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Com alta de casos de Covid-19, Índia vê hospitais de Mumbai à beira do colapso

Segunda cidade mais populosa do país é responsável por mais da metade das novas infecções

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Samaan Lateef
Nova Déli

Com o sol se pondo em Mumbai, policiais ordenam que moradores desocupem espaços públicos e voltem para casa. Os habitantes da segunda cidade mais populosa da Índia, porém, resistem ao toque de recolher, visto como o prelúdio de um segundo lockdown, apesar da alta alarmante das infecções.

Apenas nesta quarta-feira (7), o país registrou 126.789 novos casos de coronavírus —só os EUA já tiveram um número maior de contaminados em um dia, 300.295, em 2 de janeiro—, o que levou as autoridades indianas a impor novamente confinamentos e toques de recolher em vários estados.

Especialistas em saúde pública dizem que o aumento de casos foi provocado, ao menos em parte, pela falta de cumprimento das regras de isolamento social. “A pouca adesão ao protocolo e aos comportamentos corretos é o maior motivo do aumento das infecções por Covid. As pessoas pensavam que a pandemia tinha ficado para trás e não estão seguindo as diretrizes”, diz Shashank Joshi, médico e membro da força-tarefa de combate à crise sanitária no estado de Maharashtra, onde fica Mumbai.

Pintura em muro de Mumbai reforça orientações de higiene para proteção contra o coronavírus - Francis Mascarenhas - 6.abr.21/Reuters

Capital financeira da Índia, a cidade tem quase 19 milhões de habitantes, e a ideia de um segundo lockdown assusta a população —muitos moradores perderam seus empregos e viram suas empresas fecharem na primeira onda do coronavírus.

Junaid Wani, 39, lembra-se bem da noite de 23 de março de 2020, quando as autoridades de Mumbai o mandaram encerrar uma cerimônia que ele havia organizado. Ele dirige uma empresa de promoção de eventos que trabalha principalmente para Bollywood, a indústria de cinema indiana, e em partidas internacionais de críquete —um dos esportes mais populares do país.

A companhia fazia ao menos 300 eventos por ano, afirma ele, mas, devido ao lockdown contra a Covid, Wani diz que agora só pôde promover dez eventos, e sem público. “Os pobres não terão o que comer, e não sabemos quanto tempo este confinamento vai durar”, conta. Assustado com o número cada vez maior de casos, Wani deixou Mumbai, responsável por mais de metade das novas contaminações por coronavírus no país, para viver com seus pais na Caxemira, onde novas infecções são relativamente raras —a média móvel de casos nos últimos sete dias na região é de 552, muito abaixo dos 51.469 de Maharashtra.

Com o crescimento da segunda onda da Covid-19 no país, hospitais estão ficando sem espaço em UTIs. Dados do programa de combate à Covid em Mumbai mostram que 78% dos leitos hospitalares na cidade estão ocupados, em um contexto de alta de casos e mortes. Vídeos em redes sociais mostram operários de fábricas na Índia sendo tratados em barracos de zinco devido à falta de leitos hospitalares.

O advogado Arjun Shinde, de Maharashtra, passou um dia inteiro percorrendo hospitais à procura de leitos para seus familiares, mas não encontrou nenhuma vaga. “Em todo lugar onde fui já havia filas de pessoas esperando por vagas. Não há leitos nem oxigênio disponíveis. Os pacientes com Covid ficam em pé do lado de fora dos hospitais, sob um calor de 40 ºC, à espera de uma vaga", conta. "Os médicos e os funcionários dos hospitais estão em pânico. O governo fracassou totalmente em sua resposta à crise.”

Diante da crise crescente, voluntários ajudam pacientes e seus familiares a buscarem vagas em hospitais.

“A segunda onda de Covid desencadeou uma crise no sistema de saúde”, diz Sandhya Fernandes, cuja entidade SOS Saviours ajuda a buscar vagas em centros médicos de Mumbai. “Ela [a segunda onda] é muito pior do que a primeira, e a gravidade da situação está sendo minimizada. Os hospitais em Mumbai estão distribuindo tíquetes para leitos a pacientes com Covid. Sei de pacientes que tiveram que esperar dois dias para receber oxigênio e acabaram morrendo.”

Fernandes conta que os estoques de medicamentos importantes estão se esgotando e que hospitais particulares chegam a cobrar US$ 3.000 (R$ 16,8 mil) por um leito. Segundo levantamento desenvolvido pelo Center for Disease Dynamics, Economics and Policy e pela Universidade Princeton, de abril de 2020, há 95 mil leitos de UTI e 1,9 milhão de leitos hospitalares em centros públicos e privados para a população indiana, de 1,36 bilhão de pessoas, o que equivale a 1,46 leito para cada mil habitantes. A Organização Mundial da Saúde (OMS) define ser necessário o mínimo de três leitos a cada mil habitantes.

“Serão necessárias parcerias público-privadas melhores para garantir atendimento médico para os pacientes com Covid e outros problemas, a custos acessíveis”, avalia Jyoti Joshi, diretor para o sul da Ásia do Center for Disease Dynamics, Economics and Policy.

O ministro da Saúde de Maharashtra, Rajesh Tope, disse que o governo está trabalhando para aumentar as vagas disponíveis nas principais regiões do estado. Com seu sistema de saúde sobrecarregado, a Índia assistiu a um aumento acentuado nas mortes por Covid, que passaram de 97 no dia 7 de março para 685 nesta quarta, um mês depois, de acordo com dados da Universidade Johns Hopkins.

Enquanto os hospitais do país estão sobrecarregados pela segunda onda da Covid, médicos e autoridades governamentais locais pedem ao primeiro-ministro Narendra Modi que amplie a vacinação a pessoas mais jovens e imponha “um lockdown contínuo por um período limitado”.

A Associação Médica Indiana (IMA) defendeu em carta a Modi que a estratégia de vacinação seja aprimorada imediatamente. “Nosso índice de vacinação é muito baixo”, diz Jayesh Lele, secretário-geral da IMA. “Com o aumento nos casos de Covid, precisamos vacinar todos os adultos com mais de 18 anos.”

No momento, o país permite apenas a vacinação de trabalhadores na linha de frente, profissionais de saúde e maiores de 45 anos. A taxa de imunização no país é de 6,7 doses a cada 100 pessoas, índice inferior ao do Brasil (12/100). Até agora, 5,8% da população recebeu uma dose do imunizante, segundo dados compilados pelo New York Times, e apenas 0,8% está completamente vacinada.

O Ministério da Saúde indiano excluiu a possibilidade de a vacinação ser estendida à população mais jovem. Secretário da pasta, Rajesh Bhushan afirmou que, em vista da oferta limitada de imunizantes, o programa foi traçado para proteger os setores mais vulneráveis da população. “O objetivo principal é reduzir as mortes e proteger o sistema de saúde envolvido no combate à pandemia.”

Bhushan diz que as próximas quatro semanas serão críticas, na medida em que os casos parecem estar se propagando mais rapidamente que da última vez. Um total de 90,2 milhões de doses já foram aplicadas na Índia até agora, incluindo 3,12 milhões na quarta-feira, segundo o site Our World in Data. O número total de casos de Covid chegou a 12,92 milhões, e o número de mortos, a 166.862.

Tope, o ministro da Saúde de Maharashtra, disse que estão começando a faltar doses de vacina em vários centros de imunização no estado e que pessoas estão sendo mandadas de volta para casa devido à escassez. A vacinação seria suspensa em vários distritos a partir desta quinta-feira (8).

Para elevar a produção mensal de vacinas para mais de 100 milhões de doses até o final de maio, o Serum Institute, maior fabricante mundial de vacinas, pediu ao governo uma ajuda de US$ 402,97 milhões (R$ 2,3 bilhões) para aumentar a capacidade de produção da vacina da AstraZeneca/Oxfrod.

Giridhar Babu, da Fundação de Saúde Pública da Índia, disse que as variantes do vírus estão mais contagiosas do que antes, embora não exista comprovação em termos de sequenciamento genômico. “Existe também a possibilidade de a imunidade dos que já tiveram a doença diminuir após a primeira infecção. Embora a proporção dos reinfectados seja mais baixa, há evidências de que os anticorpos se enfraquecem, especialmente se a primeira infecção foi assintomática.”

Tradução de Clara Allain

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