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Escanteado por Biden, Bolsonaro usa até gravata verde para pedir dinheiro aos países ricos

Como se fosse outra pessoa, presidente até admite a ideia de que a Amazônia tem seu preço em cúpula

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São Paulo

Jair Bolsonaro apareceu no vídeo envergando uma gravata verde em seu discurso na Cúpula do Clima promovida por Joe Biden, que por sinal não estava na mesa da conferência quando o brasileiro falou.

Talvez fosse para sinalizar que encarnou um personagem contrário a tudo o que pregou como deputado federal e o que fez como titular do Planalto, desde 2019: alguém com preocupação ambiental.

Bolsonaro durante a sessão virtual da Cúpula do Clima promovida pelo americano Joe Biden
Bolsonaro durante a sessão virtual da Cúpula do Clima promovida pelo americano Joe Biden - Marcos Corrêa/Presidência da República

Nesses eventos, simbolismo é tudo, já que as falas prometendo grandes metas e que tais são discutíveis. Assim, ter sido colocado no 19º lugar na fila dos oradores diz muito sobre o momento brasileiro no mundo.

A partir da conferência Rio-92, o Brasil tornou-se uma referência óbvia quando o assunto é o ambiente e o clima. Bolsonaro destruiu isso com a verdadeira ficha corrida do seu governo em temas ambientais, e agora parece querer correr atrás do prejuízo. Assim como na mudança de orientação acerca da vacinação contra a Covid-19, um imperativo desde que viu o rival João Doria (PSDB-SP) encampar a iniciativa no fim de 2020, agora surge um novo Bolsonaro —o da gravata verde.

Obviamente, aquela tela não era o lugar para algo que não fosse previsível. Como um reflexo da nova direção do Itamaraty, sua fala elencou boas práticas e realidades do passado brasileiro no campo ambiental.

Até os biocombustíveis promovidos pelo provável adversário em 2022 Luiz Inácio Lula da Silva (PT) foram elogiados. Nada sobre a prática, como a desestruturação de órgãos de controle de desmatamento. Aliás, agora a prática será banida —até 2030, claro.

Da encarnação anterior, sobrou um discurso que é velho conhecido dos quartéis que Bolsonaro frequentou: o da ocupação da Amazônia. Vivo no pensamento militar brasileiro, o conceito de que a soberania se faz com ações estruturantes de presença física do Estado é corrente desde os anos 1930 e ganhou impulso na prática durante a ditadura, nos anos 1970.

Bolsonaro falou em um certo "paradoxo amazônico", que oporia os 23 milhões de habitantes da região à preservação ambiental. Se a preocupação é óbvia, afinal, como dizem os militares, "o caboclo e o índio precisam comer", a abordagem precisa de atualização para o século 21.

Ao fim, o presidente disse a que veio, de forma mais aguada do que gostaria o seu polêmico ministro da área, Ricardo Salles. Pediu "justa remuneração" por ser o guardião de biomas essenciais para a humanidade, o que de certa forma até abraça a ideia de que a Amazônia tem seu preço no mercado internacional —algo inaceitável para o presidente eleito em 2018 e para seus colegas das Forças Armadas.

Resta saber, ao fim, se alguém vai acreditar no homem quando ele tirar a gravata verde. Pelo simbolismo ofertado pelos americanos, que já havia sido demonstrado na ríspida cúpula diplomática com a China no mês passado, vai ser difícil.

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