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Países iniciam corrida para descarbonização após Cúpula do Clima

Antecipação de metas climáticas cria competição, avaliam especialistas

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São Paulo

A articulação americana pelas metas do Acordo de Paris trouxe ao debate climático otimismo de última hora sobre a capacidade de o mundo responder à crise do clima. Para especialistas, o prazo mais curto cria competição global pautada na redução das emissões de carbono.

“O caminho da descarbonização está dado; agora vira uma corrida pelas melhores tecnologias para isso”, avalia a economista e doutora em ciência política Ana Toni, diretora do Instituto Clima e Sociedade.

Durante a Cúpula do Clima, organizada pelos EUA na última semana, o enviado especial de clima dos americanos, John Kerry, afirmou por duas vezes a aposta em manter o aquecimento global abaixo de 1,5ºC.

“Mais de 50% do PIB global acordou aqui hoje que nós vamos para 1,5ºC”, disse Kerry na cúpula, após quatro meses de articulações com os maiores emissores do planeta para antecipar de 2050 para 2030 os marcos dos compromissos.

Países desenvolvidos como EUA, Japão e Canadá, além da União Europeia, anunciaram metas de redução de cerca de metade das emissões até 2030, o que responde de forma inédita à recomendação da ciência para conter o aquecimento em 1,5ºC. Antes da cúpula, o Marrocos era o único país com uma meta adequada para o objetivo do Acordo de Paris.

Avanços comedidos anunciados pelos líderes de economias emergentes foram comemorados como sinais de cooperação, já que a negociação sobre as diferentes responsabilidades e capacidades de financiamento entre desenvolvidos e emergentes tem sido um dos principais empecilhos para os acordos climáticos.

Em busca de um alinhamento global para recuperar a confiança na agenda e na condução americana, os EUA reforçaram os cuidados diplomáticos com grandes emissores como a China e a Rússia, que também são antagonistas dos americanos em outras pautas. “Clima é um dos poucos temas em que esses países entendem que têm que cooperar, pois só conseguem lidar com isso juntos”, afirma Toni.

A China anunciou que antecipará o pico de emissões para antes de 2030 e reduzirá o uso de carvão a partir de 2025, enquanto a Rússia falou em zerar emissões até 2050. Os EUA também já anunciaram uma parceria para apoiar a transição energética na Índia, cujo setor elétrico responde por quase metade de suas emissões. Os indianos são responsáveis por 7% das emissões globais atuais e, antes da descarbonização, têm como prioridade a universalização do acesso à energia elétrica nas zonas rurais.

Para Toni, os EUA calculam sair na frente de grandes emissores na rota de descarbonização porque “perceberam que não perdiam da China devido à emissão de carbono, mas por falta de investimento em ciência e inovação”. “Agora mudou a chave de competição. O cálculo político é que a margem de vantagem competitiva de produzir externalizando os custos climáticos é pequena se comparada com o ganho de competitividade tecnológica que se tem ao sair na frente”, pontua.

No entanto, na avaliação do físico e climatologista Paulo Artaxo, professor da USP, não há mais tempo para conter o aquecimento em 1,5ºC —o teto evitaria a inundação de litorais e submersão de países-ilha até o fim do século. “O mundo já aqueceu entre 1,1ºC e 1,2ºC e, até as políticas anunciadas agora serem implementadas, já teremos chegado a 1,5ºC”, avalia Artaxo.

“Como essas políticas não se fazem da noite para o dia, ainda vamos ter 30 anos de emissões, e o mundo vai continuar aquecendo numa taxa acelerada; impossível evitar.”

De acordo com Toni, a próxima década será pautada pelos instrumentos econômicos, com medidas como a precificação do carbono, desde o mercado de emissões até a taxação, e a revisão de critérios para o comércio global, em uma regulamentação que evitaria dar vantagens para produtos dependentes de altas emissões de carbono.

O financiamento pelos mais ricos é a chave aguardada para que o restante do mundo acompanhe a rota de descarbonização. “A volta dos EUA para a mesa é fundamental também devido ao retorno do financiamento, que continua sendo a grande interrogação”, afirma Pablo Vieira, diretor da NDC Partnership. A iniciativa dá suporte a 77 países em desenvolvimento na implementação de metas climáticas.

Para ele, o debate precisa ir além das nações emergentes e desenvolvidas, que são os grandes emissores atuais e históricos, para financiar uma guinada global e inclusiva na curva de emissões. “Não podemos desconsiderar os países menores ou mais pobres, porque eles serão os grandes emissores do futuro.”

O bloco dos desenvolvidos havia prometido, em 2009, doações anuais de US$ 100 bilhões (R$ 547 bilhões) a partir de 2020 para financiar ações climáticas nos países em desenvolvimento, mas a promessa é vista pela comunidade internacional como improvável de ser cumprida atualmente.

Os Estados Unidos sinalizaram na última semana que devem doar US$ 1,2 bilhão (R$ 6,5 bilhões) para o Fundo Verde do Clima e distribuir mais US$ 1,3 bilhão (R$ 7,1 bilhões) em parcerias bilaterais.

Outra aposta para cumprir a redução drástica das emissões está na captura de carbono. Compensar —e não só evitar— emissões é uma ressalva presente na retórica de países altamente dependentes da produção de combustíveis fósseis —como Árabia Saudita, Noruega e mesmo Estados Unidos. Eles miram em investimentos para compensar a queima de gases-estufa por meio de tecnologias para estocá-lo de volta no solo, principalmente através do plantio de árvores e a restauração de áreas naturais degradadas.

Além de permitir a grandes poluidores embarcar em metas climáticas de curto prazo, a compensação destina investimentos a países com grandes áreas a serem regeneradas, como é o caso brasileiro.

O país já havia recebido doações de R$ 3,4 bilhões de Noruega e Alemanha como remuneração por controlar o desmatamento, mas as transações foram interrompidas no início do governo Bolsonaro.

Mesmo em um esforço de transformação da sua figura na Cúpula do Clima, o presidente Jair Bolsonaro ainda associou, em seu discurso na quinta (22), a pobreza ao que chamou de “paradoxo amazônico”. O ministro da Economia, Paulo Guedes, já havia gerado críticas no último ano ao associar, no fórum econômico de Davos, o desmatamento ao combate à pobreza.

De acordo com fontes ligadas à diplomacia americana, o discurso do presidente brasileiro, baseado em realizações de gestões passadas e sem a apresentação de estratégias atuais, minou as expectativas de que o governo poderia ter uma chance de recuperar a confiança internacional na pauta climática.

No entanto, a expectativa é a de que os EUA cobrem esforços do país ainda dentro de um espírito de cooperação, sob a prioridade de concluir a regulamentação de Paris, prevista para o final do ano na COP26, na Escócia.

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