Vistos como minoria modelo, asiáticos-americanos sofrem ameaças e ataques nos EUA

Relatório aponta 3.795 denúncias em um ano; chineses são os mais atingidos

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Washington

Dan Wu convive há tempos com o que chama de pequenas agressões e atos diários de racismo.

Nos EUA desde que tinha oito anos, o imigrante chinês —hoje com 46— diz que é vítima de piadas e questionamentos sobre sua origem com certa frequência, em uma alegoria do preconceito enraizado no país. Crianças zombam dele, adultos perguntam como um “japa” consegue falar inglês, se existem mais pessoas com seu sobrenome, e assim por diante. Até agora, os ataques foram sempre verbais.

Dono de um restaurante de lamen no Kentucky, Wu afirma que os asiáticos-americanos são considerados uma espécie de minoria modelo, porque não costumam se rebelar. Estão escorados em uma sensação de segurança e aceitação ilusória, explica, rapidamente dissipada quando acontece uma tragédia.

Dan Wu, 46, imigrante chinês, morador de Lexington, no Kentucky, é dono de restaurante e ativista
Dan Wu, 46, imigrante chinês, morador de Lexington, no Kentucky, é dono de restaurante e ativista - Arquivo pessoal

"Vários estereótipos sobre asiáticos-americanos são positivos: devemos ser inteligentes, bons em matemática, música, comida, mas não podemos ser engraçados, criativos, atléticos ou pensadores políticos", afirma Wu. "São aspectos conferidos a nós pelo sistema racista em que vivemos e que fez um trabalho eficaz em nos manter separados dos negros. Somos tratados diferente, nos foi dada essa 'branquitude condicional' para que muitos de nós possamos tocar nossos negócios até a hora em que não podemos mais, pois somos atacados."

Os atentados há pouco mais de dez dias a três casas de massagem em Atlanta, no estado da Geórgia, chamaram a atenção para a recorrência dos crimes de ódio contra asiáticos-americanos no país. Das oito pessoas mortas, seis eram mulheres de origem asiática, os principais alvos de milhares de ataques discriminatórios que têm acontecido contra essa população desde o início da pandemia.

O Stop AAPI Hate, centro criado para registrar violência contra asiáticos-americanos, recebeu 3.795 denúncias de março de 2020 a fevereiro deste ano —503 somente nos últimos dois meses.

Em relatório, a entidade mostra que mulheres reportam 2,3 vezes mais ataques verbais ou físicos do que homens e que os chineses são os mais atingidos pelas agressões: 42,2% das ofensas são dirigidas a eles. Depois, estão coreanos (14,8%), vietnamitas (8,5%), filipinos (7,9%), japoneses (6,9%), e outros.

Após o episódio em Atlanta, Wu intensificou seu ativismo, que antes era dividido entre causas LGBTQ, sustentabilidade e violência doméstica. Agora que os crimes de ódio contra asiáticos estão sob holofote, diz, seu principal objetivo é formar uma coalizão mais ampla, que englobe outras minorias para lutar pelo fim do racismo nos EUA.

"Em qualquer processo, você tem que reconhecer que tem um problema antes de resolvê-lo. Se ficar em negação sobre a ideia de supremacia branca e racismo sistêmico neste país, você não vai resolver nada."

Wu considera o atentado em Atlanta o mais forte contra a população asiático-americana dos últimos anos. Segundo a polícia, o suspeito pelo crime não alega motivação racista, mas o imigrante chinês diz que é preciso chamar as coisas pelo nome. "Ele [assassino] é parte de um quadro maior de supremacia branca, racismo, sexismo, anti-imigrante. Ele escolheu como alvo propriedades de asiáticos. Não importa o que ele diga, são assassinatos motivados por raça e gênero."

.Protesto em Washington após massacre na Geórgia pede fim do ódio contra asiáticos
Protesto em Washington após massacre na Geórgia pede fim do ódio contra asiáticos - Shuran Huang - 17.mar.21/The New York Times

Para Wu, a Covid-19 e o discurso de ódio contra a China promovido pelo ex-presidente Donald Trump alimentaram as mais recentes agressões, mas não as explicam completamente.

"A história americana é enraizada na exploração e na violência contra pessoas não brancas", diz ele. "Não acho que Trump foi a causa, acho que ele é o megafone e o interruptor de luz. O ódio e o racismo sempre estiveram lá, Trump não os criou, mas os amplificou, os normalizou, acendeu as luzes."

Trump culpou a China pela pandemia, apelidou o coronavírus de "vírus chinês" e intensificou a retórica anti-Pequim —esta também abraçada por Joe Biden. "Há essa confusão entre a China, país estrangeiro com quem os EUA têm rivalidade política e econômica, e pessoas que vivem nos EUA e se parecem comigo, não importa de onde elas sejam", afirma Wu.

"Todo asiático-americano que conheço é chamado de forma errada aqui. Você é chinês e alguém te chama de 'japa'. Aos olhos deles [americanos], somos todos o mesmo amontoado de gente."

Esse tipo de xingamento ou assédio verbal representa 68,1% das denúncias de agressão contra asiáticos-americanos nos EUA, ainda de acordo com o Stop AAPI Hate. Outros 20,5% dizem que são ignorados de forma deliberada, 11,1% afirmam ter sofrido agressão física e 4,5% dizem que são discriminados no trabalho. Os maus-tratos acontecem, principalmente, em lojas e locais de serviços (35,4%), nas ruas (25,3%) e online (10,8%). Os números, no entanto, representam apenas uma fração das ocorrências, já que muitas das vítimas não reportam os crimes.

Homenagens foram colocadas em frente a local de ataque em Atlanta, na Geórgia - Shannon Stapleton/Reuters

Além disso, dizem especialistas, comprovar motivação racista pode ser particularmente difícil em ataques contra asiáticos, pois não existe um símbolo específico ou um protótipo fácil de reconhecer contra eles.

Mesmo Wu admite que, muitas vezes, não reporta as agressões que sofre. Como dono de restaurante, diz que trabalha no limite da dinâmica com o cliente e se reconhece como privilegiado em comparação a imigrantes que vêm da Ásia já adultos, sem saber falar inglês e, muitas vezes, sem documento.

"Há um mundo de diferenças entre essas pessoas e eu, um homem chinês-americano, que veio para os EUA quando criança, fala inglês perfeitamente e é fruto de uma família de classe média intelectual."

Wu nasceu na cidade chinesa de Wuxi e morou em Xangai e Pequim antes de se mudar para os EUA. Acompanhou o pai, que conseguiu um trabalho como pesquisador na Universidade de Kentucky. Depois de passagens por Nova York, Califórnia e pelo reality show de culinária MasterChef —Wu foi eliminado ao falhar na receita de um bolo red velvet—, abriu seu próprio restaurante em Kentucky, o Atomic Ramen.

As agressões sofridas por ele e tantos outros têm se espalhado pelos 50 estados americanos e a capital Washington no último ano. Wu lamenta o cenário sombrio, mas diz que mudanças efetivas só vão acontecer se o mito da minoria modelo acabar.

"Temos que assumir o controle da nossa narrativa, devemos ser capazes de dizer que asiáticos não são um monolito, eles têm culturas e valores diversos. Nem todos pensamos da mesma maneira, temos a mesma religião ou os mesmos sucessos. Temos que entender isso e rejeitar os rótulos que nos dão."

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