Tomada por terroristas ligados ao Estado Islâmico desde o fim de março, a cidade de Palma, a poucos quilômetros de um enorme complexo de gás no norte de Moçambique, está novamente sob controle das autoridades do governo, de acordo com o porta-voz do Exército, Chongo Vidigal.
Ele anunciou, na noite de domingo (4), em pronunciamento à rede estatal TVM, que “um número importante de extremistas foi morto”. "Houve uma perda significativa de vidas humanas e de infraestrutura destruída. Mas as pessoas estão seguras agora", acrescentou Armindo Ngunga, secretário de Estado da província de Cabo Delgado, à agência de notícias Reuters nesta segunda-feira (5).
O município de 75 mil habitantes na província de Cabo Delgado foi cercado por terroristas no dia 24 de março —mesma data em que o grupo francês Total anunciou a retomada de obras da refinaria de extração de gás— e foi tomado três dias depois.
Houve relatos de que grande parte da cidade tenha sido destruída e de que havia cadáveres estendidos pelas ruas —imagens feitas pela TVM mostraram um soldado cobrindo um corpo caído e edifícios e carros incendiados. O governo disse que dezenas morreram no ataque, sem dar números exatos.
O EI reivindicou a autoria dos ataques por meio de sua agência de notícias, a Amaq, em 29 de março, afirmando ter assumido o controle da cidade após dias de confrontos com forças de segurança. Até aquele dia, o grupo disse ter matado ao menos 55 pessoas, entre as quais soldados, além de ter destruído e tomado prédios, incluindo fábricas e bancos.
Calcula-se que houvesse 60 mil pessoas em Palma àquela altura, e muitas fugiram para a Tanzânia ou para Nangade, perto da fronteira. O município atacado fica na região de bilionários megaprojetos para extração de gás, entre os quais o do grupo francês Total, que suspendeu novamente as operações após as ações terroristas. Na semana passada, entre 6.000 e 10 mil pessoas estavam abrigadas no ultraprotegido complexo da multinacional europeia ou tentando obter acesso, de acordo com a AFP.
Desde outubro de 2017, os extremistas da al-Shabaab, que juraram fidelidade ao Estado Islâmico, têm saqueado vilarejos e cidades em diferentes províncias, o que provocou o êxodo de quase 700 mil pessoas, segundo a ONU. O conflito em Cabo Delgado se estende pelo litoral norte de Moçambique, de Pemba até Palma, na fronteira com a Tanzânia.
Segundo o pesquisador da Anistia Internacional para Moçambique e Angola David Matsinhe, os insurgentes são jovens, em sua maioria do sexo masculino, nascidos na província de maioria muçulmana em um país com predominância católica.
O funcionário da Anistia Internacional explica que os insurgentes são fruto de um longo período de exclusão política, econômica e social. Após séculos sob controle português, Moçambique conquistou sua independência em 1975. Nesses mais de 45 anos como um Estado livre, porém, a região de Cabo Delgado foi ignorada pelo governo central, afirma o pesquisador.
A população local tinha como base de sua sobrevivência os recursos naturais. Para Matsinhe, o conflito se formou quando o governo central descobriu a existência das reservas de gás e começou a explorá-las sem oferecer desenvolvimento econômico e social para os moradores da região.
As multinacionais que possuem projetos em Cabo Delgado, por sua vez, não empregam a população local, diz o pesquisador, mas moçambicanos de outras províncias ou estrangeiros. Antes dos ataques a Palma, os confrontos já somavam 2.658 mortos, dos quais 1.341 são civis, segundo dados mais recentes do Projeto de Dados de Localização e Eventos de Conflitos Armados —que não incluem esta última ação.
Um ataque com esse grau de coordenação, com armas modernas e combatentes de moral elevada, pelo menos a julgar pelo vídeo da preparação do ataque divulgado pela agência de notícias Amaq, é um sinal de que os insurgentes estão mais sofisticados, com mais treino, logística e parecem muito longe do enfraquecimento que se poderia imaginar da sua luta contra polícias, militares e mercenários.
O Centro para Democracia e Desenvolvimento moçambicano afirmou na última terça (30), em seu boletim, que a empresa privada de segurança sul-africana DAG (Dyck Advisory Group), cujo contrato com o Ministério do Interior para ajudar a polícia expira no dia 6 de abril, chegou a alertar para a iminência de um ataque, mas os avisos foram desconsiderados.
Comentários
Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.