Descrição de chapéu The New York Times

Mesmo derrotado, Trump continua semeando confusão no Partido Republicano

Influência que ex-presidente exerce revela sigla ainda profundamente dominada por ele

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Jonathan Martin Nicholas Fandos
Washington | The New York Times

Legisladores republicanos vêm aprovando limitações ao voto para apaziguar ativistas de direita que ainda não abandonaram a mentira do ex-presidente Donald Trump de que uma eleição em grande medida favorável foi fraudada para prejudicá-los.

Líderes republicanos andam atacando impiedosamente, à moda de Trump, empresas, entidades de beisebol e veículos de mídia para agradar aos mesmos conservadores e eleitores. E discussões sobre as dimensões e o âmbito de ação do governo ficaram em segundo plano, à sombra do tipo de enfrentamento na guerra cultural que era tão do gosto do rei dos tabloides. Esse é o partido que Trump recriou.

Enquanto lideranças e doadores republicanos se reúnem para um retiro partidário neste fim de semana em Palm Beach, na Flórida, que vai incluir uma recepção com Trump em seu resort Mar-a-Lago na noite deste sábado (10), a influência ampla que o ex-presidente exerce em círculos republicanos revela um partido muito dominado por um presidente derrotado —uma reviravolta bizarra na política americana.

Barrado do Twitter, desdenhado discretamente por muitos líderes republicanos e reduzido a receber suplicantes em seu exílio tropical na Flórida, Trump tem encontrado maneiras de exercer um domínio quase gravitacional sobre um partido acéfalo, apenas três meses após o ataque ao Capitólio que seus críticos esperavam que o marginalizasse e manchasse seu legado.

Sua preferência por travar lutas políticas brutais em lugar de governar e traçar políticas públicas, deixou os líderes republicanos em estado de confusão sobre o que eles representam e defendem, mesmo quando se trata dos negócios, algo que no passado estava na base do republicanismo. Mas o mandato único de Trump deixou claro o que a extrema direita combate —e como ela pretende travar suas batalhas.

Tendo literalmente abandonado sua plataforma partidária tradicional no ano passado para adaptar-se a Trump, os republicanos se organizaram em torno da oposição ao que veem como excessos da esquerda e adotaram as táticas de terra arrasada de Trump em suas batalhas.

Mitch McConnell, líder da minoria republicana no Senado, criticou empresas nesta semana por defenderem os democratas em relação a restrições ao voto defendidas por republicanos —mas recuou após dar a impressão de ter sugerido que queria que corporações se abstivessem totalmente da política.

Os republicanos estão fazendo relativamente pouco para apresentar contra-argumentos ao presidente Joe Biden sobre sua resposta ao coronavírus, suas propostas de expansão do Estado de bem-estar social ou, com a exceção importante da imigração, praticamente qualquer outra questão política. Em vez disso, os republicanos querem desviar o debate para questões que são mais unificadoras e inspiradoras em sua própria coalizão e que podem ajudá-los a manchar a imagem de democratas.

Assim, os republicanos vêm abraçando disputas sobre questões aparentemente de monta menor, para apresentarem um argumento maior. Ao enfatizar a retirada de publicação de alguns livros do Dr. Seuss que demonstram insensibilidade racial, os direitos de transgêneroe e a disposição de grandes instituições ou corporações como a MLB (a liga principal de beisebol) e a Coca-Cola a defender os democratas sobre os direitos de voto, a direita quer retratar um país dominado por elites obcecadas pela política de identidade.

É uma abordagem muito diferente do que se viu na última vez em que os democratas tiveram controle total do governo, em 2009 e 2010, quando os conservadores evocaram a grande recessão para alimentar insatisfação com o presidente Barack Obama e os gastos federais, a caminho de conquistar avanços grandes nas eleições parlamentares.

Mas Biden, veterano político branco, não é um alvo tão fácil para a base de ultradireita do partido, e é pouco provável que ele passe a ser visto pela população como um todo como figura polarizadora.

“O ano de 2010 teve um verniz de coerência filosófica e ideológica, mas hoje em dia sequer nos damos ao trabalho de fingir que buscamos essa coerência”, disse o lobista republicano Liam Donovan. “Trump pegou queixas que eram o aperitivo e as converteu no prato principal.”

Essa abordagem pode não ser o equivalente político a uma refeição bem balanceada —um plano de recuperação de longo prazo—, mas isso não significa que seja uma má estratégia para o êxito nas eleições de 2022 que vão decidir o controle da Câmara e do Senado.

Mesmo os democratas enxergam o risco de que a mensagem republicana sobre questões culturais acabe encontrando eco entre um segmento grande do eleitorado. Nesta semana, Dan Pfeiffer, ex-assessor de Obama que sofreu o que seu chefe descreveu como a “derrota estrondosa” de 2010, avisou membros de seu partido que eles não devem se limitar a revirar os olhos quando os republicanos lamentam a chamada “cultura do cancelamento”. “Os republicanos estão levantando esses tópicos culturais no intuito de unir seu partido e dividir o nosso”, escreveu ele em um artigo. “Por isso, precisamos fazer um esforço para trazer a discussão de volta às questões econômicas que unem nosso partido e dividem o deles.”

Os republicanos de longa data não negam. “Os democratas fizeram a única coisa que eu jamais imaginei que pudesse acontecer em tão pouco tempo: levaram os republicanos a desviar a atenção das coisas que nos dividem e focarmos a verdadeira oposição”, alegrou-se o estrategista republicano Ralph Reed.

Essa pode ser uma avaliação otimista demais, dado que Trump ainda está faminto por vingança contra seus críticos no interior do partido, com uma série de primárias contenciosas pela frente e os democratas em posição de auferir os benefícios de uma recuperação econômica. Mas não resta dúvida de que os republicanos estão se unindo em torno de um estilo pós-trumpiano que torna esse prefixo supérfluo.

Estão ansiosos, especialmente, por chamar a atenção para a imigração, em um momento em que ocorre um aumento na chegada de migrantes sem documentos à fronteira. Além de ser a questão mais emblemática de Trump, é também o problema que suscita a reação cultural mais forte entre a base republicana, predominantemente branca.

Uma pesquisa NPR/Marist neste mês constatou que, enquanto 64% dos eleitores independentes aprovam o modo como Biden vem lidando com a pandemia, apenas 27% defendem sua abordagem à imigração. Com tanto a ganhar se colocarem a culpa pelo problema nos democratas, os republicanos praticamente desistiram de discutir um pacto abrangente sobre imigração, apesar das súplicas do lobby das empresas.

Mas essa está longe de ser a única questão sobre a qual os republicanos estão se distanciando da posição da indústria, embora venham sendo seletivos em suas escolhas.

McConnell, por exemplo, continua a descrever os cortes nos impostos aprovados em 2017, que reduziram fortemente a alíquota corporativa, como a maior realização legislativa do Partido Republicano nos anos de Trump, e é pouco provável que ele engrosse um piquete de sindicalistas no futuro próximo.

Mas está claro que ele enxerga vantagem política em posicionar-se contra a MLB e os titãs corporativos, como Delta e Coca-Cola, que denunciaram a lei eleitoral aprovada na Geórgia —uma intervenção que dificilmente teria sido vista numa era pré-Trump. “As grandes empresas vão arriscar consequências graves se virarem um veículo para multidões desregradas da extrema esquerda afastarem nosso país da ordem constitucional”, disse McConnell, acrescentando mais tarde que não tem problemas com a ideia de empresas continuarem a financiar candidatos políticos.

Outros republicanos foram ainda mais longe, ameaçando a isenção antitruste da qual o beisebol profissional se beneficia. Trata-se de uma tática vingativa nitidamente trumpiana.

Pesquisas recentes feitas pelo partido indicam que, mais do que qualquer outra questão, os eleitores republicanos querem candidatos “que não recuem na luta contra os democratas”. Essa conclusão apareceu no início do ano numa pesquisa conduzida pela firma republicana Echelon Insights.

Kristen Soltis Anderson, a pesquisadora republicana que conduziu a sondagem, disse em entrevista a Ezra Klein que as pessoas que se deslocaram para a direita “sentem que o modo de vida que sempre conheceram está mudando rapidamente”.

Os republicanos vêm fazendo de tudo para alimentar esse medo, usando posições progressistas sobre questões como policiamento ou direitos de transgêneros como armas na guerra cultural, mesmo que isso requeira abrirem mão de alguns valores conservadores. No Arkansas, nesta semana, uma iniciativa de legisladores conservadores para tornar ilegal que crianças transgênero recebam medicação ou cirurgia de afirmação de gênero foi vetada pelo governador republicano Asa Hutchinson.

Ele argumentou que o projeto de lei “criaria um novo padrão de interferência legislativa nos atos de médicos e de pais” e que ele não inclui exceções para crianças que já iniciaram tratamentos hormonais. Mas os legisladores de seu partido passaram por cima de seu veto, e Trump o desancou, tachando-o de “RINO (sigla para "republicano apenas de nome") peso leve”. A disposição de se lançar em brigas políticas agressivas e sem freios é o mais importante no partido neste momento.

“Esta virou a maior qualidade que os republicanos buscam em seus líderes hoje”, disse Reed, o estrategista republicano. Ele disse que em uma era anterior, menos tribal, o partido teria evitado aprovar a lei divisiva da Geórgia que limita o acesso ao voto. “Depois de as grandes empresas e a mídia terem formado um cerco protetor, teríamos convocado os legisladores de volta, feito algumas emendas e seguido adiante”, disse ele. “Agora, porém, não cedemos um centímetro.”

Tradução de Clara Allain

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