No limbo, brasileiros pedem ajuda ao Itamaraty para conseguirem estudar nos EUA

Fechamento dos consulados e interrupção na emissão de vistos inviabilizam início do semestre acadêmico, que começa em agosto

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Washington

A pandemia da Covid-19 deixou em suspenso o plano de milhares de brasileiros que estavam a caminho de universidades americanas. Com consulados fechados no Brasil e a emissão de vistos praticamente paralisada, a ida para o semestre acadêmico que começa em torno de agosto parece cada vez mais inviável, empurrando alunos para um limbo.

Um grupo deles enviou na manhã desta quarta-feira (21) uma carta ao Itamaraty pedindo ajuda. Eles esperam que com a queda do então chanceler Ernesto Araújo —visto como um entrave nas relações entre Brasil e EUA— o contexto político seja mais favorável para encontrar uma solução. O texto teve 1.134 assinaturas.

Estudante usa máscara e respeita distanciamento social no campus da Universidade Georgetown, em Washington
Estudante usa máscara e respeita distanciamento social no campus da Universidade Georgetown, em Washington - Kevin Lamarque - 9.mar.21/Reuters

A pandemia, que já matou mais de 375 mil pessoas no Brasil, interrompeu o que era até então um momento auspicioso para quem sonhava em estudar no exterior.

Um relatório do governo americano mostra que o Brasil era o nono país com mais estudantes em 2019 nos EUA. Eram 16 mil pessoas, um aumento de quase 10% em relação ao ano anterior.

Segundo um banco de dados do Departamento de Estado americano, o país emitiu 381 vistos de tipo F1 —o mais usado por estudantes— para brasileiros em fevereiro de 2020. No entanto, no mesmo mês de 2021, foram apenas 87.

Beatriz Carvalho, 21, é uma das brasileiras que espera que a carta ajude a desemaranhar o nó dos vistos. Ela foi aprovada para um mestrado em estudos latino-americanos na Universidade Illinois Urbana-Champaign (que fica 200 quilômetros ao sul de Chicago). O plano de Carvalho é estudar violência política contra mulheres na região.

Ela recebeu uma bolsa que cobre o valor do curso e oferece um salário para viver no país. O custo de mestrados e doutorados costuma ser alto nos EUA —o dela, por exemplo, fica na casa de R$ 300 mil. Mas, sem saber se vai poder chegar a tempo, a situação toda ficou bastante incerta. “Alunos estão perdendo vaga, bolsa, salário”, diz. “Mas não queremos perder a oportunidade.”

O principal entrave é que os consulados americanos no Brasil não estão abrindo horários para a entrevista do visto. Quando abrem, é para datas muito distantes. Há eventuais vagas de encaixe, mas são poucas e concorridas. Esse panorama faz com que estudantes passem o dia navegando pelo site, em busca de vagas. Só que por vezes o agendamento acaba sendo cancelado em seguida.

Assim, alguns brasileiros estão viajando a um terceiro país que emite visto para não residentes. Era o caso do Chile, do Equador e do Panamá —mas agora não há vagas em nenhum deles. Um grupo de brasileiros chegou a ir a El Salvador, mas não conseguiu emitir o visto por lá e acabou perdendo a viagem.

Para tentar resolver a situação, há também alunos pagando despachantes, adicionando custos a uma já cara empreitada. Foi depois que essas histórias começaram a circular em grupos de WhatsApp que estudantes passaram a se mobilizar. Três futuras alunas das universidades Columbia (em Nova York) e Georgetown (na capital, Washington) encabeçaram o projeto de reunir assinaturas.

Mais tarde, a iniciativa ganhou respaldo da Brasa, associação de estudantes brasileiros no exterior que conta com 9.000 membros. Entre suas atividades, o grupo oferece bolsas para alunos de baixa renda estudarem fora. “A situação do Brasil é muito única”, afirma Rafael Monteforte, 22, presidente da Brasa e aluno de economia na Universidade Grinnell (no estado de Iowa).

Para ele, apesar de a paralisação da emissão de vistos ser uma medida de saúde causada pela pandemia de coronavírus, há também aspectos políticos e diplomáticos envolvidos.

Alunos de outros países têm tido oportunidades que os brasileiros não têm. Britânicos e irlandeses com visto de estudante, por exemplo, podem viajar aos Estados Unidos sem fazer quarentena. Consulados em diversos outros países estão agendando entrevistas a tempo, também, e concedendo exceções de interesse nacional. "Mas os alunos brasileiros estão sem saída”, Monteforte diz.

​À Folha o embaixador Paulino Franco de Carvalho Neto, secretário de comunicação e cultura do Itamaraty, confirmou ter recebido a carta e disse que irá se debruçar sobre o tema. “Faremos todo o possível para tentar buscar uma solução satisfatória ao pleito desses estudantes."

Um dos pedidos dos alunos é que o governo brasileiro pressione os EUA a facilitar esses vistos. Ou que, quando os consulados por fim reabram por completo, os estudantes tenham prioridade.

Ou, ainda, que os estudantes sejam enquadrados em uma categoria de interesse nacional, com isenção, para inclusive poder viajar aos Estados Unidos sem fazer uma quarentena de duas semanas em um terceiro país —algo que alonga e encarece a jornada.

Em paralelo, estudantes têm pressionado as universidades. Algumas enviaram cartas às autoridades americanas sinalizando o quão importante é a presença de alunos estrangeiros em suas fileiras.

Muitas instituições também informaram aos brasileiros que, se necessário, pode existir a opção de assistir aos cursos de maneira online —o avanço da vacinação nos EUA e a consequente retomada das aulas presenciais, porém, ameaçam essa solução.

“Estudar nos EUA é um sonho”, diz Pedro Vormittag, 28. “É um projeto que eu tenho há muito tempo, só que escolhi a pior época possível da história. Câmbio explodindo, consulados fechados, risco sanitário”, elenca ele. “Mas me agarro a esse sonho e arco com as consequências de realizá-lo.”

Vormittag foi aprovado ainda em 2020 para o mestrado em administração pública na Universidade Columbia e recebeu bolsa de mais de R$ 100 mil. Com a dificuldade de obter visto, teve de adiar seu ingresso e perdeu o financiamento. Agora, ele planeja viajar ao Equador para uma entrevista no consulado. Isso, é claro, caso ele possa entrar no país e seu agendamento seja mantido. Está tudo em suspenso.

“A burocracia foi, por enquanto, mais forte. Mas eu vou estudar nos EUA. Custe o que custar.”

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