Único ex-presidente a reconquistar a Casa Branca oferece lições a Trump, diz biógrafo

Grover Cleveland conseguiu retornar 4 anos após derrota, no final do século 19

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São Paulo

Joe Biden é ao mesmo tempo o presidente dos EUA de número 46 e a 45ª pessoa a ser presidente dos EUA.

O responsável pelo paradoxo é Grover Cleveland, o único a ter sido presidente em dois períodos de quatro anos não consecutivos (1885-89 e 1893-97).

Grover Cleveland, ex-presidente dos Estados Unidos no final do século 19 - Reprodução

Por isso, ele é considerado oficialmente o 22º e o 24º presidentes, condição que nenhum outro ocupante da Casa Branca tem, já que os reeleitos para mandatos subsequentes mantêm o mesmo número.

Daqui a quatro anos, esse obscuro líder do final do século 19 poderá ganhar companhia, caso o plano de Donald Trump para retornar na eleição de 2024, que ele parece já ter deflagrado, funcione. Nessa hipótese, Trump será considerado o 45º e o 47º presidentes.

Na história americana, há diversos casos de ex-presidentes bem mais relevantes que Cleveland que tentaram voltar à Casa Branca sem sucesso, de Ulysses Grant, herói da Guerra Civil, a Teddy Roosevelt, um dos mais populares a já ocuparem o cargo.

Mas Cleveland foi o único a conseguir porque, segundo seu biógrafo Matthew Algeo, seguiu duas regras fundamentais da política, que parecem estar sendo cumpridas à risca por Trump: não abandonar o debate público e manter rédea curta sobre seu partido.

“Trump está disposto a seguir o mesmo modelo que Cleveland estabeleceu, de manter-se politicamente ativo após deixar o poder. Vários presidentes, depois que saem do cargo, vão jogar golfe e dar palestras para ganhar muito dinheiro. Não se envolvem muito com política”, disse Algeo à Folha.

Ele é autor da biografia “The President Is a Sick Man” –o título faz referência a um episódio famoso da Presidência de Cleveland, em que ele montou uma operação sigilosa para encobrir um câncer.

Em suas primeiras semanas após perder para Biden, Trump deu sinais de que não permitirá o surgimento de concorrentes no Partido Republicano e na direita americana. Sua reestreia na política ocorreu no encerramento da Cpac, conferência conservadora realizada no final de fevereiro, quando deu uma forte indicação de que tentará voltar em 2024.

“Eles [democratas] perderam a Casa Branca em novembro. E quem sabe, quem sabe, posso decidir derrotá-los pela terceira vez”, disse, fazendo referência a supostas fraudes ocorridas na eleição.
Trump também abriu fogo contra um dos principais caciques republicanos, o líder do partido no Senado, Mitch McConnell, hoje seu desafeto.

“Para ser eleito novamente, é importante manter controle sobre o partido. Isso é o que Trump está tentando fazer, e é o que Cleveland fez”, afirma Algeo.

A Constituição americana autoriza que uma mesma pessoa seja eleita duas vezes para presidente, não importa se consecutivamente ou não. Ou seja, caso Trump vença daqui a quatro anos, não poderá tentar se reeleger.

Essa regra passou a valer após uma emenda aprovada em 1951. Antes, o número de eleições era liberado, mas o único a vencer mais de duas vezes foi Franklin Roosevelt, que triunfou em quatro ocasiões, entre 1932 e 1944.

Na época de Cleveland, o Twitter eram os inúmeros jornais que proliferavam pelos centros urbanos do país e eram extremamente polarizados, como as redes sociais de hoje.

“Cleveland cultivou relações com donos de jornais, que deram a ele o espaço que queria para comentar os eventos do dia, fazer declarações. Não era comum ex-presidentes falarem dos assuntos do momento, e assim ele sinalizou que voltaria em quatro anos”, afirma o biógrafo.

Seu alvo era o governo do presidente que o derrotou em 1888 e que quatro anos depois levaria o troco, o republicano Benjamin Harrison.

O grande tema da época, como em muitas eleições antes ou depois, era a economia. O democrata Cleveland era defensor de um Estado enxuto, enquanto o republicano Harrison era mais intervencionista. Curiosamente, os dois partidos trocaram de posição ideológica durante o século 20.

“Por isso, muitos republicanos hoje consideram Cleveland, que era democrata, um grande presidente”, diz o jornalista.

A defesa de um papel reduzido do Estado na economia é apenas uma das semelhanças entre Cleveland e Trump, segundo o biógrafo. Ambos podem ser definidos como conservadores com base política no estado de Nova York, que já era considerado progressista no final do século 19.

Os dois também tiveram primeiras-damas bem mais novas. No caso de Cleveland, a diferença de idade para sua mulher, Frances, era ainda maior do que a de Trump para Melania (28 anos contra 24).

“Frances era filha de um amigo dele que morreu. A primeira-dama teve um papel muito importante para a imagem do presidente. Os dois se casaram na Casa Branca e tiveram um filho logo depois do primeiro mandato. Isso o ajudou a mantê-lo em evidência na imprensa e o ajudou a voltar depois”, afirma Algeo.

Uma anedota de difícil comprovação, mas muito repetida por historiadores, diz que quando o casal deixou a Casa Branca pela primeira vez, ela teria pedido aos funcionários da residência que cuidassem bem de tudo, porque em quatro anos estariam de volta.

Outro ponto de contato com Trump são as fake news. Cleveland tinha reputação de honesto, mas ficou marcado por uma mentira descoberta anos depois, objeto do título do livro de Algeo.

Para não perder mais popularidade em meio à deterioração da economia em seu segundo mandato, ele fez uma operação para retirar um tumor no céu da boca dentro de um navio, para afugentar curiosos. A versão divulgada foi que era uma simples extração dentária.

Há também diferenças importantes entre os dois. A primeira é que Cleveland, apesar das críticas ao sucessor, passava longe da verborragia de Trump. “Ele nunca atacou Harrisson pessoalmente, os dois tinham uma boa relação”, diz o biógrafo.

Mas a mais importante, para o estudioso, é que Cleveland venceu no voto popular as três eleições presidenciais que disputou, incluindo a que perdeu para Harrison no Colégio Eleitoral. “Já Trump não venceu nenhuma”, diz o autor, lembrando que Hillary Clinton teve mais votos do que o republicano na eleição de 2016.

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