Biden intensifica esforços federais para combater extremismo dentro dos EUA

Presidente aumenta fundos para prevenir ataques e analisa estratégias usadas historicamente contra terroristas estrangeiros

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Washington | The New York Times

O governo Biden está intensificando esforços para combater o extremismo doméstico, aumentando os fundos disponíveis para prevenir ataques, analisando estratégias usadas historicamente contra entidades terroristas estrangeiras e alertando a população mais abertamente para o perigo.

As tentativas de enfrentar mais assertivamente o potencial de violência de milícias e separatistas brancos representam uma mudança de rumo em relação à pressão do ex-presidente Donald Trump sobre agências federais para desviar verbas ao combate de antifascistas e grupos de esquerda, apesar da conclusão de autoridades de que a violência da extrema direita e de milícias era um perigo muito mais grave.

A abordagem do presidente Joe Biden também dá continuidade a um reconhecimento lento de que, especialmente após a rebelião de 6 de janeiro no Capitólio, o governo federal precisa dedicar mais atenção e dinheiro a investigar e combater ameaças internas aos Estados Unidos, depois de duas décadas priorizando o terrorismo vindo do exterior.

Apoiadores do ex-presidente dos EUA Donald Trump durante invasão do Congresso americano, em Washington
Apoiadores do ex-presidente dos EUA Donald Trump durante invasão do Congresso americano, em Washington - Alex Edelman - 6.jan.21/AFP

Em relatório de inteligência apresentado ao Congresso no mês passado, o governo classificou supremacistas brancos e milícias como as principais ameaças à segurança nacional.

E a Casa Branca está discutindo com parlamentares a possibilidade de uma nova legislação sobre terrorismo doméstico e ordens executivas para atualizar os critérios das listas de vigilância de terrorismo, de modo a potencialmente incluir mais extremistas nacionais.

O Departamento de Segurança Interna iniciou uma revisão do modo como lida com o extremismo doméstico. Neste ano, pela primeira vez, ele designou o extremismo doméstico uma “área de prioridade nacional”, exigindo que 7,5% dos bilhões em fundos de doações sejam gastos para combatê-lo.

Biden reforçou uma equipe do Conselho de Segurança Nacional que enfoca o extremismo doméstico e que fora enfraquecida nos últimos quatro anos, indicando funcionários do Departamento de Justiça, do FBI e do Centro Nacional de Contraterrorismo para trabalhar com ela.

O secretário de Justiça, Merrick Garland, que ajudou a investigar o atentado de Oklahoma City, em 1995, disse que o Departamento de Justiça também vai priorizar o extremismo doméstico. Agentes do FBI trabalham sobre casos de extremismo doméstico há anos, mas a atenção renovada vinda dos mais altos escalões do governo representa uma mudança importante de foco, especialmente no momento em que a administração estuda se as táticas e os recursos atuais são suficientes para impedir ataques futuros.

A decisão de confrontar o problema mais diretamente forma um contraste com as abordagens das administrações Trump e Obama. Em 2009, a administração Obama rescindiu uma avaliação de inteligência depois de ela mencionar que veteranos de guerra poderiam ser vulneráveis a recrutamento por grupos extremistas domésticos, provocando reações políticas negativas.

Agora, líderes de segurança nacional vêm se reunindo com representantes do Departamento de Assuntos de Veteranos, além dos departamentos de Educação e de Saúde e Serviços Humanos, para lidar diretamente com o problema, revelam funcionários da administração.

A ênfase dada ao assunto pelo governo Biden é vista como positiva por muitos atuais e antigos funcionários governamentais, para os quais esses esforços foram atrofiados sob a administração Trump.

Em setembro, Brian Murphy, ex-chefe da seção de inteligência do Departamento de Segurança Interna, registrou uma denúncia contra a liderança do departamento, acusando-a de ordenar a modificação de avaliações de inteligência de modo a fazer o perigo da supremacia branca “parecer menos grave” e incluir informação sobre grupos de esquerda, para alinhar-se com as mensagens de Trump. A liderança de Segurança Interna sob o governo Trump rejeitou as acusações.

A administração Obama também tratou a questão com cuidado devido a preocupações políticas. Antes de anunciar sua candidatura presidencial, em 2019, Biden perguntou a Janet Napolitano, que foi secretária de Segurança Interna no início da gestão Obama, sobre a decisão tomada em 2009 de rescindir um relatório que avisara que militares veteranos dos EUA eram vulneráveis a ser recrutados por grupos extremistas.

“Você foi presciente quando falou que extremismo e violência de direita é motivada por supremacistas brancos na América”, disse ele a Napolitano durante evento na Biblioteca Pública de Nova York.

A deputada democrata Elissa Slotkin, de Michigan, vem tendo discussões com funcionários da Casa Branca sobre a indicação de um “czar” do terrorismo doméstico na Diretoria de Segurança Nacional.

Ela também discutiu uma potencial ordem executiva que atualizará como o governo federal acrescenta indivíduos suspeitos de atividade terrorista a listas usadas para fazer a triagem de pessoas que querem entrar no país ou viajar de avião. Segundo Slotkin, essas listas de vigilância são mais conhecidas por serem usadas contra terroristas estrangeiros. “Acho que não temos uma boa ideia de como pensar o extremismo doméstico e esses bancos de dados”, disse.

Durante uma audiência do Comitê de Segurança Interna da Câmara, no mês passado, o deputado republicano Michael McCaul, do Texas, destacou que os EUA não possuem um estatuto que autorize promotores a indiciar e investigar extremistas nacionais com as mesmas ferramentas empregadas contra suspeitos de terrorismo de outros países.

A plataforma de campanha de Biden disse que ele procuraria criar uma lei dessa natureza, “que respeite a livre expressão e as liberdades civis, mas ao mesmo tempo assuma o mesmo compromisso de combater o terrorismo doméstico que temos de frear o terrorismo internacional”.

Questionada sobre a posição atual do presidente sobre o estatuto, Jen Psaki, a secretária de imprensa da Casa Branca, apontou para uma revisão que Biden instruiu o governo federal a realizar sobre o extremismo, “porque há um impacto e perigo tão amplo em todo o país”.

A ausência de uma lei não impede o FBI de investigar esses riscos, mas promotores são obrigados a recorrer a uma colcha de retalhos de outras acusações no caso do extremismo doméstico, incluindo o ataque ao Capitólio. O Departamento de Justiça apresentou queixas criminais contra mais de 300 pessoas por sua participação no ataque ao Capitólio. As acusações são diversas e incluem agressão a policiais, entrada ilegal no prédio do Capitólio e conspirar para interferir no processo de certificação eleitoral.

Os líderes da milícia Oath Keepers e do grupo de extrema direita Proud Boys estão entre os alvos mais destacados da investigação ampla.

Críticos de um possível estatuto do terrorismo doméstico dizem que esse instrumento poderia ampliar demais os poderes de vigilância do governo e poderia ser usado contra comunidades minoritários.

Uma carta assinada pelas deputadas Rashida Tlaib, de Michigan, Alexandra Ocasio-Cortez, de Nova York, e oito outros democratas diz que a falha de inteligência em torno da invasão do Capitólio refletiu uma relutância por parte da polícia em reprimir grupos nacionalistas brancos, não uma falta de ferramentas do governo para monitorar esses grupos.

Um funcionário da Segurança Interna que participou da revisão feita pelo departamento de como lidar com o terrorismo doméstico disse que o órgão não precisa de novas leis, mas deve, em vez disso, empregar as ferramentas usadas há muito tempo contra o terrorismo internacional.

Uma estratégia consiste em analisar dados federais sobre viagens para rastrear os padrões de deslocamento de possíveis milicianos e extremistas, disse o funcionário, especialmente na medida em que os grupos americanos vêm cada vez mais formando vínculos com a Europa. Os membros desses grupos poderiam então ser acrescentados às listas de pessoas impedidas de fazer viagens aéreas.

A revisão do departamento enfoca não apenas atos claros de terrorismo, mas também as pessoas levadas a lançar ataques por um misto de problemas de saúde mental, queixas e ideologias que eles consideram que justificam a violência. O Departamento de Segurança Interna também quer cooperar mais estreitamente com empresas privadas de mídia social como Facebook e Twitter para identificar indicações de potencial violência. O departamento foi fortemente criticado por não ter lançado um alerta antes de 6 de janeiro, apesar da abundância de posts em redes sociais dizendo que grupos armados pretendiam viajar a Washington para protestar contra os resultados da eleição de 2020.

Neste ano, o Departamento de Segurança Interna reservou US$ 77 milhões para governos estaduais e locais treinarem policiais e melhorarem a partilha interestadual de inteligência.

Em separado, o departamento dobrou o número de doações a organizações que desenvolvem projetos de pesquisa de estratégias de prevenção, incluindo o “afastamento” de pessoas vulneráveis a ser radicalizadas. A alocação de US$ 20 milhões, que ainda não foi concedida, ocorre depois de a administração Trump ter esvaziado os repasses, antes de restaurar US$ 10 milhões no último ano do mandato de Trump. Mas aumentar as verbas e reconhecer a existência do problema são primeiros passos, nada mais. A tarefa de identificar pessoas ligadas ao extremismo doméstico e ajudá-las a distanciar-se da violência ainda é grande e difícil.

Desde o ataque ao Capitólio os esforços de combate ao extremismo estão atolados em dificuldades políticas e questões relativas à Primeira Emenda constitucional. Intervenções que visem modificar posições políticas ou que pareçam alinhadas com democratas podem não conseguir atrair a participação de extremistas de direita, disseram especialistas.

Um programa em Nova York que recentemente recebeu uma doação federal de mais de US$ 740 mil vai procurar impedir pessoas de cometer violência politicamente motivada, sem tentar modificar suas ideias.

Richard Aborn, o presidente da organização sem fins lucrativos que comanda o programa, disse que o programa aceitará participantes encaminhados pela polícia, incluindo pessoas já acusadas de crimes.

As pessoas que se qualificam depois de passar por uma avaliação psicológica farão terapia individual por vários meses. O sucesso do programa será medido pelas mudanças no estado emocional do indivíduo.

Aborn prevê que os participantes incluam supremacistas brancos, jihadistas e pessoas que ameaçam cometer massacres.

Tradução de Clara Allain

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