Piora da crise na Ucrânia faz Biden pedir reunião de cúpula com Putin

Tensão entre as duas potências aumenta, com acusações mútuas de reforço de tropas

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São Paulo

A crise entre a Rússia e a Otan escalou nesta terça (13), fazendo com que o presidente dos EUA, Joe Biden, ligasse para Vladimir Putin e sugerisse ao líder russo uma reunião de cúpula sobre as atividades militares em torno da Ucrânia.

Moscou havia acusado os EUA de serem "o adversário" e dito que a aliança militar ocidental está deslocando 40 mil soldados para fronteiras próximas de seu território.

Já a o grupo liderado pelos americanos exigiu o fim de "ações provocativas" do Kremlin na Ucrânia, perto de onde o governo de Vladimir Putin concentrou estimados 83 mil soldados nas duas últimas semanas.

Franco-atirador ucraniano treina em Marinka, perto da área rebelde de Donetsk
Franco-atirador ucraniano treina em Marinka, perto da área rebelde de Donetsk - Anastasia Vlasova/Reuters

"O presidente expressou nossa preocupação sobre a inesperada escalada militar russa na Crimeia ocupada e nas fronteiras da Ucrânia", disse uma nota da Casa Branca.

Foi o segundo telefonema entre os dois presidentes, que têm protagonizado altercações desde que Biden assumiu, em janeiro. O Kremlin não comentou a questão da cúpula, mas confirmou que a conversa tratou de Ucrânia e temas como controle de armas nucleares.

A tensão gira em torno do Donbass, região de maioria étnica russa no leste da Ucrânia que vive um estado de guerra civil congelado desde 2014, com metade de seu território ocupado pelos separatistas apoiados por Moscou.

Naquele ano, o presidente pró-Moscou da Ucrânia foi derrubado, e, para evitar que o vizinho entrasse de vez na órbita do Ocidente e enfraquecesse sua posição geopolítica trazendo forças adversárias para suas fronteiras, Putin anexou a península da Crimeia, também de maioria étnica russa.

No leste ucraniano, contudo, a situação seguiu indefinida. Mais de 13 mil pessoas morreram nos combates, concentrados até 2015 e esporádicos desde então, mas o sucesso do Azerbaijão em resolver "manu militari" suas diferenças com a Armênia no ano passado parece ter inspirado a Ucrânia a tentar fazer o mesmo.

Essa leitura é contestada pelos ucranianos, que apontam que parte de seu território está sob ocupação rebelde. Seja como for, o impopular presidente Volodimir Zelenski está pressionado por rivais a adotar uma posição mais belicosa que antes rejeitava.

O resultado foi o deslocamento de 33 unidades do seu Exército para regiões fronteiriças às duas autoproclamadas repúblicas populares do leste, a de Donetsk e a de Lugansk, no começo do ano.

A resposta russa veio nas últimas semanas, com a enorme concentração de tropas que gerou alarme entre lideranças ocidentais, Biden à frente. O americano tem se notabilizado por uma dura retórica contra Putin, a quem chamou de assassino. Países europeus com negócios energéticos com Moscou, como Alemanha e França, tendem a buscar mais diplomacia.

Ainda assim, todos se uniram em comunicado do G7, o grupo das sete economias mais desenvolvidas do mundo, pedindo que a Rússia parasse de desestabilizar a Ucrânia, emitido na segunda-feira (12).

Nesta terça, o secretário-geral da Otan, o norueguês Jens Stoltenberg, reuniu-se com o chanceler ucraniano, Dmitro Kuleba, em Bruxelas.

Ambos pediram o fim das movimentações russas, as maiores desde 2014, e Kuleba voltou a pedir rapidez no processo de integração de seu país à Otan, algo virtualmente impossível. As regras do clube exigem que um membro não tenha disputas territoriais, e o acesso em 2020 de seu mais recente integrante, a turbulenta Macedônia do Norte, demorou 21 anos.

Depois, Kuleba encontrou-se com o secretário de Estado dos EUA, Antony Blinken. "A Rússia precisa desescalar suas forças imediatamente", afirmou.

Em Moscou, o ministro da Defesa Serguei Choigu afirmou trabalhar com a informação de que a Otan está movendo forças da América do Norte para a Europa. Segundo disse a agências de notícias russas, "40 mil soldados e 15 mil itens de armamento, incluindo aviões estratégicos, serão colocados" perto da Rússia.

Além disso, ainda nesta semana dois navios de guerra americanos irão entrar no mar Negro, que banha a região disputada e que é a saída estratégica dos russos ao Mediterrâneo. Em reação, Moscou deslocou para as águas mais de 12 navios menores da Flotilha do Mar Cáspio, para se unirem à frota local.

"As forças na Europa estão se movendo rumo à fronteira russa, basicamente no mar Negro e na região do Báltico", afirmou. Em resposta, nas últimas três semanas Moscou deslocou dois exércitos e três unidades aerotransportadas para "treinamentos" nessas áreas, que acabarão em duas semanas.

Já o vice-chanceler Serguei Riabkov afirmou, também nesta terça, que os EUA "devem ficar longe [da Ucrânia] para seu próprio bem". Ele chamou o país de "o nosso adversário".

Não ficou claro se tais exercícios empregam as mesmas forças deslocadas a partir da semana retrasada, mas o prazo para o fim deles pode ser uma sinalização ao Ocidente para buscar desescalar a tensão.

As forças russas estão em torno do Donbass e na Crimeia, segundo o governo da Ucrânia. Moscou não negou isso. A troca de acusações e a movimentação de tropas são as mais intensas desde a crise da anexação da Crimeia. Segundo Choigu, houve um aumento de 50% na atividade de reconhecimento naval e aéreo da Otan junto às fronteiras russas desde janeiro.

Há um consenso relativo entre analistas de que a guerra de fato não interessa a ninguém, e que Putin está aproveitando a situação para tentar implementar de vez os acordos de Minsk (2014-15), que não são aceitos por Kiev por manter as repúblicas rebeldes autônomas.

Por outro lado, em especial na Rússia, há poucas dúvidas de que o Kremlin irá intervir se houver um ataque maciço ucraniano contra posições no Donbass.

Isso, contudo, é igualmente duvidoso com a escalada da crise. A tensão é tão grande que passou a envolver itens tão diversos quanto a celebração dos 60 anos do primeiro voo espacial tripulado, feito pelo soviético nascido na Rússia Iuri Gagárin.

Na segunda, Zelenski queixou-se de que Moscou havia se apropriado do evento, ignorando o papel de ucranianos no programa espacial.

Ele foi rebatido pela vocal porta-voz do Ministério das Relações Exteriores da Rússia, Maria Zakharova, que enalteceu o papel das 15 repúblicas que formavam então a União Soviética no feito e aproveitou para lembrar a proliferação de grupos neonazistas na Ucrânia.

O tema é altamente contencioso, pois é notório que unidades militares ucranianas celebram grupos que lutaram ao lado dos nazistas contra os soviéticos na disputa pelo país na Segunda Guerra Mundial. Kiev, por óbvio, nega qualquer intenção de celebrar o fascismo.

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