Equador encara disputa acirrada em 2º turno sob a sombra de Correa

Pesquisas divergem se apadrinhado por ex-presidente ou banqueiro de centro-direita será novo líder

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Buenos Aires

Os equatorianos voltam às urnas neste domingo (11) com um cenário muito diferente do apresentado no primeiro turno das eleições presidenciais, em 7 de fevereiro. Na ocasião, Andrés Arauz, economista de esquerda apadrinhado pelo ex-presidente Rafael Correa, venceu o pleito com ampla margem sobre o segundo colocado, o banqueiro de centro-direita Guillermo Lasso.

Nessa primeira rodada, com placar final de 32,72% contra 19,74%, Lasso quase ficou de fora da corrida, já que o terceiro colocado, o líder indígena Yaku Pérez, obteve 19,42%. A diferença estreita gerou acusações de fraude e pedidos do candidato derrotado para que seus eleitores votassem nulo no segundo turno.

Apoiadores do candidato à Presidência do Equador Andrés Arauz durante evento de campanha em Quito
Apoiadores do candidato à Presidência do Equador Andrés Arauz durante evento de campanha em Quito - Cristina Vega - 8.abr.21/AFP

O panorama agora mostra uma disputa cujo resultado é incerto, e as pesquisas não apontam um favorito claro. Levantamento da consultoria Clima Social, por exemplo, dá mais de dez pontos percentuais de vantagem para Arauz (55,7% a 44,3%). A agência Click Report, porém, aponta vantagem pequena de Lasso, de 51,49% a 48,51%, pouco acima da margem de erro, entre 1 e 2 pontos percentuais. E a Market, por sua vez, oferece um empate técnico, com Arauz ligeiramente à frente, 42% a 41%.

A sondagem do instituto Cedatos, entretanto, indica que a faixa de indecisos é de 28,8%, o que pode jogar a vitória para qualquer um dos lados. Quem parou de ver o filme no primeiro turno e voltou a acompanhá-lo apenas às vésperas desse segunda rodada perguntará: o que aconteceu?

"O segundo turno em geral é uma outra eleição, e, no Equador, uma disputa difícil de explicar. Yaku Pérez pediu o voto nulo, mas os números indicam que seus eleitores não o obedeceram", diz o cientista político Simon Pachano. "A maioria dos votos dele iria para Arauz, e uma parte menor, para Lasso. Também entrou na equação o apoio do [esquerdista] Xavier Hervas [quarto colocado, com 15,68%] a Lasso. O que ocorreu foi menos uma polarização entre esquerda e direita, e mais entre correísmo e não-correísmo."

Correa, presidente do Equador entre 2007 e 2017, participou ativamente da campanha no primeiro turno, mesmo vivendo na Bélgica devido a uma condenação por corrupção. Agora, porém, afastou-se, justamente para que Arauz não ficasse marcado pelo correísmo, evitando, assim, atiçar a rejeição. Para Pachano, apenas a desaprovação de Correa explica o apoio de esquerdistas a um banqueiro, porque, diz ele, a polarização em torno do ex-líder do país importa mais do que a orientação ideológica.

Outros movimentos foram notados nesses dois meses entre o primeiro e o segundo turnos. Arauz explorou mais sua vida pessoal e levou a mulher grávida ao debate com Lasso. Também reforçou sua imagem de esquerdista moderno.

"Desde meados da gestão Correa começou a surgir um movimento de renovação da esquerda que foi se popularizando, o de uma esquerda menos populista e mais tecnocrata", afirma o analista político Pedro Donoso, diretor do Icare, agência de análise de dados baseada em Quito. "Arauz é fruto desse movimento, e isso foi bastante exposto nessa fase da campanha."

Diretor-geral do Banco Central do Equador entre 2011 e 2013, além de ministro de Conhecimento e Talento Humano durante a gestão de Correa, Arauz propõe distribuir US$ 1.000 para cada equatoriano em dificuldade devido à pandemia. Também é um crítico da dívida de US$ 4 bilhões contraída pelo atual presidente do país, Lenín Moreno, com o FMI.

Ele, porém, não quer deixar de pagá-la, mas negociar a reestruturação do débito e o fim da política de ajustes implementada como contrapartida ao empréstimo.

Lasso, por sua vez, teve que desafiar o estigma de banqueiro que, segundo as pesquisas, provocam rejeição à sua imagem, sobretudo num país em que 32,4% das pessoas vivem na pobreza e 67,4% são trabalhadores informais, de acordo com o Instituto Nacional de Estatística e Censos.

Para tal, viajou à região andina do país, visitou populações indígenas usando roupas características e fez gestos à esquerda ao defender a ampliação dos direitos dos LGBT e das mulheres. Também prometeu atuação na área ambiental, uma das principais bandeiras de Yaku Pérez. Candidato à Presidência pela terceira vez, Lasso argumenta ter mais chances de atrair investidores ao país porque os conhece pessoalmente, já que foi embaixador nos EUA, executivo da Coca-Cola e acionista do banco Guayaquil.

Qualquer que seja o vencedor, o eleito enfrentará uma situação difícil. "Estou mais preocupado com o dia 12 do que com o dia 11", diz Donoso, do Icare. "Não importa o modelo político de cada um dos candidatos, porque a realidade tem tudo para devorar qualquer que seja o modelo político."

A economia equatoriana encolheu 7,8% no ano passado, e a expectativa de crescimento para este ano é de apenas 3,1%, de acordo com projeções oficiais.

Além disso, o país foi duramente afetado pela pandemia. Após uma redução dos casos no início de 2021, as infecções voltaram a subir, e Quito já está com o sistema de UTIs colapsado. As vacinas chegam de modo lento, e o país aplicou a primeira dose da vacina em apenas 1,4% da população, taxa que cai para 0,7% quando consideradas as duas doses.

Além disso, o Equador herda uma cenário social complexo, sem que nunca tenha havido um acordo de fato com o movimento indígena, responsável por intensos protestos em outubro de 2019.

"Ainda não entendemos aquele movimento e o que ele significou em termos de demanda de uma parte da população que não foi atendida. Portanto, ele pode voltar a ganhar força em algum momento e gerar mais instabilidade", diz Donoso.

O eleito neste domingo assume o cargo em 24 de maio, sucedendo Lenín Moreno, que mantém hoje baixíssima aprovação popular, de 7%, a menor da América do Sul.

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