Dez almirantes da reserva são detidos na Turquia por criticar projeto do presidente Erdogan

Militares questionam plano para criar novo canal de navegação em Istambul

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Ancara | AFP

Dez almirantes da reserva foram detidos nesta segunda-feira (5) na Turquia após criticarem, ao lado de outros ex-oficiais, o projeto Canal Istambul, defendido pelo presidente Recep Tayyip Erdogan. No país, mesmo ações políticas pequenas de militares despertam recordações de golpes de Estado.

Os dez detidos integram um grupo de 104 signatários de uma carta aberta que alerta para a ameaça que poderia representar o projeto Canal Istambul para a livre circulação no estreito de Bósforo, a passagem entre os mares Negro e Mediterrâneo.

A Turquia aprovou, no mês passado, um projeto para criar um novo canal de navegação em Istambul, comparável ao do Panamá ou de Suez. No entanto, surgiu um debate sobre a manutenção da Convenção de Montreux. O acordo, de 1936, garante a livre passagem de navios civis nos estreitos de Bósforo e Dardanelos e impõe restrições aos navios de guerra dos países que não têm litoral no mar Negro.

O presidente turco, Recep Tayyip Erdogan, discursa em Ancara - Murat Cetinmuhurdar/PPO/Reuters

O governo turco alega que o canal trará benefícios a Istambul e aliviaria Bósforo, um dos trechos marítimos mais congestionados do mundo. Mais de 18 mil navios atravessaram o local em 2018, segundo as autoridades turcas. Esse é o mais ambicioso dos projetos de Erdogan na área de infraestrutura, que transformaram o país com novos aeroportos, pontes, estradas e túneis em seus 18 anos de poder.

Em uma carta, 104 almirantes da reserva expressaram preocupação com o fato de o projeto gerar debate sobre a Convenção de Montreux, que, no entender dos signatários, protege os interesses turcos.

Uma investigação judicial foi aberta contra os militares da reserva por "reunião com o objetivo de cometer um crime contra a segurança do Estado e a ordem constitucional", informou a Procuradoria.

Entre os detidos está o contra-almirante Cem Gürdeniz, considerado o pai da polêmica doutrina da "pátria azul", que prevê estabelecer a soberania turca em amplas zonas do Mediterrâneo leste.

Erdogan criticou os militares. "O dever dos almirantes na reserva não é publicar insinuações de um golpe de Estado político", disse o presidente, em discurso nesta segunda. Altos funcionários do governo turco criticaram o texto dos militares. "Há uma diferença entre expressar suas ideias e fazer uma declaração em tom de golpe de Estado", denunciou no domingo o presidente do Parlamento, Mustafa Sentop.

"Não apenas os que a assinaram, mas também os que a estimulam, vão prestar contas à Justiça", declarou Fahrettin Altun, secretário de Comunicação da Presidência turca.

Nesta segunda-feira, o ministro da Justiça, Abdulhamit Gül, insistiu na questão: "Vamos lutar contra esta mentalidade obscura. Não existe nenhum poder acima da vontade da nação". A intervenção dos militares na política é um tema muito sensível na Turquia, onde o Exército aplicou três golpes de Estado, entre 1960 e 1980, e durante muito tempo exerceu grande influência nos governos.

Depois de aprovar diversas reformas que reduziram consideravelmente o peso do Exército na política, Erdogan superou em julho de 2016 uma tentativa de golpe de Estado executada por militares e que, segundo ele, foi orquestrada pelo clérigo Fethullah Gülen, exilado nos Estados Unidos.

O projeto do canal e o possível impacto no tratado de Montreux também motivam preocupações na Rússia. "Moscou teme que os países da Otan [a aliança militar do ocidente] ou outro Estado contrário à Rússia possam direcionar navios de guerra a qualquer momento no mar Negro, o que poderia ameaçar consideravelmente a segurança nacional russa", afirmou a fundação Jamestown, um grupo de pesquisas sobre política de defesa, com sede nos Estados Unidos.

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