

A decisão impede que a lei seja sancionada e entre em vigor no país, mas não representa o fim da linha para a implementação da morte assistida.

Isso acontece porque, no entendimento da maioria dos magistrados, o ponto problemático da lei não é a interrupção da vida em si, mas a definição pouco clara sobre os critérios em que ela seria permitida.

Portugueses se manifestam contra a legalização da eutanásia, após Parlamento aprovar projetos de lei que tratavam do tema
Portugueses se manifestam contra a legalização da eutanásia, após Parlamento aprovar projetos de lei que tratavam do tema - Patricia de Melo Moreira - 20.fev.20/AFP

Ao anunciar a decisão, o presidente do TC, João Caupers, salientou que a questão pode ser resolvida na Assembleia da República, desde que os legisladores estabeleçam regras “claras, precisas, antecipáveis e controláveis” para a realização da eutanásia.

A análise prévia da constitucionalidade da lei foi requisitada pelo presidente Marcelo Rebelo de Sousa. Ex-professor de direito constitucional, o chefe de Estado, um católico praticante, tomou o cuidado de pedir que a corte se pronunciasse apenas sobre o caráter "excessivamente indeterminado" das regras que garantiriam o acesso à interrupção voluntária da vida.

A decisão dos magistrados de irem além, pronunciando-se sobre o ponto central da legislação mesmo sem terem sido questionados, foi percebida como um sinal de abertura à implementação da eutanásia.

“O direito à vida não pode se transfigurar num dever de viver em qualquer circunstância”, afirmam.

Embora majoritário, o entendimento do TC não foi unânime. O placar foi de 7 a 5 para a inconstitucionalidade da lei. Entre os 12 magistrados da corte, 4 consideraram que a eutanásia viola o direito constitucional à vida. Já os outros três defendem que inconstitucional é a forma vaga como as condições de acesso ao procedimento são descritas na lei.

O atual entendimento dominante no Tribunal Constitucional, no entanto, pode vir a mudar no futuro. Os juízes da corte têm mandatos com duração de nove anos. Ainda em 2021 quatro juízes deixam seus cargos: três em julho e um em outubro. Atualmente, ainda há uma vaga aberta por preencher.

Uma das responsáveis pela redação da lei, a deputada socialista Isabel Moreira, que é jurista especializada em direito constitucional, afirmou que um novo texto será elaborado levando em consideração o que foi apontado pelo tribunal.

“Foi muito positivo o fato de o acórdão ter se pronunciado sobre outras questões, e ficou claro que não há incompatibilidade entre esta lei e o princípio da inviolabilidade da vida humana”, afirmou.

Os deputados, porém, não têm data para apresentar uma nova versão para a lei da eutanásia.

Para alguns especialistas, o fato de o tribunal ter pedido critérios ainda mais explícitos sobre o acesso à morte assistida pode significar um texto final tão restritivo que, na prática, abrangeria poucas situações.

Na avaliação da professora de direito constitucional Luísa Neto, da Universidade do Porto, o texto da eutanásia só passará no Tribunal Constitucional se estiver limitado a casos em que haja uma doença incurável e fatal. “Isso limita muito as situações em que a morte assistida é admissível, mas julgo que de outra forma a lei não passará”, afirmou, em entrevista ao jornal Público.

A opção por critérios mais fechados e mais descritivos sobre os tipos de situação que garantem a “lesão definitiva” ou o grau de sofrimento que permitiria pedir a eutanásia foi o caminho adotado pela legislação na Espanha, em vias de ser aprovada. Em Portugal, os deputados não descartam seguir uma orientação semelhante, embora afirmem ser prematuro fazer qualquer afirmação sobre o novo texto.

Mesmo em sua versão atual, a lei aprovada já era considerada restritiva. Somente pessoas maiores de 18 anos, portugueses ou estrangeiros com residência legal em Portugal, poderiam pedir a eutanásia.

A morte assistida só seria autorizada para pacientes “em situação de sofrimento intolerável”, com lesão definitiva grave ou doença incurável e fatal. Doenças mentais não eram elegíveis. Além de reiterarem várias vezes ao longo do processo o desejo pela interrupção da vida, os pacientes também precisariam ter seus pedidos avaliados por ao menos dois médicos, incluindo um especialista na doença que justifique o pedido de eutanásia. O caso seria ainda avaliado por um comitê especial de bioética.

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