Pela primeira vez, Brasil cai para 'zona vermelha' de ranking de liberdade de imprensa

Segundo índice da ONG Repórteres sem Fronteiras, país passou a ter 'situação difícil' para jornalistas

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São Paulo

Pela primeira vez em 20 anos, o Brasil entrou na "zona vermelha" do Ranking Mundial de Liberdade de Imprensa dos Repórteres sem Fronteiras, divulgado nesta terça-feira (20).

O país está classificado, ao lado de Bolívia, Nicarágua, Rússia, Filipinas, Índia e Turquia, como uma nação na qual a situação para o trabalho da imprensa é considerada difícil. “Consideramos que é uma posição indigna de uma grande democracia como o Brasil”, disse à Folha Emmanuel Colombié, diretor regional para a América Latina da ONG Repórteres sem Fronteiras.

O presidente Jair Bolsonaro fala com jornalistas e apoiadores após evento em Chapecó
O presidente Jair Bolsonaro fala com jornalistas e apoiadores após evento em Chapecó - MoniaCris - 7a.br.21/iShoot/Folhapress

Antes, o Brasil estava na zona laranja, em que a situação da imprensa é considerada sensível. Em relação ao ano passado, o país teve uma queda de quatro posições no ranking, passando da 107ª colocação para a 111ª. É o quarto ano consecutivo de queda do país, que em 2018 estava na 102ª posição.

Segundo Colombié, o Brasil já enfrentava problemas estruturais no campo da liberdade de expressão. É o segundo país da América Latina com o maior número de profissionais de imprensa mortos na última década, atrás apenas do México. Além disso, segundo ele, a mídia brasileira ainda é muito concentrada, o que prejudica o pluralismo, e o sigilo das fontes é regularmente ameaçado, com jornalistas se tornando alvos de processos judiciais abusivos. Mas o trabalho da imprensa brasileira tornou-se muito mais difícil desde que Jair Bolsonaro foi eleito presidente, diz a ONG.

"O presidente Bolsonaro, seus filhos que ocupam cargos eletivos e vários aliados dentro do governo insultam e difamam jornalistas e meios de comunicação quase que diariamente, escancarando o desapreço pelo trabalho jornalístico”, afirma o relatório.

“Esses ataques seguem uma estratégia cada vez mais estruturada de semear desconfiança no trabalho dos jornalistas, de destruir a credibilidade da imprensa como um todo e, gradualmente, construir a imagem de um inimigo comum; essa imagem que já foi introjetada pelos seguidores do presidente e mancha as redes sociais com linchamentos online de profissionais da mídia e veículos de comunicação. Além de incitar o ódio, a estratégia foca evitar que essas autoridades tenham que prestar contas à sociedade sobre o que as notícias trazem à tona."

Publicada anualmente desde 2002 pela RSF, a pesquisa avalia as condições para o exercício do jornalismo em 180 países, analisando pluralismo, independência das mídias, ambiente e autocensura, arcabouço legal, transparência, qualidade da infraestrutura de suporte à produção da informação e violência contra a imprensa. Pelo quinto ano consecutivo, a Noruega aparece em primeiro lugar. A Finlândia vem em segundo, seguida de Suécia e Dinamarca. Os países com a pior classificação são Eritreia (180), Coreia do Norte (179), Turcomenistão (178), China (177) e Djibuti (176).

O ranking de 2021 aponta uma tendência generalizada de aumento dos obstáculos para o trabalho jornalístico no mundo, devido à crise sanitária ou tendo a pandemia como pretexto. A zona branca do ranking, de países que têm uma situação ótima ou muito satisfatória para o exercício do jornalismo, nunca esteve tão reduzida —apenas 12 dos 180 países, ou seja, 7% (comparado a 8% em 2020).

A China continua a impor censura e vigilância na internet e na imprensa em geral e se mantém na zona mais crítica do ranking, que aparece em preto. O país que teve a maior queda no ranking foi a Malásia, que despencou 19 posições após um decreto “anti-fake news” que “concede ao governo o poder de impor sua própria versão da verdade”. Na América Latina houve deterioração generalizada da liberdade de imprensa, e, com a pandemia, os governos da região criaram sérias dificuldades de acesso às informações.

“O negacionismo adotado por diversos dirigentes autoritários, como Jair Bolsonaro, no Brasil, Daniel Ortega, na Nicarágua, Juan Orlando Hernández, em Honduras, e Nicolás Maduro, na Venezuela, tornou a tarefa dos meios de comunicação especialmente difícil”, diz o relatório.

No Brasil, segundo Colombié, a pandemia deu origem a novos ataques contra a imprensa por parte do presidente, rotulado como responsável pela crise que o líder tenta transformar em bode expiatório, para desviar a atenção de sua gestão desastrosa da crise sanitária, que já deixou mais de 350 mil mortos.

“Até o momento, nada indica que o 'sistema Bolsonaro' vá interromper sua lógica de ataques e sua operação orquestrada para desacreditar a mídia”, diz Colombié. “O desafio para a imprensa brasileira é imenso; o caminho para enfrentá-lo é ter coragem e resiliência para seguir levando informações confiáveis ao público e, assim, recuperar a confiança no jornalismo de qualidade.”

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